Capítulo XXI – Sob pressão

“Você, pobre coisinha doce e inocente

Enxugue seus olhos e testemunhe

Você sabe que vive para me machucar

Não negue, doce sacrifício”.

(Evanescence – Sweet Sacrifice)

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Aos poucos o céu clareava, a luz voltando a prevalecer sobre as trevas. Nuvens cor de lavanda dançavam por ele, movendo-se ao sabor do vento.

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E a luz penetrava por todo o meu quarto, aquecendo minha pele e os raios de sol, tímidos, beijavam os olhos castanhos de Aidan.

Ele não havia me deixado ainda. Mesmo quando eu despertei com os primeiros raios luminosos, abri meus olhos e vi seu rosto, seus orbes repousados sobre o meu semblante, ele não havia partido, continuara ali por um motivo desconhecido por mim. Seus braços estreitavam-se ao meu redor, e o único som a predominar em meu quarto era o som da natureza despertando vagarosamente, enquanto mais um dia tinha o seu inicio.

Não havia palavras a serem ditas naquele momento, nenhuma delas poderia expressar o que estávamos sentindo. E talvez a falta delas fosse a nossa maior aliada naquele momento.

Estávamos tão perdidos nos olhos um do outro, tão imersos em nossos próprios olhares, que nós mal nos mexíamos.

Nós apenas respirávamos e permanecíamos completamente mudos e estáticos, enquanto o céu lá fora ganhava novos tons claros, e os pássaros cantarolavam nos galhos altos dos carvalhos.

Havia uma brisa suave, soprando para dentro de meu quarto, arrepiando minha pele. A realidade aparecera para cutucar-me, era o meu despertador, enfurecido, praticamente chutando-me para fora da cama.

Eu já devia imaginar que não poderia conviver para sempre naquele mundo de fantasias. Rendi-me com um longo suspiro e depois, esgueirando-me pelo colchão, deixei Aidan imóvel como uma estátua.

Eu ainda tinha um dia cheio pela frente. A começar pela escola. Preparei-me para deixar meu quarto e entrar no banheiro a fim de tomar um longo banho, mas Aidan sentou-se na cama com um movimento repentino, seu semblante continuava pensativo, seus olhos vagavam por todo o meu quarto, até que recaíram sobre a minha face e sua voz interrompeu-me, enquanto eu procurava peças de roupa no meu guarda-roupa.

- Acha que consegue sobreviver um dia sem mim na escola?

A confusão tingiu todo o meu semblante, ele não ia a escola?

- Qual o problema? – perguntei a ele.

- Preciso... esclarecer algumas coisas fora da cidade. Mas prometo que retorno ao anoitecer para te ver. E, Agatha, prometa-me que não fará nada imprudente, não vá a lugar algum ao anoitecer, por favor, não saia de casa.

Assenti e depois me lancei em sua direção, abraçando-o ternamente. Desvencilhei-me de seus braços, ainda observando seus olhos misteriosos. E depois eu não eu tinha mais tempo, minha mãe ia matar-me se soubesse que cheguei atrasada na escola.

Deixei meu quarto, entrando como uma louca no banheiro, tranquei a porta e suspirei, seria um longo dia, principalmente pela ausência de Aidan.

Assim que me vesti novamente, desci as escadas, e era exatamente como eu havia imaginado: minha mãe esperava-me, sentada à mesa, tomando seu café.

Eu sabia que o assunto de ontem à noite não havia acabado, bastava olhar em seus olhos cautelosos e hesitantes para saber que logo ela iniciaria aquele assunto de novo.

Sentei-me à mesa, retirando a alça da mochila de meus ombros. Encarei-a sem nada dizer, e eu via nos olhos dela, a insegurança, o medo, mas principalmente, havia um sentimento de dor e culpa, algo que eu jamais havia visto antes. Mesmo quando eu sabia que ela estava remoendo a morte de meu pai.

Baixei minha face, deixando que meus olhos vagassem pelos bordados da toalha que cobria a mesa. Minha mente distanciou-se dali, ficou completamente vazia, e por longos segundos eu mantive-me o mais distante possível daquele ambiente, até que minha mãe pigarreou, exigindo minha atenção novamente.

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Tornei a fitá-la, e vi que ela estava relutante novamente, parecendo lutar contra as palavras para encaixá-las na frase de maneira correta.

- Bom, querida, eu... eu estive pensando e, bem eu, queria conversar sobre algumas coisas com você.

- Pode dizer. – respondi-lhe, firme.

Minha mãe suspirou, passou a mão nos cabelos negros, cerrou seus olhos e finalmente respondeu-me.

- Bem, meu amor, eu sei que você ainda deve estar me achando uma maluca por ontem, e eu ainda queria ter a chance de recompensá-la pelo que fiz.

- Está tudo bem, mãe, é sério. – cortei-a, demonstrando que eu também não queria mais reviver os fantasmas da noite passada. Assim como ela e Aidan eu apenas queria enterrar aquilo e nunca mais trazê-lo de volta.

Minha mãe arregalou seus olhos negros como ônix, parecia surpresa por minha decisão, mas não me contestou, então tratou de passar para o próximo tópico.

- Tem algo a mais que eu queria lhe pedir, meu bem. – sussurrou ela.

- Pode pedir.

- Querida, eu... eu queria que você fosse mais devagar nesse relacionamento. Eu sei que você deve estar empolgada, afinal ele é o seu primeiro namorado, mas tente não se envolver muito, não... pule de cabeça.

Estranhei o pedido de minha mãe. Ela realmente queria que eu não levasse o meu namoro com Aidan a sério?

- Por que está me pedindo isso? – perguntei-lhe, aturdida.

Minha mãe congelou, seus olhos esbugalharam, a cor fugiu de sua pele e ficou tão lívida quanto cera. Ela baixou sua face, tristonha.

- Eu não sei, meu amor. – sussurrou ela.

Respirei fundo e decidi que não podia mais permanecer ali. Sem olhá-la novamente, peguei minha mochila, levantando-me da cadeira.

- Eu já estou indo. – murmurei, mas não houve resposta. Então minha mãe também preferia o silêncio. Aquilo era ótimo.

Passei pela porta da frente, tomando o caminho para a escola. Eu não sabia ao certo o que esperar desse dia, mas eu estava certa de que sem a companhia de Aidan, ele praticamente arrastar-se-ia, passaria com muita lentidão, apenas para me atormentar.

Fechei meu armário, o corredor ainda estava abarrotado, logo o sinal tocaria. Tamara estava ao meu lado, inquieta. Havia algo a perturbando, mas eu não atrevia a perguntar-lhe. Talvez fosse o crime cometido no dia anterior, claro que a polícia estava fazendo tudo o que estivesse ao seu alcance, mas eu duvido que eles realmente fossem capazes de deter o verdadeiro responsável por aquele crime brutal.

Guardei meu livro na minha bolsa e fitei seu rosto, ela realmente estava diferente. Parecia distraída, em outro mundo.

Estalei meus dedos e ela pulou, voltando para a realidade.

- O que foi? – perguntou-me ela, sobressaltada.

- Eu é que pergunto isso. O que há com você? Parece tão... distante.

Ela suspirou, derrotada, seus olhos pareciam estar a milhas daqui.

- Desculpe-me... – sussurrou ela – é que... aconteceu uma coisa... estranha ontem.

O temor em sua voz causou o meu alarde, havia alguma coisa que a estava perturbando e eu precisava descobrir.

Olhei em derredor, o corredor estava cheio demais. Com um movimento sutil peguei em sua mão, puxando-a comigo.

Escolhi um canto mais reservado do corredor, onde ninguém poderia nos ouvir. E então lhe exigi toda a verdade.

- Tudo bem, conte-me tudo.

Tamara desviou seus olhos dos meus, parecia envergonhada, mas eu ainda podia ver aquele medo em seus olhos esmeraldinos.

Ainda sem me olhar nos olhos ela respondeu-me, um pouco hesitante.

- Ontem eu estava jantando no George’s com a minha família. Estava correndo tudo muito bem, até mesmo com as gracinhas do Peter, mas então eu senti-me sufocada, precisava tomar ar fresco. Saí e decidi ficar algum tempo no estacionamento. Foi quando... sei lá, alguma coisa se mexeu no escuro. A principio pensei que pudesse ser apenas a minha imaginação, mas então a coisa se mexeu de novo. Parecia um tipo de... sombra, era assustador. Fiquei completamente petrificada, sem me mexer, até que a aquela coisa sumiu do nada.

Meu coração acelerou e quase saltou por minha garganta. Sim, eu sabia o que era. E isso me deixou apavorada. Tamara estivera em perigo, Tamara estivera perto de um Devorador de Almas.

Peguei em seus ombros, olhando diretamente em seus olhos.

- Tamara, por favor, você tem que me prometer que ficará em casa essa noite. Por favor, prometa-me isso!

Ela arregalou seus olhos de tal maneira que aquilo só alimentou ainda mais os meu temores.

- Por que está me pedindo isso? – perguntou ela, aturdida.

- Porque eu acho que quem atacou o senhor Harrys estava no estacionamento do George’s também.

Tamara ficou branca como cera e eu pensei que ela fosse desmaiar a qualquer momento.

- Quer dizer... que o assassino do senhor Harrys estava lá ontem? – repetiu ela, incrédula.

- Sim. – respondi-lhe, calmamente.

Tamara levou as mãos até a cabeça.

- Ai meu Deus! Eu não acredito nisso! – berrou ela e todos a olharam no mesmo instante. Movi-me em sua direção, acalmando-a. Parecia ser uma tarefa árdua agora.

- Shhhhhh! Tamara, não diga isso em voz alta!

Ela compreendeu-me no mesmo instante e mordeu seus lábios, refreando todo o seu medo.

- Você pode fazer isso por mim? – perguntei-lhe novamente, e se fosse preciso eu a faria jurar para mim que se trancaria dentro de casa essa noite.

Ela engoliu em seco e depois me lançou um olhar de desculpas.

- Pode ser meio complicado. – sussurrou ela.

- Por quê?

Ela remexeu, nervosa, em um de seus cachinhos, enrolando-o no dedo fino.

- Eu ofereci-me para o comitê do baile. Sou voluntária para ficar até tarde hoje na escola, cuidando da decoração.

Foi a minha vez de surtar.

- Você o quê?

Ela ergueu os ombros, encolhendo-se com meu ataque.

- Desculpas?

- Você não podia ter feito isso!

Tamara conteve-me, segurando em meus pulsos.

- Calma, Agatha, não vai acontecer nada comigo, eu estarei rodeada por outras pessoas e não demorará tanto assim, estarei em casa até as 18, eu prometo.

Inspirei várias vezes, mas não obtive o resultado esperado, eu ainda estava com os nervos à flor da pele.

Porém, o sinal tocou, obrigando todos a adentrarem as salas de aula. Tamara acenou para mim e entrou na dela, eu, ainda meio estressada, fiz o mesmo que ela. Ela me prometera que estaria em casa até as seis, e isso me deixava um pouco mais aliviada, não estaria escuro o suficiente para que os Devoradores de Alma saíssem para a sua caça.

E a ausência de Aidan ainda me incomodava, o que raios ele fora fazer fora da cidade? E ainda mais em uma hora tão crítica quanto essa. Eu apenas esperava que ele não demorasse a retornar. “À noite”, prometera-me ele. Então, eu aguardaria pacientemente até a noite.

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Mas até lá, eu ainda tinha que aturar várias horas, impotente, em uma sala de aula, enquanto ele fazia sabe-se lá o quê.

Suspirei, realmente seria um longo período sem ele. Olhei sua carteira desocupada ao meu lado, desejando que ele estivesse ali naquele momento. Mas ele não estava e eu tinha que me conformar com isso, mais cedo ou mais tarde.

Na hora do almoço, Tamara sentou-se comigo na mesa e Peter também, que esboçava uma alegria a mais pela ausência de Aidan. E durante todo esse horário eu ouvi as “indiretas” dele para mim. Aidan estava certo, ele estava abusando da sorte.

Tamara continuava silenciosa e pensativa e eu sinceramente não sabia mais o que dizer a ela para tentar confortá-la. Talvez o silêncio fosse o melhor remédio, talvez não. Minhas mãos tombaram, derrotadas, sobre a mesa e eu escondi meu rosto entre elas. Por que ele tinha que sumir justo agora?

O sinal tocou depois de eu ter contado mentalmente até duzentos e cinqüenta e dois, para o meu alívio.

Eu segui novamente para a sala de aula, praticamente arrastando meus pés. E mantive-me distraída durante todo o restante do período, meus olhos observavam furtivos, o clima do lado de fora, o vento leve sacudindo os galhos dos cedros e dos pinheiros mais altos.

A professora de História explicava-nos sobre uma matéria muito tediosa, e eu mal prestava atenção, não, era impossível prestar atenção na matéria quando minha mente disparava de cinco em cinco minutos até onde Aidan poderia estar.

E quando finalmente, para a alegria de todos, o sinal tocou, encerrando o período, eu apanhei minha mochila, dirigindo-me com uma velocidade fora do comum até a saída.

Ainda tive tempo de encontrar Tamara parada junto à porta, e mais uma vez ela jurou-me solenemente que não demoraria a voltar para a sua casa.

Despedi-me dela e depois corri até o centro da cidade, pronta para ajudar minha mãe em sua loja e encarar mais longos minutos de silêncio e desconfiança.

Atravessei a rua e adentrei ao pequeno estabelecimento, retirei a alça de minha mochila de meu ombro e deixei que ela tombasse no chão. Porém, assim que sustentei meu olhar, vi um homem parado junto ao balcão.

E no mesmo instante meu queixo foi ao chão. Ele era alto, um tanto esguio, mas nada que o prejudicasse. Sua pele possuía um tom bronzeado, mas era sedosa e macia.

Os cabelos ondulados e curtos eram de um preto intenso. E o modo como ele vestia-se também chamou a minha atenção, camisa branca, com as mangas dobradas até seu cotovelo. Calça social de um tom de bege claro e sapatos de couro elegantes nos pés.

Em seu pulso esquerdo estava um relógio que devia ter lhe custado no mínimo os olhos da cara.

Estaquei diante daquela figura charmosa e intrigante, enquanto seus olhos de um castanho bem claro pousavam sobre o meu rosto.

Ele sorriu, expondo a fileira de dentes brancos e brilhantes como pérolas. E uau, ele mais parecia um galã de cinema.

O homem aproximou-se de mim, e de certa forma ele parecia bem íntimo de mim.

- Mas que surpresa! – ele exclamou – É um prazer conhecê-la pessoalmente, Agatha.

Ele estendeu a sua mão gentilmente e eu a peguei, meio hesitante.

- E você é...

Ele apertou minha mãe delicadamente e sorriu novamente.

- Ah, sou John Collins, lembra-se?

Meu Deus, aquele era John Collins? Agora eu entendia porque minha mãe voltara tão balançada e nas nuvens de Suncook. Aquele era John, seu novo pretendente.

- Ah, sim, claro que eu me lembro de você! – exclamei, sacudindo a minha cabeça, eu jamais havia imaginado que John poderia ser tão... tão... tão galante.

Aquele sim era o tipo de padrasto que eu havia imaginado para mim, e o companheiro ideal para a minha solitária e bela mãe.

E falando nela, minha mãe apareceu no mesmo instante que eu cumprimentava John, e então as maçãs de seu rosto ganharam um tom avermelhado, ela estava envergonhada.

Minha mãe estacou a alguns metros de mim e de seu novo pretendente. Percebi imediatamente que se ficasse ali seria a “vela”.

Encarei minha mãe com um sorriso nos lábios.

- Acho que eu vou cuidar dos fundos da loja hoje. – murmurei e depois passei por sua figura enrubescida, permanecendo lá por um bom tempo.

Não ouvi muito da conversa deles, para a minha sorte, eu tinha um bom livro para ler em minha bolsa, e a pouca coisa que conseguira pegar da conversa deles fora que eles estavam na fase inicial ainda, conhecendo um ao outro. Mas já era um começo.

E quando enfim John a chamou para jantar na sexta-feira e ela conseguiu expressar um tímido sim, eu praticamente saltei de alegria.

Eu voltei à frente da loja mais uma vez para me despedir de John, e subitamente minha mãe quis fechar a loja, alegando cansaço. Eu não a contestei, mas sabia que o motivo era bem diferente, eu sabia que ela queria procurar pela roupa ideal para aquele jantar.

Minha mãe não comentou nada no trajeto de volta, mas ela sorria e até mesmo cantarolava no carro. Eu apenas reprimia o riso.

E durante o resto da noite ela não comentou nada comigo. O jantar foi deveras silencioso. E depois de ajudá-la, como em todas as noites, com a louça suja, eu aleguei cansaço e subi as escadas, trancando-me no quarto.

Fiz o dever de casa com uma lentidão exagerada, minha cabeça ora pendia para o meu caderno, ora para o relógio-despertador no criado-mudo na cabeceira de minha cama.

E as horas arrastavam-se, oito horas, oito e meia, nove horas, nove e meia, dez horas.

As dez e quinze um som sobressaltou-me e nem de longe poderia ser a visita que eu estivera aguardando. O telefone tocava incessantemente no andar de baixo.

Eu hesitei, deveria atender? Quem em sã consciência ligaria a essa hora? Mas, eu sabia que se não atendesse minha mãe despertaria mal humorada.

Levantei-me com um pulo da cama, abri a porta de meu quarto e desci as escadas como um míssil. Atendi ao telefone e no mesmo instante um forte chiado permeou meus ouvidos. Afastei-o de minha orelha, era um som insuportável.

- Alô? – sussurrei, mas no inicio não houve resposta.

O chiado ainda era forte do outro lado da linha, até que uma voz rouca, que eu reconheci ser de uma garota, sussurrou, alarmando-me.

- Agatha?

- Sim, sou eu.

Houve um estalo do outro lado da linha e eu pulei pelo susto.

- Agatha? – a voz repetiu, parecendo desesperada.

- Pode falar. – sussurrei, calmamente.

- Agatha, pelo amor de Deus, ajude-me! Por fa...

O chiado interrompeu a fala da desconhecida e mais uma vez eu tive de afastar o fone de minha orelha.

- Ajude-me! – suplicou ela.

- Quem está falando? – perguntei, completamente aturdida. E embora eu ainda não soubesse de quem se tratava àquela voz, eu já sentia, havia algo de errado.

- Sou eu, Tamara... ajude-me, pelo amor de Deus!

Meu coração martelou com violência em meu peito e eu perdi todo o meu fôlego.

- Tamara, onde você está?

- Estou presa na escola... tem... tem algo aqui! Por favor, venha ajudar-me, eu não sei... não sei o que fazer! – ela atropelava-se nas palavras, e eu podia ouvir o desespero, o medo em sua voz.

Eu tinha que fazer alguma coisa, eu tinha que ajudá-la. Eu não conseguiria conviver mais comigo mesma se permitisse que mais um amigo meu padecesse diante de meus olhos.

- Muito bem, Tamara, onde exatamente você está?

- Estou... na sala do diretor, por favor, venha depressa, eles estão perto de mim!

- Não saia daí, eu estou indo.

- Tudo bem. – ela assentiu e depois a ligação caiu, o telefone ficou completamente mudo. Subi as escadas novamente, irrompendo pelo meu quarto. Joguei-me com violência em direção ao chão, vasculhando as bugigangas embaixo de minha cama e encontrei com facilidade o objeto pelo qual eu ansiava, minha nova lanterna, recém-adquirida. Eu ainda me lembrava da última vez em que havia usado uma, na mesma noite em que perdi Max para o desertor, na mesma noite em que quase perdi a minha vida, se não fosse por Aidan ter salvado minha pele, quem sabe como eu estaria nesse exato momento.

Nem mesmo me importei com o fato de agasalhar-me mais para a noite gélida que estava lá fora. Eu estava tão nervosa naquele momento, tão aflita que nem mesmo raciocinava corretamente.

Desci as escadas novamente fazendo o mínimo de ruídos. Apanhei a chave de casa, mas ignorei o carro, eu não conseguiria dirigir, não naquele estado.

Destranquei a porta da frente e corri na direção da rua, obrigando meus pés a se moverem com mais velocidade. Eu não podia perder tempo, eu tinha que tirar Tamara de lá antes que fosse tarde demais.

Acima de mim a lua cheia brilhava no céu negro, destemida, bela e também, apavorante. Eu ofegava enquanto corria pelas ruas desertas, mal me importando com o fato de que a qualquer momento podia cruzar com o perigo.

Ao dobrar qualquer esquina eu podia deparar-me com o desertor, eu podia deparar-me com um Devorador de Almas. Eu podia perder a minha vida, mas não me importava.

E tudo o que eu mais queria naquele momento era ter Aidan comigo; ele saberia exatamente o que fazer em uma situação como essa. Mas eu, eu era totalmente inexperiente nesses quesitos. A única razão pela qual eu adentrara a esse mundo do sobrenatural fora a entrada de Aidan em minha vida.

Porque eu não era uma Mediadora, não possuía dons maravilhosos que pudessem favorecer-me em uma jornada arriscada como essa. Eu era simplesmente humana.

Nada mais do que isso.

Eu era frágil, eu era fraca demais e em uma batalha contra qualquer uma daquelas criaturas eu pereceria de forma lamentável, indubitavelmente.

Mas o que eu poderia fazer? Eu tinha que fazer algo por Tamara! Eu tinha que salvá-la, custe o que custasse. Eu não a perderia como eu um dia perdi Max. E se fosse realmente necessário, que eles levassem a minha alma no lugar da dela. Tenho certeza absoluta de que era isso que o desertor queria, a minha alma. A única forma de atingir Aidan de forma direta.

Fico imaginando o que ele faria se eu morresse, se eu perecesse. Seria um golpe para ele, seria egoísmo da minha parte. Deixar que ele retornasse para o seu caminho de trevas e solidão.

Mas se fosse preciso, eu entregaria a minha alma nas mãos daquele desertor, e se ele quisesse entregar-me para os Devoradores de Alma para que dessem fim a minha vida, então que seja, pois tudo o que eu menos queria era ter de perder outra pessoa importante para mim.

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Eu não passaria por aquela situação novamente. Eu não seria sufocada por aquela sensação horrorosa. E eu seria o sacrifício para que minha amiga continuasse viva. Sim, eu era o sacrifício necessário.

E ainda sob aquele luar amedrontador, eu cheguei ao meu destino; a escola vazia, medonha, silenciosa, completamente escura.

Estaquei diante dela, ofegante. Meus dedos apertaram o cabo de minha lanterna em minha mão direita.

Um vento gélido percorreu a dianteira da escola, agitou os galhos das árvores e as mechas de meu cabelo.

Meu coração acelerou, minha respiração tornou-se pesada e passo por passo, eu aproximei-me da porta de vidro, percebendo que ela estava apenas recostada.

Minha mão trêmula e hesitante encostou-se a ela, empurrando vagarosamente, enquanto eu preparava-me para enfrentar o meu destino, para enfrentar o perigo, e principalmente, enfrentar a morte mais uma vez.