Sugarcoat

Shotgun


Yelena senta-se ao lado de Cassy no meio-fio, com uma expressão muito mais pacífica. Sam a acompanha, tomando o espaço ao lado do meu, preguiçosamente. Nós que estamos no meio do casal explosivo, nos entreolhamos com cuidado.

— E aí, gente? — Cassy arrisca perguntar, elevando um tom de voz acima do normal. Isso faz o sotaque dela ficar ainda mais carregado e não identificável.

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Pelo menos, é o que eu penso. Já Yelena mantém um ouvido atento.

¿Brasileña?

O sorriso de Cassy se alarga ao olhar para a estranha no ninho – que, afinal, já estava se enturmando. Era um bom sinal, não era? De qualquer maneira, Cassy responde que sim em seu idioma natal. Pelo que vejo, é bem semelhante ao espanhol. Ambas dialogam animadamente por pelo menos cinco minutos, enquanto eu e Sam ficamos rindo da situação. Quando reparam que ainda estamos ali, é a vez delas de rirem de nós.

— Perdão — Cassy pede em nome da nova melhor amiga. — É que... Yelena estava me explicando que não fala muito bem o inglês. As escolas em que ela frequentou e o pai dela não se deram ao trabalho de ensinar. Não era necessário, então... — ela dá de ombros, deixando a frase se completar sozinha.

— Inglês ruim — Yelena sustenta o argumento, bufando de frustração.

— Então, agora, você é a tradutora? — pergunto apenas para tirar sarro.

Em sua defesa, Cassy revira os olhos de brincadeira.

— É... Algo do gênero.

— Então adoraria saber o porquê de ter me seguido até aqui — Sam resmunga, insistindo no mesmo assunto. Com razão. Entendendo o comentário, Yelena morde os lábios inferiores em um gesto de nervosismo. — O que ganharia com isso, a preciosa Yelena Torres? Já tem dinheiro e mimos suficientes. O que mais iria querer?

Oh-oh.

Quando penso que Yelena vai explodir numa bomba automática de espanhol e cachos desgovernados, ela apenas sorri e abaixa a cabeça.

— Eu... Você, Samuel. Ademas... Te quiero.

Ah, que fofa!

Entretanto, antes de apreciar o teor do comentário, Sam franze ainda mais o cenho – se é que é possível. Vira-se para Yelena com um grande ponto de interrogação no rosto. Percebendo ser insuficiente o comentário, ela respira fundo e começa a expor os sentimentos. Mesmo que seja Cassy, depois de um tempo, que vá expô-los para nós.

— É... Sam, ela disse que também está fugindo do pai.

— Como assim? — Sam quase se engasga.

— Yelena veio para Vegas fugindo da fonte de fortuna dos Torres. É dinheiro ilegal beneficiado da boa vontade de inocentes. Ela chegou aqui de barca e desde então está fugindo. O casino em que vocês se encontraram? É lá que ela trabalha... Ou melhor, trabalhava — Cassy se corrige. — Ninguém nunca prestou atenção nela antes de você, Sam.

Samuel abre um sorriso de escanteio, mais aberto para acréscimos.

— Infelizmente... Quando vocês dois se envolveram no esquema do Torres e vieram para cá, ele conseguiu localizá-la. Vegas é aqui do lado, então... Ele a obrigou a tentar convencê-lo a ficar quieto sobre isso. Ou até mesmo pagar. Mas aí, ela gostou de você — e sorriu. — E quis ficar com você. Mas... As coisas ficaram nubladas e você entendeu errado, porque ela teve medo de contar tudo com medo que você fugisse.

— E foi exatamente o que eu fiz, não é? — Sam ri fraco, entrelaçando os próprios dedos um no outro, sem olhar para Yelena. — Agi feito um bobo.

— É, bem bobo — Yelena concorda, com um sorriso. — Eu também. Desculpa?

E, assim, como dois adultos, os dois entram em um consenso com um aperto de mãos. No entanto, é evidente no brilho nos olhos dos dois que resolverão aquilo mais tarde, de outras maneiras. Pelo menos estão felizes.

É óbvio que todo mundo esquece-se do problema na hora. Até eu mesmo esqueço.

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Reunimo-nos os quatro no jipe amarelo-limão gritante, decididos a trocá-lo por outro carro no retorno a Los Angeles. É o tipo de dia onde nos sentamos no banco da frente com óculos escuros – metáfora inadequada para uma noite? Claro, mas a intenção é a que conta – trocando as músicas como um bom copiloto. É o tipo de dia onde nos permitimos nos sentir como alguém importante. Alguém que faz a diferença.

Cassy e Yelena se ocupam no banco de trás, debatendo sobre todos os assuntos que esbarram – e que compreendam. Às vezes, quando uma frase que uma das duas diz que não é compreendida de ambos os lados, ambas gargalham e optam por apenas rir para o vento. Quem sabe ele compreenda melhor.

Antes de deixarmos Cassy no hotel onde está hospedada – o Joanna’s, segundo ela. Sabemos onde fica? Não, mas vamos descobrir em breve – decidimos apreciar um sorvete cada, em Venice. Aquela também é uma noite do tipo decisiva.

— Vocês podem alugar outro carro e ir para onde quiserem — Cassy sugere, balançando as pernas curtas no banco onde estivemos mais cedo.

Sam e Yelena, que estão abraçados meio de lado, olham para ela como se estivesse louca.

— E como faríamos isso com o sogrão na nossa cola? — Sam questiona, em tom de brincadeira.

— Ah, vocês podem... Comprar as coisas pelo meu cartão de crédito. Vocês me dão o dinheiro para pagar e passam no meu nome. Eu sou a única que não está envolvida nessa história, não é?

— Certo. E por que você faria isso por pessoas que mal acabou de conhecer?

Cassy desvia o olhar para as ondas, e apenas dá de ombros.

Há algo por trás disso. Mas não vamos forçá-la a falar. Aliás, nenhum de nós sabe quanto tempo vai ficar perto um do outro. Por isso, ela suspira e se levanta dramaticamente do banco.

— Bem... Porque eu quero, ora essa. Amanhã podemos resolver isso. Aí dá tempo de você retirar o dinheiro e tudo o mais. Que tal?

Sam e Yelena trocam um olhar dos mais doces. Daí, Yelena assente com um sorriso que vai de orelha a orelha e, num impulso, abraça a amiga bem forte. Cassy sorri e passa um braço ao redor dela. Daí, ela olha para mim, hesitante.

Quanto a mim... Bem, eu sorrio junto.

Mal sabemos o que está por vir.

════ ⋆ ☼ ⋆ ════

Cassy prefere retornar para o hotel a pé, apesar das fortes insistências de Samuel em uma carona. Disse que queria “espairecer”. Mas, curiosamente, aceitou minha companhia para andar junto a ela. Fiquei entre pensar que ela queria deixar os pombinhos a sós e realmente apenas querer um tempo para deixar o oxigênio voltar a circular normalmente pelo cérebro. Quer dizer, é esse o conceito, né?

— Tem algo... Por trás de querer ajudar o Sam e a Yelena, não tem? — pergunto casualmente, deixando-a na frente do Joanna’s.

Cassy troca o peso dos pés, transitando o olhar entre eles e as unhas. Não são roídas, mas são cortadas rente à carne, meticulosamente. Após alguns segundos, ergue o olhar para mim, analisando minhas feições. Será que sou digno dessa história?

— Pode ser que tenha, sim... — Cassy diz num tom quase inaudível. — Porém... Podemos falar sobre isso depois? Amanhã?

— É claro — sorrio, não resistindo à tentação de dar um passo à frente. Ergo uma mão para fazer um carinho sutil em sua bochecha, recebendo um olhar curioso da garota. Inclino-me para beijar sua testa, motivado por forças que desconheço, e volto para a posição de onde estava. Nada de ser invasivo hoje. — Amanhã conversamos sobre isso. Boa noite, Cassia.

Ao contrário do que esperava, Cassy sorri de escanteio e chega mais perto. Ergue-se na ponta dos pés e alcança minha bochecha, depositando ali o espectro de um beijo. Sinto-me com quinze anos de novo.

— Boa noite, Ian.

Giro nos calcanhares, colocando a mão nos bolsos da jaqueta.

De volta ao Tamara’s.

Como eu disse, é um daqueles dias onde nos permitimos nos sentir como alguém importante.

Alguém que faz a diferença.