O Homem que Perdeu a Alma

Capítulo XXI - Acabo de perdê-la para sempre.


Um mês depois - Ponto de vista de Jesse Turner.

Todos estão dormindo. Ao menos, deveriam.

Estou ouvindo uma das minhas músicas favoritas no meu fone de ouvido enquanto fortifico as sombras que circundam a propriedade. O suor frio escorre pela minha testa, enquanto sou embalado pela batida melancólica, as palavras ressoando sobre mim enquanto minhas veias pulsam e ardem...

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My tea's gone cold, I'm wondering why
I got out of bed at al

Enquanto mantenho as mãos erguidas no ar, vejo as sombras saindo de mim como serpentes de fumaça, se espalhando pelo horizonte.

Todas as vezes que me dreno ao manipular as sombras e sinto a dor enlouquecedora que é o preço que acompanha os meus poderes, me lembro do que minha mãe costumava dizer:

Tout passera, Jesse. Même la douleur” – Tudo vai passar, Jesse. Até a dor.

Quando termino a fortificação, arranco os fones de ouvido das minhas orelhas e guardo meu ipod por dentro do meu casaco preto. Caminho exausto até o pórtico da casa, e me surpreendo ao ver minha irmã sentada na escada, encolhida em um casaco três vezes maior que ela.

—Então você é esse tipo de garota? – Pergunto a ela, casualmente, ao me sentar do lado do seu lado.

—Que tipo de garota, Jesse? – Ela franze o cenho, me fitando com seus olhos verdes e profundos. Dou uma risadinha.

—O tipo que fica usando as roupas do namorado... – Ela me censura com o olhar e me empurra de leve, em tom de brincadeira.

—Ele não é meu namorado! – Ela rebate, com os olhos cerrados. Ergo as mãos no ar, me rendendo.

—Certo, certo. A situação de vocês é “complicada” ...- Faço aspas no ar e busco um Marlboro em meu bolso, mas assim que o coloco em meus lábios, Hazel agarra o cigarro com a mão e o joga longe. Arregalo os olhos – Ei! O que pensa que está fazendo?!

—O que você pensa que está fazendo, vai fumar do meu lado, está maluco?! – Ela rebate, e eu rolo os olhos para ela.

—Você sempre foi certinha assim, é? Vai me dizer que nunca usou nada, nem na adolescência? – Me encosto no corrimão da escada, limpando a neve que cai nas minhas pernas gentilmente.

—Não, nunca usei nada. Acho que ter os pais viciados contribuiu para isso. – Ela dá de ombros, e suspira – E não sou certinha. Só não entendo o motivo de pagar sei lá quantos dólares por mês para ganhar um câncer de brinde. – Ela ergue as sobrancelhas.

—Não é um hábito inteligente, eu sei. Mas honestamente, quem se importa? – Dou de ombros, olhando para as estrelas.

—Eu. Eu me importo, Jesse. – A sinceridade em suas palavras me faz baixar os olhos para os dela. Evitei Hazel por um mês, sem ficar no mesmo ambiente que ela por muito tempo. Na verdade... tenho evitado todo mundo.

Evitar é o que eu faço de melhor.

—Certo...- Não sei como responder a sua demonstração de afeto. Pigarreio, desconfortável e louco para tirar o foco de mim – O que faz acordada?

—Tenho coisas demais na minha cabeça. Em breve vamos poder pegar aquele caso, vou poder voltar a praticar meus poderes, e... enfim. Só estou ansiosa. – Ela diz, pensativa. Assinto, imaginando como sua cabeça deve estar a essa altura do campeonato.

Todas as fichas apontam para ela. Isso deve ser exaustivo para caralho.

—Nós nunca conversamos sobre... seu desbloqueio. Como aconteceu? – Uso cautela em minha voz, e percebo que ela olha para baixo por um momento.

—Foi quando eu atingi o meu limite, de dor e de medo. A raiva... ajudou. E por um momento, pensei que Beleth fosse machucar Sam, talvez matá-lo... – O olhar dela se torna longínquo - E simplesmente aconteceu. Fluiu por todo o meu corpo, como... como fogo. – Ela estremece ao dizer isso, enquanto olha para as próprias mãos – Senti uma dor que nunca havia sentido. E basicamente, não podia me conter.

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Aquiesço, sombrio. Ela está prestes a entender a nossa sina.

—Sabe, já ouviu falar em “troca equivalente”? – Questiono. Ela faz que não com a cabeça, o cenho franzido e o olhar curioso – Bem, existe uma coisa na alquimia que chamam de troca equivalente. Basicamente, consiste no conceito de que a ordem natural das coisas é que você pague pelo que pegar, simplificando muito. Uma vida por outra, etc e tal. Pense nos nossos poderes exatamente dessa forma...como se nos punissem, à medida que o usamos.

Ela absorve as minhas palavras, pensativa. Vejo uma onda de curiosidade brilhando em seus olhos em seguida.

—Jesse... quem ensinou a você todas essas coisas? Quem guiou você no processo? – A pergunta dela me atravessa.

Respiro fundo, e começo a roer as unhas.

Não gosto de descer por essa rua. A rua das lembranças.

—George White, por um tempo... – Não olho para seus olhos ao dizer o nome dele, porque sei que verei neles o medo, e eu não quero isso – Também tinham demônios, lacaios de Astaroth, eu acredito, que nos treinavam de vez em quando.

—A mim também? – Ela pergunta, se encolhendo em seu casaco.

Respiro fundo, fitando os detalhes em seu rosto. Se eu buscar em seus traços por tempo suficiente, posso ver nela a garotinha que um dia foi. Olhar para ela é como voltar para casa.

Aprendi que “casa” não é um lugar.

—Sim, Lavie. De qualquer modo, quando você foi embora, Astaroth estava se enfraquecendo. Por isso mesmo Harvey pôde levar vocês embora, sabia? Todo o esquema estava desmoronando... – Suspiro, nervosamente – Minha mãe e eu não tínhamos para onde ir por um tempo, então ficamos lá até as pessoas começarem a ir presas, o George incluso. Mas durante todo esse período eu fui.... treinado. Também roubei um livro ou dois do estoque de White, e aprendi tudo o que podia. E depois...- Não termino a frase, apenas respiro fundo.

Lavie assente, após ouvir as minhas palavras, o olhar dividido entre a compaixão e a dor.

—Depois disso você ficou por conta própria? – Ela questiona com sua voz doce. A voz dela sempre foi assim. Gostosa de se ouvir. Sorrio ao me lembrar da sua risada, quando éramos pequenos.

—É, pode-se dizer que sim.

Ficamos em silêncio por um tempo, refletindo. Sei que há um assunto pendente entre nós, um que ambos estivemos evitando. Eu, mais do que ela.

—Eu sabia, Lavie. De tudo o que Beleth contou a você, sobre... nós dois. – Aponto dela para mim, desconfortável. Seus olhos se acendem em confusão.

—Sabia? – Sua voz sai quebrada por um momento. Faço que sim com a cabeça.

—Sim, o lance de Adão e Eva...- Engulo em seco, afastando as memórias para longe – Do...bebê anticristo e tudo mais...e eu sinto muito, Lavie. Eu sinto muito que tenha descoberto assim.

Meu peito se contrai, como uma gaiola de pássaros. Ela aquiesce, respirando fundo.

Seus olhos parecem exaustos.

—Eu não queria te contar por que tinha medo de você... – Minha voz morre, e eu olho para o horizonte. Toda a casca que eu adquiri ao longo dos anos pela minha própria sobrevivência parece se enfraquecer quando estou perto dela – Tinha medo de você ficar com nojo de mim.

As palavras saem com dificuldade. Uma estrela cadente brilha no céu, e Lavie apoia a mão em meu ombro, o olhar triste.

—Por que eu teria nojo de você, Jess? Por que eu te culparia pela perversidade de Astaroth? – Um vinco se forma em sua testa, e ela prende os olhos nos meus, intensamente. Meu peito dói.

—Eu não sei. Eu só...sei o quão esquisito e desconfortável é tudo isso. E parece que, não importa o que eu faça para te poupar da dor...- Suspiro, frustrado – Não é o suficiente.

—E quem poupa você, Jesse? Ein? Quem poupa você?! – Seu olhar assume uma preocupação mista a uma repreenda – Não está sozinho nesse...caos. Não mais. E eu quero que saiba que não é seu dever salvar a minha vida. Nunca foi. E me quebra ver que você fez tanta coisa por mim... – Sua voz vacila por um momento, e seu olhar sincero faz eu me sentir vulnerável – E que eu sequer me lembro.

A encaro, taciturno. Se ela soubesse... se ela se lembrasse...

Isso a destruiria, como me destruiu. Não tentei me matar várias vezes atoa, não.

Eu nem sou uma pessoa mais, depois de tudo o que passei. Mas Hazel ainda pode ser uma pessoa.

Ela conhece o amor, e desconhece a pior parte de seu passado, comigo. Está a salvo. Há esperança para ao menos um de nós dois. Ela é toda a luz que eu jamais serei, e que continue assim.

—Eu quero me lembrar, Jess. Tem uma parte de mim faltando! E é você. Essa parte é você! – Seu olhar é de súplica, e eu travo o maxilar. Quero que ela desista dessas lembranças, com todas as forças. Não vale a pena ela se arruinar por mim — Sabe, lembra que você disse que me devolveria as lembranças quando... eu ficasse melhor? Eu me sinto melhor, Jesse. – Seu olhar é obstinado – Eu estou pronta para isso! - A encaro fundo nos olhos.

Não. Não está. Ninguém poderia estar pronto para o nosso passado, Hazel.

—Sei... – Uso um tom irônico - Está se sentindo melhor desde a tortura, é?! Lavie, nem vem. Quando tudo terminar, quando a poeira abaixar... aí sim, se você ainda quiser se envenenar com as lembranças, então eu as entregarei a você. Até lá, nada feito. – Quero arrastar essa situação o máximo que puder. Ela precisa desistir disso.

Ela não entende que o que fiz a ela é uma benção? Ela continua me encarando, e eu quase sinto a moeda de medusa me queimando, em meu peito, já que a uso no meu colar, desde sempre. As memórias dela estão guardadas em segurança nessa moeda.

Esperançosamente, para sempre.

—Sei que você quer me proteger, Jess... – Ela diz isso com o olhar exausto, estendendo a mão para segurar a minha, mas recua imediatamente. Franzo o cenho, e ela resolve se explicar – Eu não posso tocar em você, não estou com as minhas luvas. Se eu tocar em você, invadiria a sua mente sem controle algum. E não é assim que quero descobrir sobre o meu passado, porque não me parece justo. Invadir a mente das pessoas é... uma violação.

Sorrio para ela.

—Não aconteceria, Lavie, por dois motivos. Primeiro, porque já me tocou antes. Só não se... lembra. E segundo, pode me tocar porque eu não sou como os demais, Lavie. Eu sei bloquear os seus poderes de manipulação da mente, veja...- Estendo a mão e seguro a dela. Está trêmula, acredito que pelo trauma de ser sugada para as piores lembranças de todo mundo que ela toca pela primeira vez durante todos esses anos. Ela arregala os olhos ao ver que nada acontece ao me tocar, e eu solto sua mão, sorrindo para ela – Legal, né? Não ser sugado para a mente de alguém. Vou te ensinar a conseguir controlar isso, também.

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—Espera aí. Isso...isso é p-possível? – Lavie gagueja, e vejo uma esperança dolorosa em seus olhos. Faço que sim com a cabeça.

—Claro. Isso e muito mais. Mas você vai aprender tudo isso, relaxa. Tenha paciência, ok? – Digo, preocupado. Sei como ela pode ficar obcecada por um objetivo quando enfia isso na cabeça. É a pessoa mais teimosa do mundo. Ela assente, levemente impaciente, como previsto.

Um pequeno silêncio se estende entre nós, e observamos as estrelas enquanto isso. O céu do Kansas é tão lindo que poderia ficar olhando para ele para sempre.

—Jesse... não quero que as coisas fiquem estranhas entre nós, por causa dessa história toda de...- A voz dela morre, e ela se recusa a dizer. Mas, ao fixar seu olhar no meu, ela sabe que eu sei ao que ela se refere. Palavras não são necessárias – Você entende, não entende?

Sorrio um sorriso fraco para ela.

—Sei sim. Me desculpa se eu estive...distante. – Respiro fundo e tiro o cabelo preto da frente dos olhos – Eu precisava de espaço.

—Sem problemas. Acho que eu também precisava, de certa forma...- Ela diz isso de maneira levemente sombria, enquanto abraça as próprias pernas, apoiando sua cabeça nos joelhos – Está tudo tão estranho... – Ela olha por cima dos ombros, para a casa – Todo mundo está agindo estranho, por causa de todos esses segredos...

—Por falar nisso...algum progresso com o grandão idiota? – Tento descontrair. Ela ri, e fico feliz por isso. Seu braço já não está mais imobilizado, e ela parece ter se recuperado bem. Agora pode respirar livremente e rir quando quiser.

Cerro o punho só de me lembrar pelo que ela passou nas mãos de Beleth. Se ela e Sam não o tivessem matado, eu o faria.

Com prazer.

—Desde quando você o chama assim? – Ela questiona, incrédula. Dou de ombros, rindo também.

—Inventei agora. Mas ei, desembucha...– Empurro ela de leve com a mão. Ela rola os olhos para mim.

—Estou preocupada com ele, Jess. Está...mal, com a abstinência e a confusão por tudo o que está acontecendo... não acho que esteja dormindo direito...- Ela respira fundo, preocupada - É... complicado. E meio a tudo isso, enquanto ele não souber de tudo... não vai rolar nada. É a condição dele. – Ela respira fundo, pensativa – E eu o entendo. E para além disso, tem tudo o que está acontecendo...estamos indo devagar, acho que é a melhor forma que posso colocar.

Aquiesço, cerrando os olhos para ela com um olhar provocador.

—Deixa eu ver se eu entendi. O cara tá fazendo greve de sexo, até você desembuchar, é isso? – Ela arregala os olhos para mim e suas bochechas se tornam vermelhas.

—Jesse! – Ela me censura – Que horror! Não é nada disso...

—Ah, é isso sim. É greve de sexo. Qualquer um vê a quilômetros de distância que você está morrendo para dar para ele. – Ela arregala ainda mais os olhos, e eu dou risada disso até a minha barriga doer – Que foi?! Além de certinha é puritana também?!

—Não, não sou puritana! – Ela resmunga, ultrajada – Mas não se resume a sexo, Sam e eu.

—Ah, é... Tem toda a cafonice que vocês colocam no meio do sexo. Esqueci desse detalhe. Tá bem, vamos de novo... – Pigarreio e encho o peito de ar – Sam está se recusando a amá-la ardentemente enquanto você não abrir o jogo para ele? – Uso um tom de deboche que a deixa no limiar entre a incredulidade e a graça.

—Quer saber?! Chega! Cansei, sua mente é poluída demais, Jess. Acho que quem está querendo dar é você! – Ela me olha com um olhar provocativo.

—E quem disse para você que sou eu quem dou, ein? Eu sou o terror deles, Lavie. O terror deles.... – Ergo as sobrancelhas duas vezes, tirando onda com a cara dela, que ri tanto que fica vermelha – Inclusive, se algum dia o loirinho cansar de choramingar pelos cantos por você, eu estou disposto a consolá-lo...

O queixo dela cai.

—Olha, eu acho que preciso benzer você depois desse comentário. – Ela ri da minha audácia.

—Hm...acha uma boa ideia benzer um garoto demônio, garota demônio? – Questiono a ela, em tom divertido.

—É, você tem razão. Bom... vamos entrar? Você precisa descansar, Jesse. – Ela me disfere um olhar preocupado. Assinto, bocejando.

—Vamos, vamos sim. Vai que o grandão idiota finalmente te pega de jeito... – Comento, enchendo o saco dela quando estamos nos levantando – E aí vai que o Dean precisa de consolo...

—Sua mente me assusta, Turner! – Ela resmunga, tampando os ouvidos. Entramos pela porta da frente, rindo. Dou uma última olhada para o céu do Kansas, grato por ter passado um tempo com a minha irmã sob as estrelas.

Isso me faz sorrir.

XXX

Ponto de vista de Dean Winchester.

—Me toque, Dean. – Ela diz isso com a boca semiaberta, suas pernas ao redor do meu corpo, os olhos encharcados de luxúria.

—Vou fazer mais do que isso, Hazel. – Beijo a sua boca como nunca beijei boca nenhuma na minha vida. Seu corpo quente sob o meu, minhas mãos por toda a sua pele. No momento em que sinto que estou entrando nela...

—Dean?! – A voz de Sammy faz com que eu acorde em um sobressalto.

Limpo a baba do meu queixo, e me sento na cama, completamente confuso. Que porra de sonho foi esse?!

—Que horas são? – Pergunto, esfregando os olhos, sentindo meu coração disparado e evitando o olhar dele.

Se ele soubesse...

Isso está saindo de proporção.

—Cedo, e vamos cair na estrada hoje, lembra? Ia te deixar dormir mais, mas você ficou gemendo aí e se remexendo... – Decido encará-lo, e Sammy está, como de praxe, lendo algum livro sobre monstros ou sabe-se-lá-o-que. Está vestindo uma camisa xadrez e jeans, e ele dá uma risada para mim – Quem era dessa vez, ein?

—Quem era dessa vez o que? – Pergunto, me fazendo de desentendido. Me levanto, sentindo a vontade de tomar um banho. Me sinto sujo, a pior pessoa do mundo. O pior irmão do mundo.

—Deixa para lá... – Ele responde, fechando o livro e se levantando, pegando a mochila dele e colocando-a no ombro – Vou esperar você lá embaixo. Saímos em uma hora, Dean.

Assinto, ainda zonzo por essa experiência perturbadora.

XXX

Deixo a água quente cair por mim, e encosto o rosto no ladrilho da parede. Onde foi que eu errei, ein? Em que momento abaixei a minha guarda e deixei ela me enlouquecer desse jeito? Balanço a cabeça de um lado para o outro, e finjo não notar as lágrimas rolando pelo meu rosto.

Nunca chorei por causa de mulher na minha vida inteira. Isso é patético.

Mas, acho que é mais complicado do que isso, não é?

Não estou chorando apenas porque estou de coração partido. Estou chorando porque estou traindo a confiança do meu irmão, por não contar a ele o que ele merece saber.

Eu conseguiria aguentar a carga do ódio dele? Não. Isso me destruiria.

Me destruiria.

XXX

—Vocês devem chegar a Salina o quanto antes. – Bobby diz isso com a voz rouca enquanto beberica um pouco de whisky. Há um mapa estendido na mesa em nossa frente, onde ele aponta com o indicador – O Wendigo se moveu para lá, tenho certeza disso. Acompanhei o caso, mesmo de longe.

—Quantas pessoas desapareceram até agora? – Sammy pergunta, o olhar analítico percorrendo o mapa.

—Três, duas em Wichita, e uma em Salina. Mas adivinha só? – Bobby nos olha com expectativa, e eu sorrio discretamente. Ele não se dá conta, mas ama caçar. E tem algo de muito belo em ver as pessoas fazendo o que elas amam – Os três corpos foram parar nas montanhas de Salina. Tenho muitos motivos para acreditar que o Wendigo está se abrigando ao redor da cidade, e está faminto. A neve está alta, o inverno em seu auge... ele vai se alimentar de novo, tenham certeza disso.

—Por onde começaria a investigação? – Laverne questiona a Singer, com o olhar pensativo. Espio ela pelo canto dos olhos, e sinto o meu rosto queimar. É impossível olhar para ela e não me lembrar da visão que tive dela no sonho, vulnerável e suada... – Quer dizer... se sabemos que é um Wendigo, como...?

—Precisamos entrevistar os guardas florestais da região. – Sammy responde, olhando dela para mim – Você se lembra de quando caçamos um Wendigo, anos atrás, Dean? Fomos meio amadores e você quase acabou morto. Não podemos correr o mesmo risco. Temos que ter cautela.

—Não só cautela quanto ao Wendigo, filho. – Bobby tem o olhar preocupado recaindo sobre Hazel e Jesse – Mas não podem se esquecer de que estão sendo caçados por uma porção de demônios, de ambos os lados...

—Por falar nisso, algum sucesso tentando achar o rastro de Cas? – Pergunto, o coração apertado. Estou muito preocupado com a ausência dele. Cas e eu sempre tivemos uma ligação forte, e saber que o pior pode ter acontecido a ele...

Afasto o pensamento. Não quero pensar nisso.

Na última vez que o vi, não tive tempo para perguntar a ele como ele estava se sentindo. Não tive oportunidade de dizer nada a ele, na realidade. Não quero que ele pense que não me importo. Porque me importo, e muito.

E sei que, se estivesse aqui, tudo doeria menos.

Castiel, sinto tanto a sua falta.

—Nada, Dean. Mas continuarei tentando. Vocês se preocupem com isso aqui! – Bobby coloca a mão sobre o mapa, olhando para cada um de nós seriamente – E deixem que eu cuido de tentar achar Castiel.

Sinto um aperto no peito, mas não discuto. Vou continuar rezando para ele todas as noites, na esperança de resposta. Mas ninguém precisa saber disso.

—As sombras protegerão sua propriedade, Singer. Mesmo quando estivermos fora. – Jesse diz isso dando um passo à frente. Turner é tão taciturno e silencioso que as vezes me assusto quando ele se pronuncia, como uma criatura saindo das sombras para interagir com a luz – Fortifiquei elas o máximo que pude. Devem durar algumas semanas.

Bobby dá um tapinha no ombro de Turner, agradecido com o olhar.

—Liguem se precisarem de mim. – Bobby ajeita o boné em sua cabeça – Mas tentem não precisar, idiotas.

Damos risada pelo jeito rabugento dele e saímos pela porta da frente, em direção ao Impala 67.

XXX

Ponto de vista de Hazel Laverne.

Ao chegarmos no motel que fica na orla de uma floresta que circunda Salina, meio as montanhas, sinto a neblina se intensificando assim como o frio. A neve está baixa hoje, porém enrijecida. O céu está limpo, posso ver isso pelas estrelas que costuram todo o horizonte. Estamos rodeados por pinheiros, e o motel consiste em pequenos quartos, todos em madeira, um do lado do outro, com dois andares apenas.

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Estamos nos aproximando da recepção, quando Sam me puxa de lado.

—Posso conversar com você? – Seus olhos parecem aflitos, e seus ombros estão tensionados. Está nervoso. Faço que sim com a cabeça, ajeitando a minha mochila em minhas costas.

—O que houve? – Pergunto, fitando seus olhos verde-oceano. Estão envoltos por uma vermelhidão e por um cansaço explícito.

—Posso ficar... com você? – A voz dele sai baixa, como se não estivesse cem por cento certo de que sabe o que está fazendo. Meu coração dispara, e eu fico desconcertada imediatamente.

—Ficar comigo tipo... no mesmo quarto? – Tento não gaguejar, já sentindo a minha garganta secar só de imaginar a possibilidade.

Respiro fundo, e relembro os últimos passos que demos...

Durante as semanas que se passaram, nos reaproximamos muito. Foi como se estivéssemos nos conhecendo pela primeira vez, sempre perguntando detalhes, especulando o que mudou e o que não mudou, quase como um jogo. Durante todo esse processo, tomamos cuidado para sempre evitar situações em que pudéssemos acabar caindo em tentação ou coisa do tipo. Na maior parte do tempo, agimos como amigos que flertam com os olhares o tempo inteiro, mas que nunca dão passo algum um em direção ao outro. Sempre que a mão dele escorregava perto demais da minha, ambos recuavam. Foi um dos meses mais intensos da minha vida, porque mesmo meio ao nervosismo em estarmos nos redescobrindo, foi como se nunca tivéssemos ficado separados.

E há uma tensão tão densa no ar, sempre que estamos no mesmo ambiente, do tipo que todos podem sentir. É...um paradoxo. O desejo é óbvio, e a cautela é nebulosa. A vulnerabilidade é perigosa e a linha tênue que divide tudo isso, são os segredos.

Malditos segredos.

Me sinto trêmula com sua proposta, porque não estou pronta para que ele saiba sobre toda a verdade. Quero que seus muros fiquem onde estão. Sam não está nada bem. Sei disso em meus ossos.

A abstinência está o devorando vivo. E eu não sei o que fazer para ajudá-lo.

Então, posso dizer, a sua abstinência está devorando a nós dois.

—Isso. Mas... só se você quiser, Hazel. – Ele me encara em expectativa, e eu fico sem conseguir responder por alguns segundos.

—Eu quero. – Me arrependo de dizer isso no mesmo momento. Deveria ter dito algo como “claro” ou “por mim tudo bem”. “Eu quero” soa muito intenso. Ele sorri de lado, timidamente.

Fico em silêncio, após o seu sorriso, não conseguindo decifrar o seu significado.

—Quantas camas quer, El? Duas ou... uma? – Fico congelada quando ele me pergunta isso. Por um momento, considero sair correndo. Eu definitivamente não estava pronta para uma investida dessas.

—Vou deixar você escolher. – Minha voz sai quebrada, após respirar fundo, já sem capacidade alguma para sustentar seu olhar.

Estou baqueada. Ele assente, pensativo, como se eu o tivesse colocado em um embate. Suas mãos estão trêmulas, mas ele disfarça isso as colocando nos bolsos do jeans.

—E então, vamos fazer o check in? – Dean se aproxima de nós, com a sua mochila nas costas. Coloco uma mecha do meu cabelo para trás da orelha, nervosamente, e fico olhando para o chão de madeira.

—Vamos. – Sam responde ao irmão, vendo que eu fiquei meio fora de órbita temporariamente.

Vejo os dois irmãos indo em direção ao balcão do atendente, enquanto sinto meu estômago se revirar. Não faço ideia do que fez Sam dar esse passo, e não quero deixar as minhas expectativas muito altas.

Preciso ser cautelosa com relação a ele. Meu coração nunca esteve tão vulnerável como agora.

XXX

Jesse e Dean estranharam a princípio, quando Sam pediu um quarto para nós dois. Os vi se entreolhando, meu irmão me disferindo um olhar preocupado, e Dean sorrindo em um misto de felicidade e tristeza, se é que isso é possível.

Odeio isso. Odeio sentir que estou estilhaçando o coração dele.

Ao entrarmos no quarto, respiro com dificuldade. Não faço ideia do que ele escolheu, e estou sendo devorada pelo meu nervosismo, até que fico de pé na beira da cama de casal diante de mim, encarando os lençóis e a chuva que cai violentamente lá fora, batendo na janela com intensidade.

Sinto o seu corpo se aproximando atrás do meu, devagar. Ele tira a mochila das minhas costas, com delicadeza, e a joga em uma cadeira perto de nós. Minhas mãos tremem ao senti-lo tão perto de mim. Me arrepio por completo e fecho os olhos quando sinto uma de suas mãos tirando os meus cabelos dos meus ombros, deixando o meu pescoço amostra, e amoleço as pernas quando ele diz, com a boca bem perto do meu ouvido e com a voz rouca:

—Eu não tenho conseguido dormir. E isso tem me deixado exausto... – Ele sussurra, e posso sentir meu coração se contorcer dentro do meu peito, sua boca ainda tão perto da minha orelha, sua respiração quente na pele do meu pescoço – Quero estar alerta amanhã, para o caso. E não consigo pensar em outra pessoa no mundo, que faria eu me sentir seguro ao ponto de desligar a minha mente como você, Hazel.

Assinto, sem dizer nada.

Ele se afasta de mim, e eu quase choramingo ao sentir seu corpo se afastando. Queria que ele me inclinasse de costas nessa cama, e que...

—Você está bem? – Ele me pergunta, enquanto tira o seu casaco, revelando seus bíceps fortes, a camiseta preta colada em seu corpo definido.

Estou tão excitada que poderia morrer agora mesmo.

—Estou sim. – Minto, indo em direção a cadeira em que ele jogou a minha bolsa, tentando fingir naturalidade. No caminho, tropeço no tapete felpudo e escorrego. No mesmo momento, Sam me segura pelos braços, me impedindo de cair.

—Ei, eu te deixei...nervosa? – Ele me pergunta, o rosto tão perto do meu, os cabelos tão jogados na frente de seus olhos de pupilas dilatadas e ar preocupado, seu perfume cítrico assim tão intenso em minhas narinas, me embriagando.

—Não, claro que não. – Me limito a responder, a voz saindo mais fina do que eu gostaria. Me recomponho, e ele me solta. Estou me tremendo por completo. Ele assente, com o olhar desconfiado.

—Eu... realmente não queria causar nenhum tipo de desconforto em você, sabe? Eu só realmente...- O olhar dele se torna distante, e franzo o cenho ao reparar em algo que não havia visto antes. Ele esfrega o polegar na palma de sua mão, onde vejo um machucado relativamente profundo se formando – Não queria ficar sozinho.

—O que aconteceu com a sua mão? – Me aproximo dele, o olhar preocupado. Ele fica confuso por um momento, sem entender ao que me refiro, mas então após ver que estou encarando seu machucado, ele parece ficar envergonhado.

—Ah, eu perdi um pouco o jeito com as facas, estava treinando um dia desses para essa caçada e acabei me ferindo. Nada demais... – Ele tenta desconversar, mas eu seguro o seu braço, olhando o machucado mais de perto.

Está profundo, e parece um machucado antigo. Como se ele estivesse impedindo a cura do ferimento.

—Sam... o que realmente aconteceu? – Uso um tom firme em minha voz. O conheço o suficiente para saber que não está sendo sincero. Ele respira fundo, o olhar triste e sombrio.

—Não estou pronto para falar sobre isso, El... – Seu tom é pesaroso, e eu solto o seu braço, o coração apertado – Me desculpe por isso.

—Tudo bem. – Tento não soar magoada, afinal... quantas coisas estou me negando a dizer a ele? Todos esses segredos entre nós dois parecem nos deixar a quilômetros de distância, mesmo que estejamos um na frente do outro – Eu vou tomar um banho quente, e depois... – Olho para a cama, pensativa. Se evitamos qualquer tentação por todo esse tempo, por que a decisão de escolher uma cama de casal? Ele parece ler os meus pensamentos, já que dá um passo à frente para se explicar:

—Eu não queria escolher as camas de solteiro porque não queria que pensasse que te vejo como apenas uma amiga. Porque não vejo, El. Mas... – Ele coça a nuca, desconcertado e confuso – Não parei para pensar em como essa proximidade vai nos afetar hoje à noite, não até agora, pelo menos. O que quer...fazer sobre isso? – Em seus olhos, vejo uma busca genuína por ajuda. Como se estivesse perdido.

O problema, é que também estou. Talvez até mais do que ele.

—O que quero fazer ou o que acho certo fazer? – Questiono, o olhando de maneira lasciva, apenas para descontrair a tensão. Ele dá uma risadinha, envergonhado.

—O que acha certo fazer, El. É isso o que quero saber... – Assinto, respirando fundo.

—Nesse caso... vou me deitar no meu canto, olhando para aquela janela ali...- Aponto na direção da parede, e ele me acompanha com seu olhar concentrado – E vou dormir, sem nem pensar que você vai estar do meu lado. E quanto a você... nada de gracinhas, ok? – Ergo uma sobrancelha para ele, o censurando com o olhar. Ele ergue as mãos no ar e faz uma expressão de inocente.

—Eu? Fazendo gracinhas? Jamais, El. Juro! – Ele dá um passo para trás, indo para perto da própria mochila.

—Então não temos com o que nos preocupar, Sam. – Constato, andando para bem perto dele, encarando o seu rosto próximo ao meu, sentindo sua respiração mista a minha. Vejo um pânico discreto reluzindo em sua íris, e desço os olhos para seus lábios quando digo – Desde que você se comporte, vou me comportar também.

O vejo engolindo seco, como eu sabia que faria. E mesmo sentindo uma sensação ardente em meu abdômen, uma pulsante vontade de tê-lo, dou vários passos para trás, nos distanciando.

XXX

Quando saio do banheiro, uma lufada de vapor invade o quarto. Sam está sentado em uma poltrona frente a uma mesinha redonda com seu laptop aberto, vários livros espalhados ao redor dele. Parece concentrado em uma pesquisa.

Estou trajando um short de algodão branco e uma blusa de manga comprida que comprei em um festival de música em 2002, que é lilás e tem o nome do meu álbum favorito, “So tonight that I might see” estampado. Prendi os cabelos de maneira bagunçada, e vou em direção a uma cadeira que está ao lado dele, pegando minha mochila. Sam ergue os olhos para mim, não conseguindo disfarçar seu desespero ao me ver assim, tão exposta, apenas de pijama. Dou um sorrisinho de lado, satisfeita por tê-lo afetado de alguma maneira.

—Então Mazzy Star ainda é sua banda favorita? – Ele me questiona, fechando seu laptop e apontando para a minha blusa. Faço que sim com a cabeça, me sentando na cama. Sinto o cheiro da chuva, e minha pele se arrepia com o frio.

—Eu consegui ir a um festival em Nova York, há uns três anos, e os vi ao vivo. Fiquei quase até o final. – Sorrio um sorriso fraco, e um vinco se forma em sua testa.

—Por que não ficou até o fim do show? – Ele questiona. Dou um longo suspiro.

—Não gosto de multidões, então prefiro sair antes de todo mundo se aglomerar no metrô... – Minto. Não quero dizer a ele que não fiquei até o final pelo simples fato de que não conseguiria ouvir “Fade into you” sem desmoronar ao me lembrar dele. Vejo no olhar de Sam que ele não compra o que eu disse, nem por um minuto, mas percebo que ele apenas assente, respeitando o fato de que não quero falar a verdade.

Isso me devora por dentro. Essas nossas interações cobertas por omissões...

Nunca fomos assim.

—Eu é quem vou tomar um banho quente agora. Está tarde...- Ele checa o relógio de pulso em seu braço esquerdo, dando um longo suspiro. Me aconchego na cama, abraçando as minhas pernas e apoiando a cabeça em meus joelhos.

XXX

Quando Sam abre a porta do banheiro, tenho a plena certeza de que estou sendo provocada de propósito, e todo o meu corpo se esquenta por isso. Sua calça de moletom cinza escura é tudo o que ele usa ao entrar no quarto, seu peitoral completamente exposto, os cabelos levemente bagunçados.

Engulo em seco, mas finjo nem prestar atenção nele.

Quando, na verdade, já percorri todo o seu abdômen coberto por um tanquinho em perfeita forma, seu peitoral forte e largo, sua tatuagem de antipossessão no peito, seus braços fortes e os ossos da sua pélvis perfeitamente salientes por músculos que a compõem, marcando seu ventre. Tudo isso em menos de trinta segundos.

Me forço a olhar para a janela, quando o percebo vestindo uma blusa de frio preta. Respiro em alívio. Não ia conseguir dormir com ele daquele jeito, seria demais para mim. Uma garota pode ser forte até certo ponto.

Sam se deita ao meu lado, os braços atrás da cabeça e o olhar pensativo encarando o teto. O único som presente é o da chuva batendo contra o vidro.

—O que tem perturbado o seu sono, Sam? – Me viro para encará-lo. Seus olhos verdes me fitam, sua expressão serena.

Sam respira fundo, vasculhando a própria mente em busca de uma boa resposta para a minha pergunta.

—Minha cabeça anda confusa... – Sua voz está rouca e está visível em seus olhos o quão vulnerável ele está se sentindo – As vezes, penso ter visto coisas, e depois elas... desaparecem.

Me ajeito na cama, preocupada com sua declaração.

—Acha que os seus muros estão...caindo? – Minha voz sai levemente quebrada e o meu coração dispara em preocupação. Ele suspira.

—Honestamente? Não sei. Mas o que sei é que eles não vão ficar intactos para sempre, não é? – Ele dá de ombros, conformado – Só tem sido difícil, mas sei que vou me acostumar. Estava segurando as pontas até agora, mas como preciso estar cem por cento alerta para o caso, sabia que só dormiria se fosse com você.

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“Só dormiria se fosse com você”. Isso faz um sorriso invadir os meus lábios.

Meu rosto se enrubesce, e o meu corpo me trai quando eu estico a mão em direção ao seu rosto, tirando os cabelos que estavam em frente a seus olhos com meus dedos, delicadamente.

—Fico feliz em poder ajudar você, Sam. Tem sido tão difícil... – O sorriso que havia se formado em meus lábios se desfaz, e eu me contraio levemente. Seu olhar se escurece, com uma preocupação notável exposta nele.

—O que tem sido difícil, El? – Ele se vira de lado, na minha direção.

Respiro fundo, e meus olhos percorrem seus lábios, enquanto meu coração se pronuncia violentamente em meu peito, como um protesto.

—Tudo. Mas, eu me refiro especificamente a... – Minha voz morre por um momento, criando uma pausa que se estende pelo ar por alguns segundos – Nós.

Ele respira fundo, pesaroso, seus olhos também recaindo nos meus, com um olhar de sofrimento.

Sam umedece os lábios, e sua mão alcança a minha nuca, acariciando-a. Me estremeço e todos os pelos do meu corpo se arrepiam com o seu toque quente, seus dedos compridos explorando uma região tão sensível em mim.

— El... espero que saiba que não é a única que está...

Sua voz morre. Ele não consegue dizer o que realmente quer. Nem eu.

Ultimamente, as coisas que quero dizer tem me sufocado, do fundo da garganta até a ponta da língua.

Me movo para mais perto dele, que continua a me acariciar. Seu outro braço me cobre, me abraçando, enquanto me aninho em seu peito. O seu perfume cítrico e veraneio me invade, e eu posso ouvir seu coração pulsando como o meu. Aflito, confuso e incerto.

Estar assim tão perto dele faz com que eu queira me abrir, mesmo que eu sinta que não deva.

—Sam... eu sempre me senti mal por nunca ter conseguido me desconectar totalmente de você e do nosso passado durante todos esses malditos anos...– As palavras me escapam, de olhos fechados enquanto aprecio o seu toque – Tentei entender os motivos disso por todo esse tempo. E eu cheguei à conclusão de que o maior deles é que ninguém terminou com ninguém. Eu não te ouvi dizer que não me queria mais, e embora você tenha ouvido as mentiras da minha avó, nunca ouviu a minha voz dizer aquelas coisas. Sem um ponto final, tudo vira um borrão.... e agora eu estou tão confusa, Sam... – Esfrego meu rosto contra o seu pescoço enquanto ele me aninha, e ouço a sua respiração se tornando mais pesada. A linha tênue entre nós está frágil, quebradiça e prestes a colapsar — Esse mês em que nos reaproximamos foi tão...denso! O que estamos fazendo, Sam? Onde queremos chegar? – Sussurro, sentindo o meu peito arder – Eu não sei o que eu estou fazendo...

—Eu também não sei o que estou fazendo, Hazel. – Sua voz é abalada ao dizer isso – Eu só sei que eu me sinto como... como se fosse a primeira vez. Como se eu tivesse voltado no tempo, El. – Ele dá um longo suspiro, e eu me estremeço – Eu me sinto como...eu, novamente, quando estou perto de você.

Reabro os olhos e me contraio. Prometi que guardaria o meu coração...o que estou fazendo?! O que estou fazendo deitada com ele, abrindo o jogo desse jeito?

Eu estou me traindo. Cada passo em direção a ele é uma traição.

—Não sei o quanto mais disso posso aguentar, Sam. – Digo, as lágrimas quentes em meus olhos, enquanto reluto para que não caiam – Você quebrou a porra do meu coração uma vez... mesmo que não tenha sido sua culpa... e eu me sinto tão vulnerável, de novo. E eu me prometi que não ficaria! – O encaro com uma urgência no olhar. Urgência de um cessar fogo, ou do início da guerra, não tenho certeza sobre isso. Não tenho certeza de nada — Mas quando ficamos perto assim, é tão mais difícil...

—Me desculpa por ter quebrado o seu coração, linda... – O peso em seu sussurro é palpável e honesto, bem como a dor que vem implícita em suas palavras.

—Não foi sua culpa...- Saliento, um vinco em minha testa. Ele assente, contrariado.

—Mesmo assim... não importa. Aceite minhas desculpas, porque elas são sinceras. Se você puder, é claro... – Há medo em seu olhar. Não sei ao certo do quê, exatamente – Você acha que consegue, El? Me perdoar?

—Eu posso. Me desculpe ter quebrado o seu coração também, Sam. – Não preciso dizer a ele que a culpa não foi minha. Ele sabe. Estamos pedindo perdão um para o outro não porque nos culpamos. Mas porque ninguém irá pedir perdão a nós pelo que fizeram, e sem um perdão, como é que se pode seguir em frente?

Estamos tentando nos curar. E só podemos fazer isso juntos. É nítido para mim agora.

Ele faz que sim com a cabeça, o olhar nadando em aflição.

—Eu queria pular todas as etapas, todas as verdades feias e estraçalhar essas malditas omissões... – Resmungo, embriagada pelo seu perfume.

Embriagada por tudo o que ele me faz sentir.

— Eu sei... – Ele sussurra, sua mão firme segurando a minha nuca, seu olhar se enegrecendo e a sua moral sendo balançada. Dou um longo suspiro, e torno a fechar olhos, sentindo como se uma corrente elétrica percorresse todo o meu corpo. Meus lábios se entreabrem e eu quase solto um gemido quando sinto a sua boca no meu pescoço, depositando um beijo lento em minha pele – Mas não pode...não podemos...- Suas palavras sussurradas saem letárgicas, os lábios roçando a minha jugular.

—Sam...- Sussurro seu nome, trêmula e vulnerável. Reabro os olhos, e o encaro, confusa e entregue. Seus olhos estão em conflito, suas sobrancelhas erguidas em um vinco e sua pupila dilatada. Ele respira fundo, seu peito sobe e desce devagar, e ele se senta na cama, me afastando delicadamente.

—Me desculpa, eu perdi o maldito controle por um segundo... – Ele sussurra isso sentado na beira da cama, o rosto enfiado nas mãos. Me levanto, e me ajoelho em sua frente, depositando as minhas mãos em seus joelhos.

—Perde de novo, Sam... – Digo, em uma súplica provocativa – Perde esse maldito controle por mais um segundo...

Ele faz que não com a cabeça e fecha os olhos, o cenho franzido em uma expressão de dor mesclada a raiva, relutante. Todo o seu corpo está tenso, hesitante. Mas, assim que reabre os olhos e eles encontram os meus, Sam franze o nariz com uma raiva crescente e honesta.

Está com raiva de si mesmo.

Sam ergue seus braços e segura o meu rosto com suas mãos, e eu me aproximo mais dele. Seu olhar enegrecido e cheio de raiva repousa em meus lábios, e sua testa se cola com a minha. A nossa respiração se mistura, quente e entrecortada. Minhas mãos estão em suas pernas, e as minhas veias pulsam.

—Não é certo assim. – Ele sentencia, entredentes e no seu próprio limite enquanto eu me contraio em frustração e desejo – Não é certo desse jeito, El.

—E quando é que foi, meu deus?! – Exclamo, fulminando seu olhar com o mesmo fogo que ele tem em sua íris.

Sua confusão externada em suas sobrancelhas erguidas fica nebulosa e baqueada, e sua hesitação é sufocada pela realização de que estou certa. Ele acaricia o meu rosto com ambas as mãos, que passeiam também em meus cabelos, de maneira firme e dominante. Meu ventre arde assim que suas mãos descem rapidamente para a minha cintura e ele me ergue, sem dificuldade alguma, me sentando em seu colo, encaixando as minhas pernas ao redor do seu corpo, sentada de frente para ele, e em questão de segundos, retorna com elas ao meu rosto, me acariciando com seus dedos.

Arfo, quente por toda extensão da minha pele. Sam encosta a testa na minha, a um passo de se entregar. Silenciosamente, faz que não com a cabeça, a balançando de um lado para o outro, relutante, com uma expressão de dor e raiva em seu rosto. Por fim, vencido pelo inegável magnetismo que nos consome, agarra a minha nuca com uma de suas mãos e me puxa para um beijo desesperado. Assim que seus lábios tocam nos meus, solto um suspiro e me entrego a isso.

Estamos condenados.

Sam explora a minha cintura, me apertando contra o seu corpo com urgência e demanda. Estremeço quando suas mãos passeiam pelas minhas costas até encontrarem os meus cabelos, os bagunçando enquanto move seus lábios de maneira voraz, roçando a sua língua na minha. Percorro seus ombros com as mãos, respirando com dificuldade, sentindo o sabor dos seus lábios nos meus, ficando completamente zonza e incandescente.

—Hazel...- Ele sussurra o meu nome em minha boca, entre o beijo, quase como uma súplica. Passo as mãos por seus cabelos que tanto me enlouquecem e invisto o meu quadril contra o seu, sentindo sua rigidez por entre o moletom, bem no centro das minhas pernas. Isso me deixa maluca. Sam geme em meus lábios, a respiração pesando cada vez mais, enquanto nos apertamos um contra o outro. Seus braços me agarram com força, enquanto pressiono meu corpo contra o seu com tanta força que tenho medo de machucá-lo. Nossas línguas se provam com fome, e os lábios se movem com anseio.

O seu sabor é exatamente como eu me lembrava, assim como o seu cheiro, e como seu abraço. Em seus braços, o mundo não se move e não me machuca. O mundo fica bonito quando estou em suas mãos.

Quando sou sua, o tempo não me machuca.

Nesse beijo, o tempo não nos controla. Não, ele...

Ele congela, refém de nós dois.

Dentro desse beijo, moram muitas coisas...há anos de frustração, dor, raiva, ressentimento, culpa e saudade. Nossos lábios são a morada de todos esses sentimentos nesse momento.

Sinto seu sorriso por entre o beijo, enquanto aperta a minha nuca com sua mão. E em minha língua, sinto o sal das lágrimas que me escaparam. Quando foi que eu comecei a chorar?! Hesito, por um breve momento, separando os nossos lábios, confusa sobre o que me fez chorar.

Sam segura o meu rosto em suas mãos, e fita os meus olhos, um vinco entre suas sobrancelhas e a preocupação transbordando do seu oceano particular. Não consigo dizer nada por um tempo, embora seus olhos revistem os meus a procura de respostas, e as pontas dos seus dedos começam a limpar as minhas lágrimas.

—El... – Seus lábios sussurram. Está incerto sobre o que dizer, não sabe porque estou chorando.

Olhando para ele, para a vermelhidão que envolve seus olhos, para a sua vulnerabilidade...

De repente, entendo o motivo das minhas lágrimas. Culpa.

—Eu sinto muito, Sam... – As palavras saem sem muito planejamento, enquanto o meu peito sobe e desce, a culpa me devorando por dentro, das minhas entranhas aos meus pulmões – Você...você não queria me beijar, não antes de saber tudo o que precisa saber, era a sua condição e eu...

Shhhh...- Seus lábios sussurram, e o seu olhar se torna terno. Delicadamente, Sam passa o polegar pelos meus lábios, sua respiração funda e pesada – Não sinta, El. Eu beijei você, não o contrário.

—Eu provoquei...- Contraponho, não me sentindo nada inocentada do erro cometido.

—Não importa. – Ele dá de ombros, acariciando o meu rosto – Eu beijei você. E foi um...erro. – O peso da palavra me magoa, mas eu sei que está certo. Foi um erro. Não podemos nos envolver, não com tudo o que está acontecendo, é perigoso e honestamente errado, com tantas mentiras pendendo na balança. A humanidade está em perigo, eu não posso estar com a cabeça e com o coração centrados em Sam e eu. Não posso ser egoísta assim — Eu cometi esse erro, e o pior de tudo é que...- Sua expressão de dor se transforma em um sorriso de lado, sua covinha aparente, e os seus olhos se acendem – Eu não me arrependo nenhum pouco, El.

Aquiesço, ainda sentindo uma queimação na garganta.

—Eu também não me arrependo, e o que isso diz sobre mim?! – Respiro fundo, incrédula comigo mesma, com uma vontade genuína de me estapear – Você tinha uma condição, e eu ignorei isso...

—Eu ignorei antes de você, Hazel. – Ele afirma, colocando os meus cabelos para trás dos ombros.

O ver sorrindo para mim, após ter passado dos próprios limites estabelecidos, sabendo muito bem o quanto o provoquei para que cruzasse esses limites, faz eu me sentir como a pior pessoa do mundo.

—Ei, se está se sentindo tão mal... - Ele me especula com o olhar, suas mãos descendo para a minha cintura, onde me pressionam gentilmente, fazendo uma corrente elétrica me percorrer. O toque dele é como um raio caindo direto no mar, estático e poderoso, capaz de atingir até mesmo as profundezas, eletrocutá-las e trazer luz à imensa escuridão – Me conte uma verdade, El. Me conte uma das verdades que está escondendo de mim, e esse beijo não terá mais sido um erro.

A súplica em seu olhar faz com que eu me contraia. Xeque-mate.

Ele beijou os lábios que estão mentindo para ele. Eu sou uma mentirosa. O mínimo que posso oferecer a ele é uma verdade.

Mas... qual?

Todas as coisas que estou escondendo dele dançam na minha retina, roçando a superfície da minha mente perturbada. Crowley e seu maldito feitiço, controlando seu corpo como uma marionete. A verdade sobre de quem foram as mãos que torceram a faca dentro do meu estômago, o irmão, que está secretamente apaixonado por mim, o beijo que Ruby nos forçou a dar...

Fecho meus olhos. Isso vai o destruir, sua egoísta.

Egoísta e cruel.

Não posso oferecer a ele nenhuma dessas coisas, é cedo demais. Não posso feri-lo com a verdade dessa maneira, não meio a uma crise de abstinência e correndo contra o tempo em uma missão suicida. A cabeça dele precisa permanecer no lugar, para a sua própria segurança.

Respiro fundo, seus olhos não parando de me encarar por nenhum momento enquanto assiste a minha batalha interna se formando.

Posso oferecer a ele, no entanto, algo que tenho me negado a muito tempo. Uma verdade com a qual tenho lutado veementemente desde que Dean Winchester apareceu em minha vida e me disse que Sam estava em perigo.

Abro os lábios, sentindo uma faca disferida em mim, por mim mesma. Traidora.

—Eu... – Hesito, como Brutus deve ter hesitado antes de assassinar Júlio César.

Você se prometeu, Hazel. Prometeu que blindaria o seu coração e não o entregaria mais a Sam.

Você prometeu. Você prometeu. Você prometeu. Você prometeu. Você prometeu. Você prometeu.

—Você...- A voz dele tenta me encorajar a completar a frase. Seus olhos em expectativa como os de uma criança no Natal.

—Eu quero você, Sam. Sei que eu disse que não sei o que estou fazendo, mas eu sei o que eu quero. E é...isso. – Me aproximo dele, os seus olhos chocados com o que eu acabo de dizer, como se não pudesse acreditar nisso, e colo os meus lábios nos seus, dando-lhe um selinho, que ele retribui ternamente. Pauso, para reafirmar – É isso, Sam. – Encosto a minha testa na sua, com uma dor no peito, bem onde acabo de me trair, no coração — E isso me apavora, porque desde o começo, fomos uma tragédia. E não é prudente, e não é saudável te querer assim, no meio desse caos todo, onde a humanidade depende de mim e de Jesse. Mas eu quero você de volta. E entregar essa verdade a você é como trair a mim mesma, por que...

Minha voz morre. Dizer a ele que me prometi que não ficaria com ele nunca mais doeria mais do que eu poderia suportar.

Seu olhar se encharca de dor, enquanto ele aquiesce devagar.

—Prometeu a si mesma que jamais nos daria uma segunda chance, não é? – Sua voz sai ferida. Assinto, o meu olhar devastado, meu peito desmoronando dentro de mim. Ele sabe.

Ele sempre sabe.

—Foi assim que eu sobrevivi, Sam. – Completo, me contraindo.

Sam solta um longo suspiro, o tipo de suspiro que parece doer.

—Nós dois nos traímos essa noite, ao que parece. – Ele sorri tristemente – Eu aos meus princípios, você aos seus. No entanto, sua verdade está a salvo comigo, El. – Ele sussurra isso apertando seus polegares contra a minha cintura – Está bem guardada nos meus lábios.

Nos olhamos em silêncio por alguns segundos, absorvendo a tudo isso, ao peso dessa noite, dessa entrega mútua e imprudente.

—Sabe...eu também me fiz uma promessa, quando fui embora de Lawrence... – Sua voz me desperta, e nossos olhos tornam a se encontrar. O seu rosto se contrai em uma expressão de dor, e, no entanto, sua voz é firme – Prometi a mim mesmo que nunca mais arruinaria a sua vida, portanto, nunca mais ficaria com você, nem se tivesse a chance.

Seu olhar se enegrece, e algo dentro dele, muito sombrio, parece perturbá-lo.

—Pretende cumprir isso? – Questiono a ele com uma sensação terrível no fundo do peito – Ou vai se trair mais uma vez?

Se traia mais uma vez, Sam. Se traia como eu me traí...

Seu olhar desce dos meus olhos para o colar em meu pescoço. Seus dedos envolvem o pingente, e ele o roda nos dedos, pensativo. Minha pergunta parece afetá-lo profundamente.

—Não precisa responder agora, Sam. – Decido tirar o peso dos seus ombros, e viro o meu rosto, pronta para encerrar o assunto – Eu...

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Assim que faço menção de mexer as pernas para sair de seu colo, Sam vira o meu rosto gentilmente com a mão e me beija novamente, me puxando para si, me impedindo de sair.

—Espera, linda. – Ele pede, o olhar triste - Me deixe virar uma pessoa inteira antes de te dar uma resposta, El. Eu não sou eu mesmo agora, com tanta coisa... faltando. – Ele aponta para a própria cabeça, em sofrimento – Eu não sou um homem inteiro, eu estou quebrado, e... – Vejo os músculos da sua garganta se retraindo, e pelo teor do seu olhar, sei que está pensando em seu vício – No presente momento, sou um viciado, a um passo de fazer besteira. Sou instável, perigoso e reativo. E quando os meus malditos muros caírem, isso só vai piorar, mas eu preciso passar por isso, por tudo isso... – Seus olhos se marejam, enquanto ele segura o meu rosto em suas mãos – Precisamos derrotar Crowley, Astaroth...e eu preciso colocar a sua segurança em primeiro lugar. Se sobrar algo de mim depois disso tudo, algo bom...

Sua voz morre por um momento, mas ele reúne forças dentro de si para continuar.

—Se ainda restar algo bom dentro de mim no final disso tudo, se eu souber que não serei mais uma ameaça para você, para a sua vida...- Suas palavras hesitam por um momento, mas ele continua, os olhos verdes cinzentos nos meus – Então terá a minha resposta, El.

Assinto, sentindo tanta dor que chega a ser descomunal.

Não podemos ficar juntos novamente. O que diabos estamos fazendo?! Por que estamos criando esperanças?!

Respiro fundo, e entendo que, seja como for, preciso esperar por sua resposta. Preciso esperar pelo fim de tudo. Até lá...preciso ser forte. Principalmente agora que abri meu coração para ele.

Não me resta mais nada, a não ser esperar. E se eu fosse uma garota esperta, deveria esperar pelo pior.

Me desvencilho dele, desejando que um buraco se abra no chão e me sugue para dentro da terra, colocando um fim em toda essa dor. Me deito em meu lado da cama, me encolhendo. Fico assim por um tempo, o silêncio ensurdecedor dominando o espaço entre nós. O frio faz com que eu me sinta subitamente sozinha, mas então, sinto o seu corpo cobrindo o meu, ele me abraça, as mãos na minha cintura e a boca no meu pescoço, sua respiração quente me deixando completamente entorpecida.

Estou sedenta pelo seu toque, eu preciso de muito mais do que um beijo.

Preciso dele dentro de mim. Mas sei que isso não vai acontecer.

—Antes que adormeça, sei que a deixei cheia de incertezas, mas há uma que não quero que tenha... – Sua voz rouca sussurra em minha orelha, fazendo os pelos do meu corpo se arrepiarem.

—E qual é? – Consigo dizer, os olhos fechados e a respiração fraca.

—Para o caso de ter restado alguma dúvida, eu também quero você de volta, Laverne. – Me estremeço ao ser atingida por suas palavras. Então ele, assim como eu, está inclinado a nos dar uma segunda chance um dia, mesmo contra todas as probabilidades— Quero tanto você, que chega a ser cruel.

Eu não devia sorrir, tendo em vista tudo o que isso significa. Mas sorrio mesmo assim. No entanto, algo rouba o sorriso do meu rosto. Uma sensação horrível me arrebata por dentro.

O trauma do ano de 2000 me assola de repente, batendo em mim como uma onda em um rochedo. O medo do abandono me arranha como uma maldita mão cheia de garras.

—Sam, haja o que houver...aconteça o que acontecer... – Minha voz sai tão baixa que duvido que ele escute com facilidade – Não quebre o meu coração. Eu não suportaria. Não me machuque na sua busca pela sua resposta, Sam...

Sinto o seu suspiro quente em minha nuca, e a contração dos seus músculos.

—Eu prometo, El. – Suas palavras saem pesarosas.

Tudo o que acaba de acontecer me deixa zonza, e exausta.

Isso não vai acabar bem. Estamos brincando com o fogo.

Sinto o seu corpo sucumbir a exaustão, e o meu segue o seu exemplo.

Adormeço, em seus braços, quase como se fosse sua novamente.

XXX

Ponto de vista de Sam Winchester.

Sinto o gosto de ferro e terra em meus lábios, o ar fugindo dos meus pulmões e um medo percorrendo a minha pele. E então vejo vislumbres de imagens confusas que dançam em minha mente.

Crowley, em vestes negras, me conduz por uma igreja, a princípio.

Tudo o que vejo a seguir me deixa completamente estático. Todos os acontecimentos do último ano se infiltram em minha mente, e uma dor excruciante me assombra. Cada morte, cada gota de sangue consumida.

Tudo o que fizeram com meu corpo. A crucificação, a transformação do meu corpo em algo que não sou eu, nem nunca fui eu. Vejo pelos olhos dessa criatura que Crowley criou, todos os seus crimes.

Dean, e o cemitério onde nossa mãe tem um memorial.

Eu atirei nele. Eu...?

Vejo os muros se rachando, se escancarando, e então me vejo em New Orleans, com Ruby.

Sinto vontade de vomitar quando vejo o que aconteceu no cemitério de Saint Louis. Assisto a tudo como se fosse um fantasma, enquanto vejo o meu corpo caçando Hazel por meio das lápides, ambos debaixo da chuva enquanto ele segura uma lâmina contra o pescoço dela. E começo a gritar, com tudo o que veio depois.

A tortura, o beijo com Ruby, o bunker, e então...

Minhas mãos que torcem uma faca em Hazel, enquanto a luz a abandona.

Eu a mandei para o vale das sombras.

Eu.

XXX

Quando acordo, Jesse e Dean estão me segurando, enquanto eu me debato no chão gelado, me arranhando e me contorcendo. Hazel está em um canto do quarto, encolhida enquanto ela se abraça, seus braços se segurando como se ela tentasse não desmoronar. Paro de gritar quando a dor lancinante que me percorre por inteiro começa a ficar quase suportável. Meu crânio parece que foi esmagado, e o meu cérebro queima como se estivesse sobrecarregado com informações demais.

Mas a dor pior é na minha alma. Ela está...aos pedaços. Fisicamente, sinto cada canto dela tremendo e derretendo, me escorrendo entre os ossos. Dói tanto que fico zonzo.

Respiro com dificuldade, me acalmando aos poucos, os primeiros raios de sol invadindo o quarto, fazendo meus olhos se estreitarem. Jesse é o primeiro a me soltar, mas Dean continua me segurando. Focalizo meu olhar em seus olhos verdes, as pupilas dilatadas e o seu olhar de horror estampado no rosto. Está tudo meio borrado, e eu sinto vontade de vomitar.

Estou em choque.

—Dean...- Seu nome é a única coisa que consigo pronunciar agora. Começo a chorar, sem controle. Os meus arranhões infligidos por mim mesmo ardendo, o sangue fino e vivo brilhando em minha pele, e, no entanto, nada disso chega perto ao que sinto em minha alma agora. A maioria dos muros ruíram, e eu acho que talvez não vá suportar essa dor. Acho que estou quebrado— Eu... eu fiz todas aquelas coisas?! – Percebo que estou gritando, mas não consigo me recompor, não com a minha cabeça latejando assim – Eu sou um monstro! Um maldito monstro do Crowley! Eu...

Vejo Hazel cobrir os próprios ouvidos, os olhos devastados. Eu a matei.

Eu a mandei para o vale das sombras da morte, e caso ela não fosse uma híbrida, estaria morta agora. Por minhas mãos.

Sinto uma sensação de desolação tão intensa que, caso uma faca afiada estivesse próxima a mim, acredito que cortaria ambas as mãos para fora do meu corpo.

—Eu preciso que você se acalme, Sammy! Eu preciso que você... – Dean começa a dizer, mas eu me ergo do chão, ficando de pé, me desvencilhando dele com rapidez, parecendo um louco. Me encosto na parede, o peito subindo e descendo em pânico absoluto enquanto um suor frio me escorre pela pele.

Eu a matei. Eu sou perigoso. Eu sou um monstro.

—É verdade?! Tudo o que eu vi?! Eu fui...a criatura?! – Dou um passo à frente até ficar de frente para Dean, segurando seu colarinho, desesperado por respostas. Estou completamente fora de controle, tremendo tanto que sinto meus ossos doerem.

O sofrimento no olhar de Dean é evidente. Ele respira fundo com dificuldade, e olha para baixo.

Dean sempre fala com os olhos, e se encarou o chão, é porque seja lá o que tenha como resposta, me machucaria demais.

O solto, e caminho até Hazel, ficando tão perto dela que quase posso sentir o calor do seu corpo. Seu rosto brilha com lágrimas, e seus olhos encontram os meus.

Ficar perto dela parece o pior pecado do mundo, agora. Me contraio, porque tudo o que consigo sentir nesse momento, tão fresco em minha memória, é o cheiro de ferro do seu sangue em minhas mãos, enquanto eu torcia aquela faca dentro dela.

—Fui eu, não é?! Fui eu! – Minha voz sai quebrada, e minha respiração queima – Eu te torturei. Eu a mandei para o vale das sombras. Eu...

—Não, Sam! – Ela grita, alterada. Não é típico dela gritar, mas vejo que ela perdeu o controle – Você não fez essas coisas, droga! Crowley fez! Você....

—Você estava no inferno, Sammy! – Dean intervém, vindo para perto de nós dois. Jesse permanece em silêncio, olhando com preocupação para a irmã – Sua alma estava presa lá. Crowley trouxe seu corpo de volta e fez um tipo de feitiço macabro para prender seu corpo a ele, como um escravo, droga! Você não tem culpa de nada, Sammy...

Chacoalho a cabeça de um lado para o outro, em negativa, e limpo minhas lágrimas com fúria. Meu peito arde, assim como meus arranhões.

Eu sou maldito. Eu sou uma maldição.

Era isso o que estavam escondendo de mim por todo esse tempo. Eram essas verdades que ela não queria que eu soubesse.

Que nenhum deles queriam que eu soubesse.

Vejo tudo girando, enquanto sinto minhas veias queimarem e o meu crânio parece se apertar em minha cabeça.

Estou perdendo o controle e sinto que vou desmaiar, mas meu corpo se tenciona em um sobressalto quando vejo Lúcifer parado, perto da janela, olhando para mim, seu sorriso irônico me assombrando. Olho para os lados, para os rostos de Dean, Hazel e Jesse, esperando para ver se eles o estão enxergando também. Não estão.

Estou sozinho em mais uma das minhas visões. O que é real e o que não é?

O diabo ergue uma sobrancelha, e ouço sua voz, tão clara que pode me deixar surdo:

“Você é uma aberração, Sammy. E um garoto muito, muito mal. Você quase a matou uma vez. E agora, seus muros estão se despedaçando. Sabe qual é o próximo? O das lembranças que temos juntos, parceiro. No inferno! – Seu olhar se enegrece, e a minha vertigem me faz cambalear— Você é um perigo para ela, Sam. Você irá machucá-la, mais cedo ou mais tarde.... Ele começa a rir, ri tanto que até uma lágrima brota de seus olhos— A garota tem tantas cicatrizes no corpo que até parece uma boneca de pano. E quer saber quem é o responsável pela maioria delas?! Você, Sam Winchester. E sabe qual a beleza disso tudo, garoto com sangue de demônio? Quando você se jogou naquela jaula, comigo dentro do seu corpo, acreditando estar salvando a humanidade...- Seu sorriso cresce, e sinto que Dean está tentando falar comigo, mas não consigo ouvi-lo. Tudo o que consigo fazer agora, é ficar a mercê do que Lúcifer está me dizendo— Você pensou que isso era fim, que você tinha ganhado. Mas eu tinha um truque na manga, Sammy. Quando os seus últimos muros caírem, eu vou escapar daquela jaula por meio da sua mente, está me ouvindo? Não sou uma simples alucinação, Sammy. Eu sou real, e eu vou terminar o que eu comecei. E no caminho, apenas para mostrar a você o tamanho do meu ressentimento pelo que você fez...- Ele se aproxima tanto que posso sentir o seu hálito quente em meu rosto— Ela vai ser meu primeiro alvo, garanto isso a você. Eu vou me vingar de você, usando ela, assim como Azazel tentou fazer. A diferença, Sammy, é que eu não vou falhar. Se você se trair, se ficar com ela, como sei que deseja fazer, porque somos um só... – Ele aponta da própria testa para a minha, um sorriso macabro em seus lábios finos e rachados— Vai condená-la mais uma vez”

Dean e Hazel falam algo, mas não consigo ouvi-los. Apenas um chiado que me perturba, me deixando tonto. Tampo os ouvidos e fecho os olhos, com tudo girando em minha mente. O choro que sai da minha garganta me sufoca, como se cordas prendessem meus pulmões. E tudo o que consigo visualizar em minha mente, é Hazel gritando enquanto meu corpo a machuca, naquele dia, no bunker.

Reabro os olhos, me afastando o máximo que consigo. Respiro com dificuldade, buscando com os olhos por Lúcifer, mas vejo que ele já não está mais aqui. Não sei se estou ficando maluco...

Ou se Lúcifer realmente está achando um jeito de escapar de novo.

Ergo a mão trêmula no ar, todo meu campo de visão embaçado pelas lágrimas, e vejo os rostos preocupados e encharcados de dor do meu irmão mais velho e da garota que amo acima de todas as coisas. Paro para pensar sobre a minha trajetória até aqui.

Tudo o que eu fiz, eu fiz por amor. Desde o início. E nunca foi o suficiente.

E todos os pecados que eu cometi, todos os esforços que fiz para tentar me redimir ao trancar Lúcifer na jaula, acreditando que estava salvando a todos, criando um mundo melhor, um mundo sem mim...

Tudo isso será em vão, se eu não conseguir mantê-lo na jaula. Se eu vacilar, se eu quebrar mais um pouco...

Ele vai escapar. E então, não teremos nenhuma chance.

E ela morrerá, como ele acaba de me prometer.

Meio as lagrimas e as dores lancinantes que me percorrem, entre alma, mente e corpo, olho para Hazel. E assim que coloco os olhos nos seus, vendo a dor que está sentindo, sinto uma contração absurda em meu coração.

Meu coração consegue doer mais do que todo o resto.

Hoje, mais cedo, antes disso tudo...

Eu a beijei. Eu a beijei e eu prometi a ela que não a machucaria.

E fiz isso porque acreditava ser capaz de passar por isso tudo, sem feri-la.

Mas agora, eu sei a verdade. E a verdade é que eu sempre vou ser usado para machucá-la. Seja Azazel, Crowley, Lúcifer...

Sou um homem marcado e isso nunca vai mudar. Eu sou a ruína dela.

Eu prometi que não a machucaria...

Sinto um peso gigantesco nos ombros, o tipo de peso que sinto que me fará sucumbir. Ela é tudo o que eu sempre quis. A luz que eu nunca pude tocar.

Sou um maldito pária e isso nunca vai mudar. Eu nunca vou ser limpo, não importa o quanto eu tente. Eu nasci para corromper, fadado a ser o menino com sangue de demônio, a ser a maldita casca de Lúcifer.

Meio a toda essa tempestade de agonias, sei o que tenho que fazer.

Não sei o que fez meus muros ruírem. Não sei se foi o contato com uma centelha de felicidade por estar com ela, e talvez eu nunca tenha a resposta de qual seja o gatilho para os muros. Mas, na jornada para descobrir isso, para descobrir como manter Lúcifer trancado dentro da jaula, há uma coisa que não pode ser colocada em risco, nunca mais.

E essa coisa é a sua segurança.

A encaro com a maior dor que já senti na vida. E eu já senti muitas coisas terríveis...

Eu prometi, eu...

Eu prometi que não machucaria seu coração. E estou prestes a disferir nela um golpe frio. Estou prestes a quebrar o seu coração.

Me perdoe, linda. Me perdoe.

Eu amo você mais do que amo qualquer pessoa e não posso arriscar sua vida pelo meu egoísmo de querer estar com você.

Não posso permitir que Lúcifer coloque as mãos em você.

Me perdoe.

—Eu e você... – Minha voz morre momentaneamente enquanto aponto para Hazel, sentindo uma navalha me rasgando por dentro pelo que estou prestes a dizer. Com tudo o que vi, com tudo o que Lúcifer disse...

Com todas as coisas que aconteceram com ela desde o começo, por culpa minha, com tudo isso borbulhando em minhas veias e na minha carne, decido algo que me dói até os ossos.

Dói mais do que qualquer coisa.

Mas não posso ser egoísta. Sei que ela vai me odiar para sempre, mas não importa.

Posso aguentar seu ódio, posso aguentar toda a dor do mundo.

Desde que ela fique a salvo. Desde que Lúcifer nunca coloque as mãos nela.

—Eu e você, tenho a minha resposta, Hazel... – Minha boca tem um gosto amargo, e vejo seu olhar ficando vazio ao receber minhas palavras. Respiro fundo, desejando a minha morte pela primeira vez em muito tempo. Desejando nem nunca ter nascido— Vou cumprir minha promessa, Hazel. Nós...nós dois...acabou, linda.

Ela sabe ao que me refiro. Ao que pretendo cumprir.

Dean arregala os olhos, olhando de mim para Hazel. Jesse ajeita a postura, surpreso pelas minhas palavras, seu punho cerrado. De repente, me dou conta de que eles ainda estavam aqui. Por um momento, meio a toda essa carga emocional e psicológica, senti que só restavam Hazel e eu no mundo. Eu não estou conseguindo pensar direito.

Eu jamais teria feito isso na frente deles se estivesse pensando direito, mas estou passando mal ao ponto de que sinto que irei convulsionar a qualquer minuto, meu crânio se espremendo feito um rolo compressor no meu cérebro. Preciso segurar as pontas.

Preciso tentar ser forte, mesmo que a minha cabeça pareça prestes a explodir.

Hazel continua a me olhar com um vazio em seus olhos. Ela respira fundo, e anda em minha direção. Seu rosto a centímetros do meu, e sinto todo o meu interior se contorcer.

—Se essa é sua escolha...– Sua voz é baixa e quebrada, e sua expressão é fria. O ódio já emergindo por todo seu corpo. Posso senti-lo, emanando da sua pele para a minha— Então aí está, não é?! O nosso ponto final... – Ela dá um passo para trás, e embora sua voz seja baixa e comedida, seus olhos emanam uma raiva intensa, o choro lhe acometendo – Depois de todos esses anos, aí está ele. O maldito ponto final, que procurei por tanto tempo... – Me contraio, sentindo todo o meu corpo formigar. A última coisa que queria para nós dois, era esse ponto final. Queria o início de um parágrafo, queria uma folha em branco para que pudéssemos escrever a nossa história. Mas não posso— E eu posso aceitar isso, se é o que você quer. Só me mata saber que não é, e que mesmo assim... não há nada que eu possa fazer. – Ela dá de ombros, o olhar amargurado e os olhos cheios de lágrimas – Seja lá o que esteja se passando pela sua cabeça, você não vai me contar. E eu estou exausta de esmurrar a parede que você colocou entre nós, Sam...- Ela esfrega as próprias lágrimas, e a cada palavra sua, me contraio mais um pouco. Vê-la com dor é a pior coisa do mundo para mim, especialmente sabendo que a fonte da sua dor...sou eu— Eu só achei que, depois de ontem a noite, você ia pelo menos tentar. Achei que, se fosse me machucar, demoraria ao menos um tempo. Mas ei...acho que eu me enganei.

A voz dela morre, meio ao choro. Dean e Jesse continuam a nos observar, confusos e transtornados, mas não ousam dizer nenhuma palavra. E, honestamente, nesse momento...não me importo com mais nada.

Só o que enxergo é o rosto da garota que estou machucando com a intenção de protegê-la.

—Me perdoe... – Dizer isso queima a minha garganta. Queria abraçá-la..., mas não posso— Me perdoe, El. Pela noite anterior, e por todo o resto...foi um...foi um erro, El...

Não queria usar essas palavras. Me referir a nós dois como um erro é como enfiar uma faca em minha língua, mas não tenho escolha. Preciso que ela me odeie ao ponto de não questionar mais nada. Por sua própria segurança.

Ela assente, com exaustão no olhar.

—Não peça perdão, Sam. Se tem alguém que me deve desculpas, sou eu mesma. – Ela me olha com seriedade, o rosto impassível enquanto as lágrimas escorrem por ele, como gotas de cera em uma vela acesa – Mas, me escute com atenção...essa é a última vez que você me machuca. A última, me ouviu?! – Ela diz isso entredentes, enquanto respira fundo e com dificuldade, me fulminando com o olhar, as lágrimas despencando em direção ao chão. Com um ressentimento explícito, ela agarra o colar em seu pescoço, e o puxa com tanta força que rompe a corrente prateada. Ela o joga no chão, sem tirar os olhos de mim.

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Quero gritar. Quero dizer a ela que nada disso é escolha minha. Que preciso protegê-la de Lúcifer. Que, quando nos beijamos, me senti feliz pela primeira vez em anos. E que deixei isso me levar a acreditar que poderíamos ficar juntos. Quero gritar e dizer a ela que não apenas a quero, eu a amo.

Não digo nenhuma dessas coisas. Hazel passa por mim, batendo o ombro no meu, e batendo a porta atrás de si, com força.

Olho para baixo, para o colar no chão.

Eu a amo, eu a amo, eu a amo, eu a amo, eu a amo...

E eu acabo de perdê-la para sempre.

Acabo, no entanto, de salvá-la de mim.