Ela estava encolhida na penumbra, as sombras rastejando ao seu redor.

A grande janela sobre a sua cabeça fornecia a única iluminação do lugar, projetando pálidos raios de luz canhestros que traçavam um caminho fantasmagórico em direção a porta. Tremendo e abraçando os joelhos, ela encarava aquela porta com olhos assustados e marejados tão intensamente que parecia capaz de enxergar através dela. Dali, a fosca estrutura de madeira parecia muito maior e mais distante do que realmente era, assomando sobre a escuridão como o último guarda de pé para defender os portões do castelo. A menina engoliu seco, sentindo um gosto nauseabundo lhe encher a boca; e procurou no pânico dentro de si alguma última faísca de coragem. Não havia nada com o que se preocupar, ela pensou. Estava trancada atrás de sua muralha, protegida e segura. Nada podia lhe fazer mal ali e, no fim, tudo terminaria bem. Ela repetiu o pensamento em voz baixa incontáveis vezes. Queria tanto acreditar que existia uma centelha de verdade naquilo. Deus, ela estava rezando para que tivesse.

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Os únicos sons no quarto advinham da sua respiração acelerada e de seus batimentos cardíacos, que de tão altos, lhe eram audíveis. O ar estava assustadoramente quieto; abafado e quente, embora as trevas lhe parecessem frias como um cadáver. Ela sentiu que poderia sufocar ali dentro. Seu olhar ainda estava fixo na porta e esta encarava-a de volta, austera e impassível, como se dissesse: “Tudo bem, eu vou te proteger”. Quase conseguia sentir um leve acalento ao imaginar isso. Até que ouviu os passos rasgarem o silêncio. Ela arregalou os olhos, o medo tomando conta. Era uma caminhada voraz, furiosa, e estava terrivelmente próxima. Encolhendo-se ainda mais, a menina atentou-se àquele andar, tensa, então ele parou e a primeira pancada na porta veio sem nenhum aviso. Ela abafou um grito, e depois ouviu uma segunda pancada. Logo iniciou-se uma série interminável de batidas, cada uma mais forte e ensandecida que a anterior, fazendo a porta chacoalhar e ranger com a violência.

Ela soluçava e tremia de medo. O som das batidas era ensurdecedor, e, sob o estrondear, uma voz gutural trovejava como o rugido de um monstro. Desesperada, arrastou-se para trás a fim de fugir dali, apenas para encontrar a parede às suas costas confinando-a àquele pesadelo. Sem saída. Não havia para onde correr. Ela mordeu os lábios e afundou a cabeça nos joelhos, sentindo-se frágil e indefesa – apenas a criança que era –, e então Hatsune Miku finalmente começou a chorar.

— Vai embora – balbuciou com a voz abafada. – Vai embora… por favor, vai embora… mamãe… eu estou com tanto medo…

Houve um estalo de algo se quebrando e a porta foi ao chão com um baque estridente. Hatsune Miku levantou a cabeça, aterrorizada, e gritou quando enormes mãos negras irromperam do breu, fechando-se ao redor do seu pescoço.

***

Ela acordou sobressaltada; ofegante e empapada em suor.

Hatsune Miku ainda sentia o coração martelar quando começou a se recobrar do susto e discernir o que estava acontecendo. Ela piscou os olhos algumas vezes até acostumá-los com a baixa luminosidade e reconheceu o teto ebúrneo pairando sobre sua cabeça. As cortinas fechadas vedavam o lugar com o escuro, mas a pouca claridade disponível era suficiente para Miku deduzir que já estava amanhecendo. Ela espiou brevemente os arredores, meio atordoada, assimilando o calor aconchegante do futon e o contorno da mobília do quarto. Remexeu-se, sentindo um arrepio desagradável, e sentou-se controlando a respiração. Logo à frente havia outra porta. Miku estudou-a com os olhos semicerrados por um momento, mas esta encontrava-se de pé e muito bem trancada. Desta vez, ela estava realmente segura.

— Está tudo bem – suspirou. – Está tudo bem.

Demorou alguns minutos até ela se recompor completamente. Aquele era o seu quarto. Ela estava em casa, na segurança e conforto de seu lar. Somente quando teve plena convicção disso que Hatsune Miku por fim se levantou, pronta para enfrentar mais um longo dia.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.