A 100 Heartbreaks

Capítulo 5


– Você está chorando?

Sem que eu percebesse, Dai tinha dado a volta na mesa e agora me fitava, preocupação aparecendo em seus olhos expressivos.

Não me dei ao trabalho de secar minha bochecha. Levantei, largando o que segurava na mesa sem cuidado. Um pedaço de cenoura caiu no chão e foi rolando até o pé de Dai. Nenhum de nós prestou muita atenção.

– Acho que você precisa ir embora, Dai – falei, minha voz saindo como um sussurro fraco.

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Ele não se mexeu, sua expressão não se alterou. Foi como se ele estivesse processando minhas palavras e, só depois de ter certeza de tê-las entendido corretamente, deu um passo na minha direção e, ainda que a mesa estivesse entre nós, eu dei um passo correspondente para trás.

– O que está acontecendo, Ceri? – perguntei, dessa vez franzindo as sobrancelhas, transformando-as em uma só, do jeito que costumava fazer tão frequentemente.

Balancei a cabeça. Eu não tinha uma resposta para ele, não uma que eu pudesse dizer, de qualquer jeito. Ele não entendia, não podia entender.

E era pior do que quando ele apenas queria que eu lhe encontrasse amor.

– Me desculpe – murmurei, me recusando a encontrar seu olhar. – Talvez isso tudo tenha sido um erro.

– O que foi um erro? – sua voz normalmente doce parecia...endurecida.

Mordi o lábio, deixando o cabelo cobrir meu rosto, escondendo-o de Dai. Minhas mãos tremiam, minha vontade fraquejava. E era tão perigoso justamente por ser algo que eu não conhecia. Por ser algo que havia me pegado completamente de surpresa.

Não, eu não estava esperando aquilo. Não. Eu não tinha pensado naquilo. Eu não podia.

Eu já havia desistido.

– Olha pra mim – Dai pediu, suavizando um pouco. – Olha pra mim e me diz o que foi um erro – e quando eu não fiz nada disso, sua voz se elevou, tanto em altura quanto em frustração. – Que merda, Ceri, olha pra mim!

Surpresa, levantei o rosto, o lábio inferior ainda preso entre meus dentes. Sem saber o que fazer com minhas mãos que tremiam, acabei cruzando os braços sobre o peito, depois colocando-as nos bolsos, depois apertando-as juntas e segurando meus dedos. Eu não conseguia mantê-las quietas.

Eu só queria sair correndo.

– O que foi um erro? – ele repetiu, os olhos parecendo implorar, a expressão frustrada.

Engoli antes de responder:

– Isso. Você. Aqui. Você não devia estar aqui, comigo.

A expressão em seu rosto era de dor e incredulidade. Ele parecia realmente machucado, embora seus lábios se contorcessem em um sorriso triste, raivoso.

– E quem decide isso? – perguntou, aproximando-se mais, desviando da mesa.

Precisei usar quase todo o meu autocontrole para não recuar e continuar exatamente onde estava, mesmo quando cada célula em meu corpo gritava que eu deveria fugir, que era perigoso, que eu iria me machucar.

Talvez fosse tarde demais para isso, mas ainda assim eu fiz um juramento silencioso.

Eu nunca deixaria Dai quebrar meu coração.

– Eu – falei, levantando o queixo e tentando projetar minha voz. – Eu decido.

Dai levou uma de suas grandes e ásperas mãos até seu rosto e esfregou o queixo por um segundo, desviando o olhar antes de voltar a fixá-lo em mim.

– Do que você tem medo, Ceri?

Não respondi imediatamente. Eu sabia exatamente qual era meu medo. Mais do que ficar sozinha, do que viver em um mundo cinza e monótono, sem vida além da que brotava em meu jardim...eu tinha medo da dor. Da pior delas, da que vinha de um coração que sangrava em meu peito. Eu a havia sentido tantas vezes, de tantas formas, para saber que era a dor que eu mais temia, que mais me fizera sofrer.

Morrer não machucava tanto. E eu sabia disso também. Minha existência antes de Dai era uma morte em vida.

E eu preferia aquilo a me machucar de novo.

– Você já se apaixonou, Dai? – perguntei em vez de lhe responder. – Já alimentou esperanças e ilusões, já teve seu dia começando e terminando nos olhos de alguém?

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A pergunta o havia pegado desprevenido, a julgar pelo alargar dos seus olhos e sua falta de resposta. Não lhe dei tempo para pensar em algo para dizer, no entanto. Não buscava uma resposta.

– Já precisou ver a pessoa que ama segurando seu coração nas mãos? – continuei, sem conseguir evitar a falha em minha voz, as lembranças que me vinham à mente. – Apertando-o sem piedade sem sequer perceber? Já precisou vê-la indo embora sem nem desconfiar que destruiu você? Já sentiu a dor de um coração partido?

O silêncio que caiu sobre a cozinha parecia querer nos engolir, como algo vivo, úmido e quente, sugando nossa energia. Eu mesma me sentia cansada como se tivesse lutado uma batalha. E perdido.

– Não – Dai disse depois de muito tempo.

Eu havia desviado meu olhar dele, mas agora o fitava apenas com exaustão.

– Então você não tem como saber do que eu tenho medo – foi minha resposta.

...

Dai foi embora naquele dia, mas voltou no seguinte. E no outro. E no outro. Ele continuava vindo, mesmo que o alegre companheirismo que tínhamos antes tivesse desaparecido. Nós não nos falávamos. Eu nem saía de casa, apenas observava-o trabalhar pela janela da cozinha e deixava xícaras de chá para ele ao lado da porta dos fundos.

Vê-lo era um conforto inesperado. Certamente eu não deveria querê-lo por perto, eu sabia disso desde o primeiro dia. Mas a verdade era que eu o queria. Apenas ver o sol bater em sua pele que ficava a cada dia menos pálida, ver seus dedos longos tratando tão delicadamente das minhas flores, ver seu cabelo caindo em seus olhos e o suor em seu pescoço...era como um presente roubado, um prazer que não devia ser meu, mas que me fazia egoísta e gananciosa. Eu sabia que ele não me pertencia. Mas também sabia que estava apaixonado por mim.

Esse era um sentimento que eu nunca havia experimentado antes, mesmo com todos os meus anos de “trabalho”. Eu havia demorado a reconhecer por nunca antes ter sido amada. Mas então era como se uma cortina tivesse sido aberta em meus olhos e eu não conseguia deixar de me perguntar como não havia percebido antes. Mesmo agora, o amor estava no modo como ele tocava minhas flores, como lavava as xícaras de chá antes de colocá-las de volta ao lado da porta. Estava em sua voz sussurrada quando acariciava o gato que aparecia vez ou outra. Estava em seus olhos quando encontrava os meus através do vidro sujo da janela.

Estava no fato de ele continuar voltando, dia após dia.

Eu soubera que podia me apaixonar por ele desde o primeiro dia. E por isso era um perigo tê-lo por perto. Mas eu também conhecia meus sentimentos como ninguém e sabia que, antes de saber que Dai me amava, tudo o que havia me permitido sentir por ele era amizade. Era carinho, afeto, sim, mas não era aquela mão enluvada do amor que partia meu coração com tanto cuidado e delicadeza.

Mas descobrir o que ele sentia por mim tivera o efeito de uma enxurrada em minhas paredes enfraquecidas. Qualquer barreira que eu pudesse ter havia sucumbido com a força e a surpresa. E dessa vez, não era minha culpa.

Eu não quis amar Dai. Havia, de fato, me obrigado a não amá-lo. Havia escalado o penhasco, apenas para chegar lá em cima e ter Dai cortando a corda que me segurava. E me empurrando para o fundo.

Eu não tive a menor chance.

Mais uma vez, eu estava apaixonada.

Ficar consciente disso me fez chorar. Me fez entrar em luto pelo amor que eu sabia que perderia, antes mesmo que eu pudesse tocá-lo. E seria pior dessa vez. Porque ele me amava.

Mas isso não o impediria de me abandonar, quando o momento chegasse.