Walkie-talkie
Terceiros
A noite de sábado estava fresca e agradável. O céu escuro estava salpicado de estrelas, indicando que o dia seguinte seria tão bonito quanto o anterior. Havia grande movimento nas ruas, principalmente de jovens se encaminhando para reuniões e encontros.
Mas Yoko estava em sua casa. Ela não costumava ter programa para os sábados à noite, e aquela não era uma exceção. A jovem estava deitada de bruços em sua cama, o peso do corpo apoiado nos cotovelos enquanto observava distraidamente o pequeno walkie-talkie em seu travesseiro.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!- Por que ainda não jogou isso fora, Yoko? – perguntou Mai, sentada na cama ao lado. Ela parecera concentrada em ler uma revista até então.
- Joguei fora o quê? – Yoko puxou o walkie-talkie pela antena, deslizando-o pela coberta em movimentos circulares.
- Essa coisa – Mai indicou o aparelho.
- Ah. Eu preciso devolvê-lo, Mai. Eu disse que ia devolvê-lo...
A mais velha observou Yoko brincar com o walkie-talkie por alguns instantes e então largou a revista.
- Yoko, eu não gosto disso – ela disse com preocupação – Você não sabe quem é esse homem que usa o walkie-talkie. Ele pode ser um assassino, um estuprador, um louco... Você simplesmente não sabe! Você devia cortar qualquer contato com ele, Yoko-chan. Pode ser realmente perigoso.
Yoko ergueu os olhos para a irmã, que parecia realmente angustiada com a situação. A mais nova pensou por algum tempo no que a outra tinha falado.
- Eu entendo o que quer dizer – respondeu por fim – Mas eu sei me cuidar. Eu estou tomando cuidado! – Yoko sorriu.
- Você é inocente demais, Yoko, eu tenho medo do que esse homem possa convencê-la a fazer...
- Ele não vai me convencer a fazer nada. Eu só vou devolver o walkie-talkie dele. Só isso.
Mai arregalou os olhos pequenos.
- Yoko! Me prometa que não vai se encontrar com esse homem!
A caçula piscou algumas vezes, um pouco assustada com o tom da irmã.
- Eu... Eu não vou...
- Me prometa, Yoko! Pelo amor de Deus!
- Eu prometo!
- Se você for realmente devolver isso, devolva logo e não se apresente a ninguém! Marque de deixar essa coisa em algum lugar e saia correndo! Ele que vá buscá-lo...
Yoko sorriu com a preocupação da mais velha e a abraçou rapidamente.
- Maninha, eu não vou fazer nada que me ponha em risco! Não se preocupe, tá? – Yoko estalou um beijo na bochecha de Mai – Vai dar tudo certo!
Mai suspirou, revirando os olhos.
- Eu espero que sim. Agora me dê licença; eu quero ler!
Ainda sorrindo, Yoko voltou a sentar em sua cama. Sua atenção logo foi desviada para o walkie-talkie preto.
- Será que é muito tarde para falar com ele? – ela perguntou para si mesma.
- O que você disse? – Mai a encarou, preocupada novamente.
- Você não disse que quer que isso acabe logo? É o que eu vou fazer – Yoko deu de ombros – Vou marcar o lugar para devolver isso aqui amanhã.
- Hum – Mai tentou demonstrar indiferença, mas manteve os ouvidos apurados.
- Olá, alguém está me ouvindo? – Yoko tentou iniciar contato. A resposta veio mais rápido do que ela podia esperar.
- Olá, Yoko. Estou te ouvindo – a voz de Yuk pareceu muito cansada do outro lado.
- Ele te chamou de Yoko??? – Mai se exasperou, jogando a revista longe – Ele sabe o seu nome??
- Calma, Mai, não tem nada de mais... – e fez um gesto para que a outra se calasse enquanto se dirigia ao walkie-talkie – Você nunca parece muito bem quando eu entro em contato. Eu atrapalho?
- Não, está tudo bem – ele respondeu e Yoko pôde sentir que ele sorria – Eu acabei de, ahn... encerrar meu expediente.
Yoko podia jurar que ouviu risos ao fundo, mas preferiu ignorar aquilo.
- Você estava trabalhando até essa hora? Não é muito tempo trabalhar desde a manhã até agora?
- É que eu não trabalho todos os dias. Mas quando trabalho é assim.
- Yoko, desligue isso! – Mai implorou – Esse cara é um assassino de aluguel!! Ele pode ser da Yakuza!!
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- Como você pode saber??? – ralhou a mais velha – Você não o conhece!
- Eu... Eu simplesmente sei, tá legal?
Yoko se levantou e saiu do quarto, indo até o banheiro para tentar conversar em paz com Yuk. Ela entendia perfeitamente o ponto de vista da irmã, mas Mai tinha que confiar nela. Yoko sabia para quem dar seu voto de confiança. Além disso, a Yakuza não usaria walkie-talkies para se comunicar. Era muito arriscado e... idiota.
- Yoko?
- Estou aqui. Ahn, eu preciso lhe devolver isso o quanto antes.
- Ah, bem... Não precisa ter nenhuma pressa, você sabe – dessa vez Yoko realmente ouviu risadas junto de Yuk – Não quero incomodá-la.
- Mas eu realmente preciso, ou vão me matar. Senão for você, vai ser minha irmã.
- Por que eu a mataria?? – Yuk se surpreendeu – Ainda acha que sou um matador de aluguel? – as risadas se intensificaram e foram abruptamente interrompidas.
- Eu acho que não é uma boa hora para falar, né? Devo estar lhe causando incômodo... Você provavelmente está com seus amigos... no happy hour...
- Não, tudo bem, eu...
- Yutaka certamente está numa “happy hour”! – uma segunda voz masculina surgiu abafada e Yoko ouviu mais risos em seguida.
- Me desculpe por isso, são realmente meus amigos, mas...
- Não se acanhe! Vamos deixar você namorar em paz!
Yoko sentiu seu rosto esquentar e deu graças a Deus por Mai não estar mais ouvindo.
- Akira, por favor?! – o walkie-talkie ficou mudo e passaram-se vários segundos até Yuk voltar a falar – Me desculpe por isso, Yoko, eles não estão mais comigo. Akira parece não ter boas maneiras às vezes. Gomenasai.
- Tudo bem, não se preocupe. Eles só estavam brincando com você. Eu quem deveria pedir desculpas por causa isso.
- Não, você não deve desculpas a ninguém. Aliás, eu devo lhe pedir desculpas também por ter sido tão grosso com você anteriormente. Eu realmente não tive a intenção. Eu estava muito atarefado no trabalho e a culpei pela perda do walkie-talkie. Gomenasai.
Yoko sorriu timidamente.
- Pare de me pedir desculpas ou eu vou me sentir mal. Não tem por que falar nessas coisas, elas não têm mais importância.
- Não está chateada?
- Não.
- Tem certeza?
- Absoluta – ela riu com a preocupação do homem. Como Mai podia achar que ele era da Yakuza? Bom, talvez ela não pudesse realmente culpar a irmã: a única vez que Mai ouvira Yuk fora no primeiro dia que Yoko e ele se comunicaram, e ele não foi exatamente amigável naquela ocasião.
Porém, quanto mais Yoko conversava com Yuk, mais gentil ele parecia. A imagem de criminoso ficava cada vez mais distante da voz agradável e da risada sincera... Seria tudo um jogo de manipulação? Yoko não podia acreditar que alguém se daria aquele trabalho todo... Não fazia sentido.
- Mesmo que diga que não está chateada, me sinto mal – a voz de Yuk interrompeu os pensamentos da jovem – Eu não sou daquele jeito, não queria que ficasse com aquela imagem de mim.
- Por que você se preocupa tanto com isso? A primeira impressão que tive de você realmente não foi das melhores, mas já não penso da mesma forma – Yoko o tranquilizou – Se você insistir em se desculpar dessa maneira aí sim ficarei chateada.
Yoko pôde ouvir Yuk rindo antes de falar.
- Tudo bem, eu paro se é assim que você quer. Mas um dia encontrarei uma forma de me redimir.
- Me dê uma caixa de doces – Yoko disse. Era uma brincadeira que ela costumava fazer; uma vez que trabalhava em uma loja de doces, Yoko enjoara deles só de olhá-los o dia inteiro.
Mas Yuk não sabia que ela trabalhava em uma loja de doces. Ele também não precisava saber. Yoko fez um muxoxo e deu de ombros. Piada perdida.
- Seu pedido está anotado – Yuk entrou na brincadeira mesmo sem querer, usando um tom divertido – Mandar flores deve ser uma boa opção também... Talvez eu deva levá-la ao cinema?
- Só se você vier me buscar em uma limusine – Yoko prosseguiu com o teatro – Ah, e você vai ter que se apresentar e pedir permissão à minha família primeiro.
- Claro, claro – o tom de voz de Yuk indicava que ele sorria abertamente – Usarei meu melhor terno!
Yoko gargalhou. Aquela era uma situação a qual ela nunca se expusera, apresentar um garoto aos seus pais. Mas ela se divertiu imaginando a cara de Mai conhecendo Yuk.
A brincadeira seguiu e logo a conversa tomou outros rumos. Tanto Yuk como Yoko estavam curiosos a respeito do seu interlocutor, e as perguntas surgiam naturalmente. Yoko não se sentia constrangida conversando com Yuk, embora não o conhecesse pessoalmente.
A conversa animada só foi interrompida tempos depois, quando batidas insistentes quase derrubaram a porta frágil do banheiro.
- Yoko! – chamou Mai do lado de fora – Você já está aí dentro a mais de uma hora!
A jovem definitivamente não viu o tempo passar enquanto conversava com Yuk. Só agora ela notara que estava caindo de sono.
Yoko se levantou rapidamente e abriu a porta para encarar uma Mai rabugenta.
- Largue essa coisa e vá dormir.
Yoko apenas assentiu envergonhada e rumou para o quarto, onde se jogou na cama.
- Yuk? – ela sussurrou para o walkie-talkie.
- Sim? – a voz dele soou cansada novamente, como no início da conversa.
- Vou dormir. Boa noite!
- Boa noite, Yoko-chan. Sonhe com os anjos.
Yoko sorriu, aconchegando-se sob os cobertores leves. Repousou o walkie-talkie ao lado de seu travesseiro com cuidado e adormeceu em seguida.
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