Sete Vidas

vida 4 capítulo 3


Benjamin escutou a porta se fechar e se sentiu pior ainda do que já estava. Por mais que se esforçasse, não conseguia encurtar a distância que sempre existira entre ele e o pai.


Ben era inteligente e intuitivo. Tinha um raciocínio rápido e grande habilidade dedutiva. Como o avô John podia ver padrões onde a maioria via dados isolados sem qualquer ligação entre si. Como o tio Samuel era autodidata, capaz de superar as deficiências de sua educação formal e disputar com sucesso vaga nas melhores universidades e centros de pesquisa. Como o pai, se preocupava sinceramente com as pessoas, a ponto de se sacrificar pelos outros. Pena que nenhum dos três pudera desenvolver seu potencial nesta realidade.

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Ao contrário dos três, tinha um senso de humor refinado, insuspeitado por quem só o conhecia na superfície. Como por exemplo, o pai.

Dean era incapaz de enxergar qualquer destas qualidades no filho.


As mortes do irmão e da mãe desestruturaram totalmente a vida de Dean. Ele nunca se recuperou inteiramente do baque. Dean tinha dezoito anos e levou quase um ano para que voltasse a tocar a vida de forma mais ou menos normal. O que o salvou, foi o medo de também perder o pai. John afundara na bebida e, para ajudá-lo a sair do fundo do poço, Dean precisou antes reequilibrar-se emocionalmente.

E, naquele momento da sua vida, equilíbrio foi sinônimo de casamento.

Ele conhecera Lisa Braeden um ano antes da tragédia e o casamento - um ano depois - pareceu um novo começo, cheio de promessas. A promessa de ter novamente uma família feliz.

Dean poderia ter sido muito feliz com Lisa. Mas, para isso, precisava esquecer o passado e passar a olhar para a frente. Esquecer a família que perdera e abraçar a família que ganhara. Deixar Sam descansar em paz.

Lisa se apaixonara por um Dean vibrante e cheio de energia. Parte desta energia ele gastava com outras namoradas e também algumas desclassificadas. Mas ela fora paciente e fechara os olhos para muita coisa. Quando aconteceu a tragédia, ela estava ali para ampará-lo. E tivera enfim a recompensa. Tornara-se a Sra. Winchester.

A tragédia não mudara uma coisa. Dean continuava incomparável na cama. Isso ela sabia, mesmo que não tivesse muita base para fazer a comparação.

Quanto ao resto, Lisa acreditou que era apenas uma fase. O luto passaria e tudo voltaria ao normal. Dean voltaria a ser ele mesmo.

Mas Dean não voltaria a ser o mesmo homem. Passou de ativo a contemplativo. Passava horas olhando o horizonte ou as estrelas. Ou mesmo diante da TV, embora não estivesse realmente prestando atenção na programação. Lisa não via o problema porque em muitas destas ocasiões ela estava recostada a ele ou deitada com a cabeça em seu colo. Lisa confundia apatia com romantismo.

Na época, Dean ainda tinha orgulho do Impala e saia com ele mesmo que fosse para comprar pão na padaria que ficava a um quarteirão de distância. Era o início do sedentarismo que o levaria à obesidade em poucos anos.

As coisas pareceram melhorar com a notícia da chegada do primeiro filho. Dean queria que o filho de chamasse Samuel, como o avô materno. Mas Lisa sabia a quem Dean queria realmente homenagear e ela achou que não seria bom para Dean manter Sam tão presente nas suas vidas. Acabou sendo Benjamim.

Ben fora muito desejado. Quando nasceu, Dean se imaginou o homem mais feliz do mundo. Se Ben tivesse permanecido um bebê para sempre, a felicidade de Dean teria sido eterna. Até os cinco anos eram inseparáveis. Mas, à medida que crescia e adquiria sua própria personalidade, Ben mostrava um defeito de nascença insanável aos olhos do pai: não parecia nem agia como seu falecido e idolatrado irmão.

Para a infelicidade de Dean, Ben não era o Sam.

Era comum Dean confundir os nomes e chamar Ben de Sammy. A medida que crescia, isso incomodava cada vez mais o garoto. Sam era a medida de comparação para tudo. Não importa o que fizesse ou o quanto se esforçasse, Ben nunca alcançava nem a base do pedestal onde o pai depositara o irmão imaculado e perfeito.

Estava amaldiçoando o tio que nunca conhecera quando aconteceu.


E tudo aconteceu muito rápido.

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Um tremor forte, porém curto, seguido de outro, ainda mais forte, que pareceu interminável.

A sensação de literalmente perder o chão, quando a estrutura do motel, comprometida já no primeiro tremor, vem subitamente abaixo. Benjamim grita chamando o pai, quando o piso se abre e as paredes e teto desabam sobre ele.


Quando a poeira baixa, um silêncio sepulcral se abate sobre as ruínas do Blue Mountains Motel.