Harry Potter e o Amuleto de Merlin

A Volta de Almofadinhas


O Natal deles foi bastante sem graça e triste. Para Harry, Rony e Hermione, seria triste por estarem longe, em primeiro lugar, de Hogwarts e suas doze árvores de Natal e jantar fantástico, e da família Weasley. No caso de Ana, ela sentia falta de Aberforth, por quem tinha desenvolvido um carinho de afilhada e amiga. Além disso, ela sofria pela ausência de Claire e James de Carvalho, seus pais adotivos. Desde que fora adotada, seus pais sempre fizeram ceias de Natal maravilhosas para ela. O inverno chegou com força total, trazendo rajadas violentas de vento e neve, que se derretia e deixava as ruas molhadas e sujas. Os dias monótonos eram passados em pesquisas, tanto na Biblioteca Bruxa, aonde iam disfarçados, quanto no notebook de Ana. Para Ana e Hermione, na verdade, esses dias não eram tão ruins assim, pois ambas adoravam pesquisar, mas eram extremamente cansativos para Harry e Rony. Esse até resmungava que quando arrumaram uma amiga, ela acabara sendo uma “rata de biblioteca” como Mione.

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Certo dia, próximo ao dia do fim do ano, Hermione estava terminando de ler o livro de Merlin e algo a fez se sobressaltar. Um dos capítulos falava sobre outras dimensões que existiam no mundo, como a mítica Ilha de Avalon, dimensões relacionadas ao mundo mágico, algumas provocadas pelo próprio homem. Uma delas era uma dimensão cuja passagem, pelas características que ele indicava — um portal imenso, coberto com um véu, que era a passagem para um lugar onde as pessoas desapareciam e não conseguiam voltar — era a que ficava no Departamento de Mistérios no Ministério da Magia. Essa dimensão era um mundo onde não existiam o tempo e o espaço, um limbo onde as pessoas que para lá eram enviadas ou que nele caiam vagavam, quase sempre sem consciência nem lucidez. Apenas as pessoas que tinham algum poder mental forte ou que tinham suas mentes extremamente “abertas” a influências eram capazes de “despertar” a consciência perdida dessas pessoas e seu desejo de retorno, e isso era sentido, no lado de cá, através de sussurros, como vozes entrecortadas por estática. Merlin soubera disso tudo por meio de um encantamento druida poderoso, mas não descrito no livro, capaz da comunicação com outras dimensões, mas só possível aos que tinham uma habilidade psíquica poderosa, como era o caso do bruxo, que dizia, no livro, poder ouvir as tais “vozes” — o que era raro — de maneira bastante clara. Chamando Harry, Hermione lhe contou sobre a sua descoberta, pois até o momento, ninguém sabia o porquê de Harry ouvir vozes que ninguém escutava quando estavam próximos à passagem do véu.

— Pelo que conheço de mim próprio, não tenho habilidades psíquicas especiais, Mione, o que deve indicar que tenho a minha mente muito aberta.

— Sim, Harry, eu já desconfiava disso, por isso insistia tanto com você para que se esforçasse mais em suas aulas de Oclumência com... Snape. Eu acho que as portas de sua mente são muito abertas a influências, e acho que isso está relacionado à sua cicatriz, à ligação que há entre você e Voldemort, na hora em você recebeu o feitiço dele que não deu certo. Isso te deixou aberto a ele, mas a outras coisas que precisem de ligação psíquica, também.

Harry ficou um tempo calado, refletindo as palavras de Hermione, e logo depois se deu conta de algo, tanto que um sorriso lento começou a se espalhar por seu rosto até tomá-lo inteiro. Seus olhos verdes brilhavam intensamente, de uma maneira que impressionou Hermione.

— Mione, acabei de perceber algo fantástico e que já deveria ter percebido há tempos. Não há uma capacidade mágica de uma das partes do Amuleto de Merlin relacionada com o resgate de pessoas perdidas em uma outra dimensão?

Hermione recordou o que lera no livro e o poema, e logo seu rosto também se abriu num amplo sorriso.

— Sim, Harry, a parte do unicórnio! Ela é capaz, mediante um feitiço e um ritual, de trazer as pessoas que se perderam em outras dimensões! Como não percebemos isso antes?! Acho que não nos atemos ao fato de que aquele lugar é o portal para outra dimensão! Deu do céu... Sirius... É possível que a gente possa resgatar o Sirius!

No mesmo instante, chamaram Ana e Rony — esse estivera compenetrado numa “maravilha” do notebook de Ana, um jogo de fases — e contaram o que só agora tinham percebido. Ana não conhecera Sirius, mas ficou contente por saber que o Amuleto de sua mãe poderia ajudar Harry a resgatar alguém muito querido. Eles tinham sorte, pois a parte do Amuleto que precisavam não era uma das que estavam perdidas, mas a que estava guardada com Aberforth, e que Ana não quisera pegar porque fora enviada a ele por seu próprio pai antes de ele morrer. Tinham que falar com Aberforth, o que não seria fácil. Depois da aventura na Casa Ministerial, com certeza a vigilância em cima das pessoas próximas a Harry, Rony Hermione e Ana devia ter sido reforçada. O que eles sabiam de concreto era o que viam em Profetas Diários da coleção atualizada da Biblioteca dos Bruxos, quando se aventuravam a sair do hotel trouxa. A perseguição a eles estava ainda maior: a aventura na Casa Ministerial lhes rendera mais absurdos escritos no Profeta, boa parte pela “caridosa” Rita Skeeter. Se não bastasse a denominação de assassinos, agora eram chamados de ladrões, desencaminhadores da ordem e vândalos. E aumentava a recompensa por suas cabeças, embora Harry e Ana deviam ser entregues com vida.

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Hermione, que vinha treinando a capacidade de mandar Patronos capazes de dar recados, mandou a sua lontra prateada para Aberforth, pois eles precisavam se encontrar para pedir a sua parte de Amuleto emprestada. Não queriam usar os medalhões enfeitiçados pelo Feitiço de Proteu de McGonagall, pois não queriam avisar sua localização a todos os membros da Ordem da Fênix. Como Aberforth não sabia onde eles estavam hospedados, e Harry preferia que continuasse assim, por medida de segurança, tanto para eles quanto para Aberforth, o Patrono marcou um encontro entre eles e o bruxo nas margens do Tâmisa, perto do Big Ben, longe do Caldeirão Furado e de qualquer outro lugar onde os bruxos gostavam de se aglomerar. Marcaram o dia e a hora, sabendo que ia ser difícil para o bruxo despistar os Comensais da Morte que deviam vigiá-lo. Apesar de tudo, era extremamente necessário.

No dia marcado, disfarçados, eles andavam pelas margens do rio que cortava a cidade, impacientes pela chegada de Aberforth. Não sabiam de que maneira ele viria, podia vir disfarçado de várias maneiras diferentes, até mesmo com Poção Polissuco, de maneira que estaria irreconhecível. Já achavam que ele não tinha conseguido ir ao encontro quando Ana paralisou. Sentia um calor estranho no peito, e levou a mão até ele. Seu Amuleto ardia contra sua pele, embora não de maneira que pudesse queimá-la. Ele reagia intensamente à presença de alguém... ou de algo. Os outros a olharam de maneira assustada quando a garota começou a procurar algo em volta de si, olhando de maneira esquisita as pessoas que passavam por eles. Logo, ao se fixar em um rapaz loiro que se aproximava deles, rindo, ela suspirou de alívio e começou a rir.

— Aberforth! — falou. Os outros olharam desconfiados para ele, sem conseguir acreditar que aquele rapaz jovem e forte pudesse ser o bruxo idoso.

— Como você sabe? — falou Rony.

— Simples.

Ela se aproximou do rapaz e todos sentiram a onda de magia que perpassou entre os dois, como se um vínculo estivesse se formando. Ana abraçou o rapaz, e depois se voltou para os outros.

— As partes de Amuleto se reconhecem e reagem à presença uma das outras. Na hora em que senti minha fênix aquecer, percebi que o unicórnio devia estar por perto. O que foi isso, Abe? Poção Polissuco?

— Claro, Ana, todo cuidado é pouco. Estou sendo muito vigiado, pois sabem de meu vínculo com você, já que fui bastante descuidado quando do seu retorno a Londres, te apresentando a todos e falando em alto e bom tom que eu tinha te encontrado. Apesar dos disfarces, ainda é perigoso. Vamos entrar em um Café trouxa.

Eles entraram no primeiro Café que encontraram, escolhendo uma mesa que ficava distante das paredes envidraçadas e num lugar estratégico para ver quem entrava e para uma fuga pelas portas de trás, que deviam dar na cozinha. Pediram bebidas quentes e começaram a conversar.

— Então, qual o motivo desse encontro? Vocês estão sendo muito procurados... Por que entraram na Casa Ministerial, pelas barbas de Merlin?!

Eles ficaram calados, pois não podiam falar sobre as Horcruxes.

— Ah, já sei, é sobre sua missão secreta... Não tornarei a perguntar.

— Bem, o que podemos dizer a você é que encontramos um livro antigo sobre magia druida que estava sob a posse de Voldemort — disse Ana. — Ele fala sobre o Amuleto de Merlin. Até sobre as capacidades mágicas de cada parte do Amuleto e as maneiras de como se usar essas capacidades.

Os olhos, agora verdes, de Aberforth, brilharam.

— Que notícia boa, Ana! Agora saberemos o que fazer com um Amuleto tão poderoso...

— É justamente sobre o Amuleto que queremos falar, Aberforth — disse Harry. — Descobrimos que a sua parte, do unicórnio, é capaz de resgatar pessoas perdidas em outras dimensões.

— Mesmo?! Que coisa ótima... E a sua parte, Ana? O que ela é capaz de fazer?

— Algo que parece impossível, Abe... Ressuscitar os mortos.

Os olhos do bruxo ficaram com uma expressão estranha, olhando sem ver. Os músculos de sua face e mandíbula estavam enrijecidos, como se ele estivesse apertando os dentes uns contra os outros. Harry sabia no que ele pensava. A mesma coisa que Harry pensara. Alvo Dumbledore. Harry sabia que Aberforth e Dumbledore jamais foram tão ligados, que coisas tolas pareciam ter separado os irmãos. Aberforth devia ter ânsia de mostrar ao seu irmão mais velho quem realmente era, o que não tivera chance. O bruxo, entretanto, sacudiu a cabeça e voltou a olhar para os demais sentados à mesinha do Café.

— Bem, continuem. O que era que queriam, mesmo?

— A sua parte do Amuleto, emprestada. Queremos salvar uma pessoa que foi jogada em outra dimensão de maneira covarde. Sirius Black — disse Harry. — Meu padrinho. Belatriz Lestrange o empurrou para dentro do véu que há na antiga passagem de pedra que fica no Ministério. Aquela que era usada, antigamente, com os presos condenados por crimes hediondos, quando ainda não existia Azkaban. O Amuleto pode, segundo o livro, resgatá-lo.

Aberforth não falou nada. Não era apegado ao Amuleto. Apenas o guardara até que Ana o pedisse, precisasse dele. Olhando para os lados, ele abriu dois botões de sua camisa e tirou de dentro sua parte de Amuleto, pondo-a sobre a mesa, em frente a Ana. Ele começou, no mesmo momento, a emitir um brilho suave, não o suficiente para chamar a atenção dos outros presentes no Café. Ele reagia ao Amuleto de Ana, que sentia sua pele formigar levemente.

— Ele é seu, Ana. Eu só o guardei até que precisasse. O Amuleto inteiro é herança sua, só a última descendente de Merlin pode tê-lo. Leve-o consigo e o mantenha seguro. Acho que vão precisar de uma arma tão poderosa em sua missão.

— Sim, Abe, tem razão — ela disse, e lhe contou sobre a descoberta de que ela e o Amuleto estavam no destino de Harry, para ajudá-lo a derrotar Voldemort.

— Antes de ir, queria contar uma notícia triste — Aberforth falou com uma expressão abatida. — Olivaras foi sequestrado. Finalmente Belatriz Lestrange conseguiu cumprir o desejo de Lord Voldemort.

Todos ficaram muito tristes com a notícia, principalmente Ana, que recebera dele a varinha que fora de sua mãe e de seu poderoso ancestral. Logo eles se despediram e Aberforth foi embora. Os demais continuaram um pouco mais no Café, admirando o quarto de esfera com um belo unicórnio em alto relevo e o comparando com o da fênix de Ana. Voltaram, então, para o hotel. Ao contrário da invasão à Casa Ministerial, Harry não estava com paciência para fazer planos grandiosos para ir resgatar Sirius. Se fosse só por ele, já teria ido ao Ministério para salvar seu padrinho, de quem tinha muita saudade. Mas os demais, sabendo dos riscos que tal missão traria, contiveram-no. Não seria fácil invadir o Ministério, agora que ele estava sobre o controle de Voldemort, mas já o tinham feito uma vez e sabiam mais sobre ele do que sobre a Casa Ministerial. Faltavam dois dias para a passagem do ano, e resolveram tentar o resgate de Sirius justamente nessa noite, quando Voldemort daria uma reunião de comemoração para seus Comensais da Morte e pessoas importantes do mundo bruxo, a primeira desde que se auto-intitulara Ministro. O Ministério devia ter pouca proteção durante a noite, e seria o melhor momento para uma invasão.

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Passaram esses dois dias estudando os rituais que deviam fazer para usar o Amuleto e resgatar o bruxo. Pelo visto, não era fácil, e muito perigoso. A pessoa que fosse fazer o resgate tinha que ser de grande habilidade psíquica ou ter a mente aberta, ter conexão mental ou espiritual com a pessoa que procurava, e precisaria passar pelo portal e procurar o bruxo perdido naquele lugar sem espaço e tempo, usando essa conexão especial com a pessoa perdida. O poder do Amuleto faria com que o bruxo que entrasse mantivesse sua consciência, raciocínio e capacidade de voltar, levando o seu Escolhido. Escolhido, sim, porque apenas uma pessoa podia ser levada com o intruso. E era perigoso, pois sua presença, justamente pelo fato de ter poder mental ou mente aberta a influências podia fazer com que as demais pessoas recuperassem um pouco da lucidez e se aproximassem para também ser ajudadas. E isso podia manter todos presos ali para sempre. Pelas condições da busca, a única pessoa que podia entrar pelo portal da dimensão era Harry, por ter mente aberta e ligação espiritual com Sirius, a quem amava. E mesmo que não fosse assim, ele não permitiria que ninguém, fora ele, fosse salvar o seu padrinho. Queria sofrer os perigos e, mais ainda, ter a honra de ser ele o salvador, pois ainda sentia culpa pela morte do padrinho, já que, caso ele tivesse aprendido Oclumência, como Dumbledore queria, Voldemort não teria implantado as imagens falsas sobre Sirius em sua mente.

No dia da passagem do ano, esperaram até que fosse tarde da noite, quase onze horas. Usando uma Chave de Portal feita por Hermione, os quatro foram até o Ministério da Magia, na entrada para visitantes. O lugar lhes causava um ligeiro receio, pela rua escura e cheia de prédios de escritório de mau aspecto, paredes grafitadas e uma caçamba cheia de lixo. Parecia que nada mudava naquela obscura região londrina. Foram para perto da antiga e mal-conservada cabine telefônica vermelha, com alguns dos vidros faltando. Entraram nela, ficando os quatro espremidos, e Harry pegou o telefone de aspecto antigo. Temiam que essa entrada tivesse sido desativada, desde que Voldemort tomara o poder, mas respiraram aliviados ao ver que não. Quando a voz mágica falou com ele, uma espécie de “gravação” como as dos trouxas, mas através de magia, Harry deu outros nomes e cada um recebeu um tíquete com o nome falso. Então, desceram.

Desembarcaram no grande átrio do Ministério da Magia, que nesse momento parecia vazio e pouco iluminado. Ninguém aparecia pelas lareiras que traziam ou levavam os funcionários para o mundo de fora. O átrio fora mudado desde a última vez que o viram na noite em que Sirius morreu. A fonte dos “Irmãos Mágicos”, que sofrera danos com o confronto entre Voldemort e Dumbledore na mesma noite, não existia mais; no seu lugar, uma enorme estátua de Voldemort com uma grossa serpente aos pés, com o olhar vidrado em adoração. Cautelosamente, com medo de tudo ser uma armadilha, começaram a andar. Rony lançou o feitiço abaffiato para que qualquer pessoa que por acaso ali estivesse não ouvisse seus passos que ecoavam altos no lugar grande e vazio. Perto do balcão onde ficava o bruxo que tomava conta das varinhas, estava um homem grande e forte, e eles se esconderam atrás da estátua de Voldemort. Era Mulciber, um dos Comensais da Morte, e por sua expressão muito irritada, ele queria estar na festa na Casa Ministerial, não ali, tomando conta do átrio do Ministério. Sua irritação era tanta que não olhava em volta de si, ficava apenas rodando a sua varinha entre os dedos. Ana, que estivera treinando feitiços com os amigos, depois de descobrirem sua deficiência, cautelosamente foi se esgueirando pelos cantos até se pôr por trás dele e o atingiu com um bem sucedido Feitiço Estuporante. O bruxo continuou sentado, mas a parte superior de seu tronco caiu sobre o balcão, a varinha escorregou dos seus dedos. Rapidamente Ana a emboçou, pois se por uma eventualidade o bruxo fosse despertado, não teria a varinha para ameaçá-los. Harry e os outros foram até a porta de um dos elevadores e Ana, que nunca tinha entrado no Ministério, seguiu-os. Lá, no elevador, desceram direto ao nível 9, o Departamento de Mistérios. Hermione novamente lançou os feitiços que marcavam as portas e logo encontraram a sala que procuravam, escura, com seus bancos de pedra em forma de anfiteatro e, lá no meio, o portal de pedra coberto pelo véu negro que balançava sem vento. Desceram até ele, e Harry sentiu a mesma atração que o fazia sentir uma corrente de energia que o puxava para ele. Devia ser a sua mente aberta. Escutou as mesmas vozes de sempre, murmurantes e ininteligíveis.

— Ouço elas... Me sinto estranho ao pensar que uma dessas vozes pode ser do Sirius...

Rony e Hermione, como da outra vez, não ouviram nada. Ana, entretanto, aproximou-se, a testa franzida. Sentia a mesma atração que Harry sentia. Encostou na pedra do portal e fechou os olhos.

— Também ouço... É algo meio triste... Sinto como se esses murmúrios estivessem tomados de sofrimento e tristeza...

Ela sentia mais do que Harry. Sentia as sensações atrás das vozes.

— Grande poder mental... — disse Hermione pensativamente. — Sim, Ana, você ouve e sente por motivos diferentes do Harry. Você deve ter herdado o poder mental do seu ancestral, Merlin.

Assustada, a garota tirou a mão do portal, pois não gostava de sentir aquelas sensações. Depois disso, não perderam tempo. Harry preparou tudo para o ritual que deveria seguir: pegou a parte do Amuleto e o encaixou numa das barras de pedra do portal, com o unicórnio voltado para ele. Precisava, agora, seguir as quatro partes do ritual: Abertura da Mente, Feitiço, Entrada e Invocação. Para os que tinham poder mental, a primeira parte era diferente, chamava-se Concentração Total.

Os outros só poderiam fazer o máximo de silêncio possível, esperar e rezar. Harry se pôs diante o portal, respirou fundo e tentou limpar a sua mente de todos os pensamentos e lembranças. Para haver conexão entre as dimensões, ele precisava que sua mente estivesse completamente aberta, o que não era fácil, mesmo para os que normalmente já tinham sua mente aberta. E seria algo perigoso, pois deixar sua mente aberta, sem bloqueio contra a mente de Voldemort, poderia fazer com que o bruxo percebesse o que sentisse, ou o contrário, ele sentir o que Voldemort sentia. Só após uma limpeza total da mente, o que não foi fácil, ele conseguiu a conexão que precisava. Ouvia as vozes, agora, muito mais altas. Era como se cordas invisíveis estivessem esticadas, unindo sua mente ao que havia do outro lado, e que lhe era, ainda, desconhecido. Com a conexão feita, ele não precisava mais de silêncio e esvaziamento. Voltou-se para os outros, suando. Precisava lançar o feitiço que liberaria a magia do Amuleto, magia essa que o deixaria ligado ao lado de fora para poder voltar. Todos, trêmulos, sorriram com sorrisos amarelos, pois queriam encorajá-lo, mas temiam por sua vida. E se ele nunca mais voltasse?

Harry preparou-se para o seguinte passo do ritual. Tocando o Amuleto, concentrou-se e murmurou, na entonação adequada:

Adiungĭte anĭmum cornŭi unicornu!

Uma corda fluida e dourada, feita de pura magia, saiu levemente do chifre dourado do unicórnio do Amuleto e envolveu Harry sem, contudo, tocá-lo. O envolvia como uma espiral de luz dourada, sem nunca perder o vínculo com o Amuleto. Esse seria o feitiço que o manteria preso à dimensão à qual Harry pertencia, era como se acontecesse uma ligação do chifre do unicórnio ao espírito de Harry. Agora, seria a parte mais temerosa: A Entrada. Teria que ter coragem e atravessar o véu. Harry olhou para seus amigos e respirou fundo. Numa voz rouca, como se não lhe pertencesse, disse:

— Se eu não voltar, por favor, esqueçam a luta contra Voldemort. Não devem se arriscar, pois sou eu, e apenas eu, que tenho de derrotá-lo. Estou sendo egoísta em tentar salvar Sirius, pois sei que é algo perigoso, mas não posso esperar para salvar meu padrinho.

Todos ficaram indignados com o que Harry falou. Acreditavam que ele voltaria, tinham que acreditar. E caso isso não acontecesse, tentariam até a morte terminar a missão que Dumbledore dera a ele. Pois o que importava era que Voldemort fosse destruído, não importa por quem ou por qual maneira. Harry se voltou para frente e deu um longo passo, desaparecendo atrás do véu.

***

Não era como nada que ele já tivesse sentido antes. Uma sensação estranha, dolorosa, percorria seus olhos cegos. Logo ele percebeu que o que acontecia não era que ficara cego, mas que recebera luz demais, e tinham vindo de um lugar escuro. Mas mesmo após seus olhos se acostumarem, era como se Harry quase não pudesse suportar aquela luz infernal. Não sentia chão sob seus pés, nada sólido, mas, paradoxalmente, podia ficar de pé e se mover para todos os lados. Sentia dor muito forte na mente, que implorava por descanso, pelo esquecimento, pela capacidade de vagar inconsciente e calma para todo o sempre, mas a cada vez que fechava os olhos e pensava nesse desejo, era como se uma corda o puxasse, forçando-o a ficar lúcido e raciocinante. Logo se lembrou do porquê estava naquele lugar estranho, e soube do motivo de não vagar esquecido de tudo e de todos. A magia do Amuleto. Ela o prendia consciente e lúcido à dimensão de que viera. Ao mesmo tempo em que se lembrou do Amuleto de Merlin, percebeu a espiral de luz dourada em torno de seu corpo e olhou para onde o fio dessa corda deixava de enleá-lo e serpenteava para longe dele. Enfim olhou em volta. Havia o Nada. Era estranho, pois tal noção era abstrata demais, mas ele percebia o Nada em torno de si, estendendo-se para o infinito. E o Nada era apenas luz, uma intensa luz branca que não aquecia e que aparentemente não vinha de fonte alguma. Apenas existia. O fio dourado de magia que saia do seu corpo estendia-se até perder de vista, enquanto ele fixava os olhos lacrimosos naquela luz clara e ofuscante. Era engraçado como não percebia massa corporal, nem peso, como se ele mesmo fosse feito daquele Nada. Quando movia um membro, não era como normalmente sentia quando isso acontecia, era como se fosse algo “mental”. Como se fosse telecinese. Sentia que o que ele queria acontecia, mas não era como se seu corpo tivesse conscientemente feito. Era inexplicável, ele não conseguia nem mesmo achar palavras para descrever perfeitamente tudo o que sentia.

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O engraçado era que, agora que estava do outro lado do temível véu negro, não ouvia mais as vozes que o atraiam quando ele estava fora, na outra dimensão. Talvez as coisas só começassem a acontecer quando seguisse o último passo do ritual, a Invocação. Fechando os olhos para toda aquela luz cegante, ele se concentrou na união mental e, principalmente, espiritual que tinha com Sirius. Imagens dos momentos que passaram juntos, poucos, mas incríveis, inundaram a sua mente, e ele sorriu, pensando no quanto amava seu padrinho, como a um tio, diferente do que acontecia com Petúnia. Algo estranho o fez deixar de sorrir. Apesar de não ter matéria em torno dele, apenas aquela luz, ele sentia como se uma revolução estivesse se formando ao seu redor. Era como se vento, embora não houvesse ar naquele lugar, girasse tudo em torno de Harry, sacudisse sem som naquele Nada apavorante. Ele não tinha a menor ideia de que tudo acontecia pela ligação que estava se formando com a consciência adormecida de Sirius, despertando-a, não só pela sua mente muito aberta quanto pelo amor e respeito que sentia pelo seu padrinho, conectando mentes e almas.

Arfando, Harry abriu os olhos. O que antes parecia um Nada total, com apenas seu corpo no meio, estava muito mudado. Não na essência, pois o lugar ainda era formado apenas pela luz estranha, mas agora, enchendo os espaços em torno dele, havia imagens escuras, indefiníveis a princípio, mas que logo ele percebeu serem pessoas. Elas vagavam em torno dele, completamente imóveis, inconscientes, como se boiassem naquele mar infinito de Nada. Mas apesar da calmaria, Harry sentia a ligação se formando entre ele e uma daquelas mentes que mais pareciam pertencer a pessoas mortas. Mas aquilo não era morte, era pior do que morte. Era a eternidade sem um Eu.

Logo Harry pode caminhar entre aqueles corpos boiantes, seguindo algo que parecia um instinto, mas que era, na realidade, telepatia pura entre a sua mente e a do ser com o qual tinha conexão. Logo, ele parou em frente a um daqueles corpos que mais pareciam mortos-vivos. Dentro de sua mente pareceu ouvir algo, como estática. E sua mente, de repente, se conectou totalmente com a mente que ele percebeu ser de Sirius.

Sirius?”, pensou. “Acorde... desperte para a vida...”. Dentro de sua mente, uma suave voz respondeu, uma voz que parecia despertar depois de tempos calada. “Harry? É você? O que aconteceu? Como veio aqui? Não devia, seu tolo! Não sabe o perigo que corre...” “Não importa, Sirius”, Harry pensou, emocionado. “Vim salvá-lo. Levarei você comigo...”. “Há quanto tempo estou aqui? Aqui é como se não houvesse tempo nem espaço... raramente conseguimos despertar...” Um certo tempo... mas agora tem de despertar de vez e vir comigo... encontrei uma maneira de entrar e sair daqui...”. “Eu tentarei, Harry... se você conseguiu despertar minha mente adormecida, acho que conseguirei despertar totalmente”.

Em frente a si, de repente, a forma humana começou a se mexer e tentar ter controle sobre os próprios movimentos. Em certo tempo, Sirius emergiu daquele sono eterno, conseguindo pôr-se ereto. Enfim abriu os olhos negros e olhou para Harry. Ofegante, Harry o via como se o tempo não tivesse passado. Era como se o tempo não passasse naquele lugar, apesar de anos e anos se passarem na dimensão da qual Harry vinha. Harry abriu a boca e viu que não saia som de sua boca. Apenas através da mente podiam se comunicar.

Harry, meu menino...”, Harry ouviu em sua mente uma voz feliz. Respondeu:

Sirius, não vamos perder tempo... segure-se em mim... está vendo essa espiral de magia? Ela nos fará retornar...”.

Sirius segurou nos ombros de Harry, de tal forma que a conexão entre eles aumentou, pois a espiral de magia passou a ficar em torno dos dois. Harry se voltou para onde via o fio de magia desaparecer e se concentrou, a mente fixa no Amuleto do lado de fora do portal, na outra dimensão. Sentiu um puxar suave que o levava junto com Sirius, mas logo depois algo impediu o retorno. Olhando em volta, ele viu o que acontecia. Sua mente aberta, enfim, despertara momentaneamente as consciências perdidas dos que estavam em torno deles. Com gestos meio lânguidos, como se estivessem bêbadas, as formas humanas se moviam em direção a eles, de todos os lados, tentando tocá-lo, e a cabeça de Harry começou a doer intensamente, povoada por lamúrias e pedidos de ajuda cheios de sofrimento.

***

As horas passavam, e Harry, Hermione e Ana ficavam cada vez com mais medo. Já eram três horas da manhã e Harry não aparecia. As coisas teriam dado errado? Já dera tempo de ele ter encontrado Sirius! Andavam inquietos, de um lado para outro. Em poucas horas começaria mais um dia de trabalho no Ministério, e eles não poderiam ser encontrados ali! Diferente do calendário trouxa, o primeiro dia do ano não era feriado, o Dia Internacional da Paz.

Certa hora, andando em frente ao véu negro, Ana parou, a testa franzida. Ouvia as vozes agora cada vez mais altas, e sentimentos de tristeza, dor, ódio, medo a percorriam, bem mais fortes que antes. Logo ela percebeu o que acontecia. As pessoas que vagavam do outro lado estavam despertando.

— Harry está em perigo — ela disse aos outros, a voz séria e triste.

Rony ficou verde; Hermione, pálida.

— Eu vou buscá-lo.

— Como?! — disse Rony, seus olhos arregalados. — Você está louca, garota? Vão os dois ficar em perigo, agora?

— Eu posso fazê-lo. Sou descendente de Merlin e sei, agora, que tenho as habilidades psíquicas dele. Sou a única entre nós três que pode entrar nesse véu e resgatá-lo.

Os outros sabiam disso, mas não queriam correr o risco de perder dois amigos.

— Não sabemos se ao Amuleto de Merlin é capaz de funcionar ao mesmo tempo com duas pessoas... — falou Hermione.

— Bem, não custa nada tentar.

Teimosa, Ana pôs-se em frente ao véu como Harry fez e se concentrou na sua primeira etapa do ritual, diferente da de Harry, pois, ao invés de abrir sua mente, ela teve de canalizar todo o poder mental, toda concentração possível para se ligar à outra dimensão por suas habilidades psíquicas. Ao sentir a ligação, ela tocou o Amuleto e pronunciou o feitiço. Da mesma maneira, um outro fio, ao lado do de Harry, saiu do chifre do unicórnio e a envolveu. Sorrindo para os outros, entrou pelo portal.

Da mesma maneira, ela abriu os olhos naquele Nada luminoso, mas ao invés de ver somente a luz infinita, ela viu uma multidão de seres cambaleantes. No centro deles, assustado e tentando liberar o caminho, estava Harry, com um homem por trás dele, ambos envoltos pela espiral de luz. Devia ser Sirius, o homem que ele viera resgatar. Ao abrir a boca e tentar falar, ela não conseguiu, e lembrou da outra etapa do ritual. Tinha que conectar sua mente com a de alguma pessoa ali com quem tivesse ligação mental e espiritual, e ela tinha: Harry, seu amigo e parente. Como suas habilidades psíquicas, ali, estavam mais apuradas, ela se concentrou e sentiu a conexão com a mente do amigo.

“Harry?”

Ela viu quando ele se moveu, assustado, e ficou procurando por ela com os olhos.

Ana? O que está fazendo aqui? Onde está você?”

Bem na sua frente, entrei da mesma maneira que você. Vim resgatá-lo.”

Harry se levantou na ponta dos pés e procurou-a. Enfim a viu.

Tenha cuidado, acabei despertando esses outros seres de seu sono eterno. Você está usando do seu poder mental e nossa ligação!

Quase ao mesmo tempo em que ele terminou de falar, Ana percebeu que boa parte dos seres que estavam rodeando Harry se virou, como se a pressentisse, e começou a cambalear como bêbados em direção a ela. Ela recuou.

Agora, Harry, que você está mais livre, venha!

Aproveitando a súbita liberdade, Harry tirou a varinha do bolso e começou a estuporar os seres que ainda estavam no seu caminho. Vendo o que ele fazia, Ana começou a fazer o mesmo. Logo os três se encontravam, ele, ela e Sirius. Os três se abraçaram e pensaram com toda a força no desejo de retornar à outra dimensão, o seu mundo real, além de Ana e Harry pensarem, também, no Amuleto de Merlin. Começaram a ser puxados pelas cordas de magia luminosa, ao mesmo tempo, pois estavam abraçados. Atrás deles, cambaleantes, as formas humanas não estuporadas tentavam seguir aqueles que, intuíam, podiam salvá-los daquele Nada cruel. Entretanto não conseguiram. Com algo que parecia uma explosão de luz que os deixou cegos por um momento, os três abriram os olhos na sala do Ministério da Magia, em frente ao balançante véu.

Dois pares de olhos, um azul e um castanho, fixavam-se, abobados, nas três pessoas que estavam caídas no chão, tentando se sentar direito, agora já sem espirais de magia em torno dos corpos. Um sorriso lento, mas enorme apareceu no rosto de Rony ao ver o homem de longos cabelos negros e oleosos.

— Pronto para voltar à vida, Almofadinhas?