The Rising Sun

Você é a minha casa


A estrada que cruzava o estado do Texas, naquele mês de maio de 1938, estava mais quente e árida que costumava ser.

O ônibus balançava de um lado para o outro e a poeira que a estrada de chão levantava deixava para trás um rastro de pó, sujeira e sentimentos.

Eu olho novamente para minhas mãos, e as grandes correntes que estão em volta dos meus pulsos lembram que a poeira deixava também a minha liberdade para trás.

As mesmas correntes que passam pelos meus pés e ligam aos pés do meu companheiro, que está sentado ao meu lado.

— São somente correntes Milo. Daqui a algumas horas serão bolas de ferro que carregaremos enquanto quebramos pedras em algum deserto.

— Drama nunca combinou com você Camus

— Assim como esse sentimento de auto piedade com você, mon ami.

— É um charme esse seu francês sabia?

— Eu sou todo um charme – ele me responde com uma piscadela – e você já provou várias vezes desse meu charme francês. Somente um francês para apagar o fogo de um grego.

— Convencido – eu respondo baixinho para meu amigo enquanto volto a olhar para a estrada desértica.

Estávamos ambos sendo levados para a prisão Folsom, na Califórnia, aonde deveríamos cumprir pena por distribuição ilegal de bebida.

— Será como nas outras vezes Milo. Vamos aproveitar algumas semanas de férias e logo estaremos na ativa novamente.

Somente aquele francês maluco conseguia pensar que ir para um presídio era tirar algumas semanas de férias. Se bem que todas as outras vezes que fomos presos foi exatamente isso que aconteceu. Não era interessante para os negócios de ninguém que nós dois, que estávamos entre os maiores distribuidores ilegais de bebida, ficassemos presos nos Estado Unidos mesmo após a revogação da lei seca.

As pessoas queriam beber, os bares precisavam vender e nós precisávamos de uma fonte honesta de trabalho. É assim que funciona uma cadeia de suprimentos não?

No rádio do pequeno ônibus cheio de prisioneiros tocava alguma música que eu não estava prestando a atenção, quando uma muito conhecida invadiu meus ouvidos.

There is a house way down in New Orleans

They call the Rising Sun

And it’s been the ruin of many a poor boy

And God I know I’m one

Eu estava cantarolando ela baixinho o suficiente para que o carcereiro não me escutasse, mas não o bastante e para que Camus não me ouvisse.

Aquela não era a primeira vez que estávamos sendo levados para a prisão e com certeza não seria a última.

Mas aquela música sempre me levava para as rua de New Orleans, aonde eu conheci o francês que estava sentado comigo naquele ônibus e nos tornamos irmãos, amigos, amantes e nos protegíamos desde que éramos crianças abandonadas tentando sobreviver.

Eu não lembro dos meus pais, acho que já nasci na rua e sei que com ele é a mesma coisa.

A primeira vez que havíamos sido presos juntos éramos dois adolescentes de 12 anos e fomos pegos roubando comida.

Nos levaram para uma prisão, deram uma surra e após uma semana fomos jogados novamente nas ruas.

Em uma de nossas escapadas da polícia caímos na mão dos irmãos Saga e Kanon, que eram gregos como eu, e que nos acolheram, juntamente com mais outros órfãos que eles haviam tirado das ruas para que trabalhassem na fabricação e distribuição ilegal de bebida.

Nossa vida havia mudado de uma maneira considerável desde aquele dia, e por mais que o nosso “trabalho” nos obrigasse a ficar a maior parte do tempo escondidos em matas e fábricas ilegais, podemos dizer que desfrutávamos de uma vida confortável.

— O que foi Milo?

— Essa música sempre me faz lembrar de casa, da infância.

— Que casa? Que infância Milo? Nós não tivemos infância e menos ainda uma casa.

— Nós sempre fomos a casa um do outro Camus.

Eu senti quando a sua mão tremeu junto a corrente e ele acarinhou a minha discretamente com seus dedos.

Eu olhei para ele e pude perceber quando sem som algum ele me falou eu te amo, com seus olhos carregados de emoção e eu em silêncio respondi eu também.

Com um discreto aceno de cabeça e um pequeno sorriso, voltamos a encarar a estrada a nossa frente, que nos levava novamente para prisão.

Mas não importava.

Nós sempre seríamos a casa um do outro e sempre estaríamos juntos.

Oh, mother, tell your children

Not to do what I have done

Spend your lives in sin and misery

In the House of the Rising Sun

Well, I got one foot on the platform

The other foot on the train

I’m goin’ back to New Orleans

To wear that ball and chain

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.