A escuridão
Herói
Elisa Narrando
Hoje eu tenho 16 anos, não sou uma adolescente comum, por tudo que já expliquei. Nunca tive namorado, nem nada do gênero, pois eu sou praticamente condenada: tenho de me casar com outro portador de XP, com a mesma deficiência genética, possibilidade quase impossível. Por isso e por tudo me tornei uma pessoa fechada, na escola tenho apenas uma amiga, a Marina, com quem eu compartilho tudo. Ultimamente, os garotos mais idiotas da minha sala tem me perseguido e isso me deixa extremamente irritada.
— Filha o Jorge vai contigo até a porta da sala com o guarda sol! – Jorge era meu irmão, como ele ia para a faculdade cedo também, ele passava com mamãe para me deixar na escola.
— Não precisa mãe. Eu vou correndo. – insisti, como sempre. Em dias de muito sol, ele sempre me acompanhava até a porta da sala, me protegendo. E sempre chegávamos bem cedo, para que ninguém ficasse se questionando nada.
— Ta cedo Elisa, quase não tem gente na escola. Deixa de frescura. – ela disse com autoridade. Resmunguei qualquer coisa e aceitei calada. Entrei na sala e fui para a última carteira. Ninguém sabia, mas aquela sala havia sido escolhida propositalmente, por mim. Ela era totalmente contra o sol, e eu me sentia mais protegida ainda depois do diretor ter trocado todas as lâmpadas, com certa gratidão pelo meu caso.
— É... Elisa? – uma garota perguntou ao chegar na porta.
— Oi. – respondi receosa. Não a conhecia.
— Você poderia vir até aqui para que eu te perguntasse uma coisa?
— Você não pode vir aqui? – perguntei estranhando a atitude dela.
— É que eu estou realmente com um problema nas pernas e eu não posso fazer muito esforço, por isso mesmo precisava de você aqui... Eu queria uma ajuda... – ela disse quase se agachando e fazendo um semblante sofrido. Não sei se devia, mas me levantei indo até perto dela.
Ouvi uma risada ao fundo e algumas mãos me agarraram. Empurraram-me com muita força para o pátio e enquanto eu tentava voltar, puxavam meu macacão, mostrando minha regata e... Minha pele!
— PARAAAAA! – gritei apavorada. “Se expor ao sol significa por em risco sua vida” “Não brinque com isso Elisa” as frases da dermatologista ecoavam na minha cabeça.
— Elisa! – alguém disse meu nome e eu vi dois braços fortes em volta de mim, correndo para o lado oposto. – Se veste. – ele ordenou, puxando meu macacão para cima e depois olhou para o sol, tentando inutilmente tampar a visão. – Você ta protegida aqui? – ele perguntou preocupado. Era Iuri, o garoto que fazia parte da turma que eu citei anteriormente. Não sei o porquê de ele estar me ajudando, mas eu não iria agradecer. Muito menos ser amiga dele.
— Não. Só lá dentro. – apontei com a cabeça para a sala.
— Vamos pra lá então?
— Tem que ser rápido. – respondi e ele me deu a mão, correndo velozmente comigo. Assim que chegamos dentro da sala ele voltou, gritando com os amigos.
— VOCÊS ESTÃO LOUCOS?
— Qual é Iuri? Vai ficar defendendo a etzinha agora?! Até parece que ta apaixonado.. Ui.. – Pedro o provocou.
— Ela pode se vestir como ela quiser, ser como ela quiser.. isso não dá o direito de ninguém tentar machucá-la. – Tudo isso mexeu tanto comigo que eu nem mesmo percebi uma coisa... O Iuri me tirou do sol... Ele... Ele sabe que eu não posso ficar no sol.. Como ele sabe?! Meu Deus.
— Se eu souber que vocês tentaram fazer mais alguma coisa com ela, eu quebro a cara dos três! – ele ameaçou voltando para a sala.
— Como você esta? – perguntou se sentando em frente a minha carteira. Eu ainda recuperava o ar e tentava entender o motivo daquilo tudo.
— Bem. E você? Quero dizer... Por que me defendeu? Por que quis me proteger?
— Eu não sei... Só agi. – ele parecia esconder algo. – Por que você não pode ficar no sol?
— E você não sabe? – perguntei bem desconfiada.
— Claro que não! – ele encarou o chão.
— Ok, não deu certo dessa vez. Você sabe. – suspirei revirando os olhos.
— Olha, eu não queria saber.. Na verdade, seu caso é muito excepcional, não tinha como não saber... É uma doença tão rara. – ele ia dizendo cheio de nervosismo. Ele sabia que eu não gostava de falar sobre isso, ou pelo menos que eu escondia de todos o meu problema. – Não que todos saibam, eu mesmo não sabia, é só que eu conheço esse tipo de roupa... Eu já imaginava e conclui com a sua reação.
— Não espere que eu acredite nisso. Mas tudo bem. Eu não ligo pela forma como você ficou sabendo. A minha médica tem autorização de divulgar a respeito... Todos querem saber, é um caso único.
— E você não gosta de falar. Acertei? – ele perguntou enquanto as pessoas entravam na sala.
— Com certeza! Não é legal falar do quanto você é diferente das outras pessoas. Me sinto uma anomalia.
— Vi que temos algo em comum, então. – ele respondeu e suspirou, entristecido.
— Você... – eu disse observando seu corpo. – Realmente. – Sorri. – Mas pelo menos você não corre o risco de morrer por causa delas.
— Como não?! Se caso eu não conseguir um emprego decente, o que minha mãe vive falando que vai acontecer, eu vou passar fome e vou acabar morrendo embaixo da ponte. – ele tentou quebrar o clima estranho.
— Ninguém morre de fome. – rolei os olhos.
— Bem se vê que você não passou necessidades na vida. É mais uma riquinha do Carlos Chagas. – ele debochou com certa repulsa.
— Se você estivesse preocupado em estudar invés de julgar as pessoas saberia que não se morre de fome e sim de desnutrição.
— Da na mesma. A desnutrição se deu em decorrência da fome! Ok?
— Bem se vê que você é mais um carinha estúpido do Carlos Chagas. – revirei os olhos em discordância e acabei desviando o olhar para a sala, vendo que a maioria dos alunos já haviam se instalado em seus lugares.
— O estúpido aqui vai se sentar. Por nada pela ajuda. – Não me importava com a reação dele, eu o odeio assim como odeio os outros e ele não precisava sentir pena de mim e nem tentar me ajudar.
Não quer ver anúncios?
Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!
Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!
Fale com o autor