Então conheci você

Peter e as Flores


O imenso campo verde da fazenda ganhava novas cores naquele sábado primaveril. Fosse do branco das cadeiras, do vermelho do longo tapete ou do amarelo dos girassóis que enfeitavam a entrada da cerimônia, tudo trabalhava para compor uma harmonia perfeita para o dia mais especial de duas pessoas que se mereciam, e Peter Pettigrew era prova viva de que Sirius Black e Remus Lupin deveriam ter toda a felicidade do mundo.

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De mãos agitadas e andar vacilante, Peter ajeitava a gravata borboleta pela quinta vez em menos de cinco minutos. O dia não estava quente, o que o aliviou quando vestiu a camisa social e o colete cinza. A gravata chamativa era uma exigência de Sirius, da qual teve muito gosto em cumprir – Peter sempre foi fã de gravatas engraçadas.

— Ei, Peter. Está bonito.

A voz de Lily Potter encheu seus ouvidos. Virou-se devagar para ela e sorriu. Lily tinha o cabelo preso com cachos, e usava um vestido verde que ressaltava seus olhos. Mesmo aos trinta e sete anos de idade, portava a expressão jovial de quando James conseguiu convencê-la a sair com ele.

O sorriso dela era igualmente gentil.

— A gravata ficou perfeita — Lily jogou os braços para trás das costas, como fazia quando ficava animada. Peter ainda não era muito bom em analisar Lily, mesmo com os anos ao lado da moça, mas apostaria que estava empolgada e ansiosa. Todos estavam afinal. — Te deixa muito adorável.

— Obrigado — Peter devolveu o sorriso. — Você está bonita também. James já deve ter dito isso.

— Dito? Ele me fez tirar a aliança para pedir minha mão outra vez.

Era de senso comum os exageros que compunham a personalidade marcante de James Potter, bem como suas manias narcisistas e sua alegria contagiante.

— Como vocês conseguiram lidar com isso por tantos anos? James era pior na adolescência!

Aquilo fez Peter rir, e pela sexta vez passou a mão na gravata.

— Foi o Prongs que uniu a turma. Ele tinha as melhores... bem, as piores ideias, e Sirius gostava. Eu meio que gostava, também. E ele era a mãezona do grupo.

— Pensei que Remus fosse a mãe do grupo.

Um trio de conhecidos passou pelos dois, e Peter os cumprimentou com um aceno, enquanto Lily sorria e desejava uma boa tarde. Os convidados para o grande evento não eram muitos, mas o suficiente para tornar a fazenda um lugar inesquecível.

— Remus passou a cuidar muito de nós, por conta das brincadeiras irresponsáveis, mas era o James quem abraçava todo mundo e colocava debaixo das asas de mamãe galinha.

Lily gargalhou, e Peter se viu acompanhando. Era um som gostoso, assim como a risada de James. Quanto mais os anos passavam, mais Peter percebia que Lily Evans era perfeita para James Potter e vice-versa.

— É melhor eu procurar a mãe galinha antes que ela bote ovos pela ansiedade. Fico realmente em dúvida se quem vai se casar com Sirius é Remus, ou meu marido.

Peter acenou para Lily, distraindo-se segundos depois. Ainda arrependia-se do sentimento inquietante que surgiu em seu peito, assim que soube do namoro de James. Havia acreditado que seria o fim do grupo; o fim dos Marotos. Por meses, Peter odiou Lilian Evans. Hoje, no entanto, era estranho ver James sem Lily, e os dois sem Harry. Peter não era religioso, mas acreditava que aquela família havia sido abençoada. Porque James era alguém que merecia bênçãos, e agora sabia que Lilian e Harry também.

Seus devaneios foram cortados quando se viu na entrada para o altar, e teria dado a volta se não fosse os lamúrios de Molly Weasley em frente ao arco no fim do tapete.

Curioso – e preocupado – Peter se aproximou.

— O que foi, Molly?

Os resmungos continuaram por mais um minuto, e Peter percebeu que não eram de tristeza.

— Como ele pode fazer isso?! — Molly se virou, e Peter se afastou dois passos para não ser acertado pelas mãos agitadas da mulher. — Era uma tarefa simples, mas ele tinha de esquecer! Tudo está arruinado agora!

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— O que está arruinado?

Molly não pareceu que o ouvia.

— Eu disse a ele para fazer apenas cinco tarefas, e não sete! Veja isso agora, essa madeira vazia e velha!

Peter subiu os olhos para o arco. Assim como as cadeiras, havia sido pintado de branco, e disposto exatamente no centro para receber os noivos. Era um arco bonito, mas parecia simples demais. Vazio demais.

— O que está faltando?

O rosto de Molly já estava tão vermelho, que por um momento Peter acreditou que ela fosse explodir. Deu mais um passo para trás.

As flores, Peter! As flores que Arthur deveria ter encomendado para o casamento! Como vamos dar a perfeição para eles, se não tem o único pedido de Remus?!

Talvez, em outras circunstâncias, Peter tivesse rido. Talvez, se fosse para algum aniversário ou uma comemoração simples, poderiam usar do fato para brincar com Remus e consertar o erro com piadas. Mas não era uma simples comemoração. Peter conhecia da simplicidade de Remus e da neutralidade em decoração; mas, ele havia pedido pelas flores. E quando Remus desejava algo material, deveria ser considerado de importância máxima.

Porque não havia ninguém no mundo que desse mais prazer em agradar do que Remus Lupin.

— Eu posso dar um jeito, Molly.

Ela parou as reclamações, seus olhos arregalados em esperança depositando toda a expectativa em Peter.

— Você tem as flores?!

— Eu... posso conseguir — ele prometeu. Aqueles olhos grandes começavam a lhe incomodar. Molly sabia jogar qualquer um contra a parede. Talvez por isso tivesse criado sete filhos tão bem. — Digo, tem umas árvores na fazenda, eu já vim aqui nas férias com os outros. Essas árvores dão flores nessa época-

— Ah, pelo amor de Deus! Corra até lá, Peter! — Molly agitou os braços de novo, por pouco a unha pintada não rasgando a bochecha de Peter. — Esse casamento depende de você!

Quando Peter piscou, já estava tropeçando nos pés para fora do altar.

As árvores da fazenda formavam um perfeito semicírculo para limitar suas terras. Por anos, serviram como segunda casa para Peter e os Marotos: brincavam entre os troncos grossos, comiam debaixo de suas folhas verdes e descansavam nos longos galhos. Todas as vezes que eram chamados por James, já podiam ter certeza de que novos jogos os aguardariam naquele lugar.

Peter ainda se lembrava da primeira vez que foi até lá. Havia sido o último a entrar para o grupo, mas o primeiro a reconhecer seus sentimentos sobre James, Sirius e Remus. Lembrava-se de James contando que a propriedade era do avô; de Sirius sempre trazendo objetos antigos e interessantes na mochila; de Remus controlando a dupla Pads e Prongs o melhor que podia.

Peter se lembrava de cada momento que invejou a perfeição de seus amigos.

Era fácil, naquela época, deixar o sentimento o corroer. Cada um deles possuía talentos, charmes e personalidades das quais Peter sequer conseguiria, mesmo se seus pais fossem minimamente bons como os de James (céus, Peter invejava até os pais deles!)

— Ah, não...

Entre as memórias antigas da fazenda, uma delas se destacou quando olhou para as árvores bonitas: o dia em que James e Sirius partilharam os braços quebrados. Tudo porque tentaram escalar os galhos mais altos da árvore para alcançar as flores e presentear a senhora Euphemia Potter.

As flores ficavam no alto, e naquela época do ano, pouquíssimas se abriam.

— Merda — Peter resmungou, chutando o tronco, e dor da batida em seu dedinho lhe tirou uma careta e mais xingamentos.

Às vezes, Peter considerava esses infortúnios como karma. Afinal, quanto mais pensava na sua infância, mais percebia que toda aquela inveja era ridícula. Não precisava ir muito a fundo para se lembrar da família terrível na qual Sirius foi criado; na condição triste que Remus carregava (além da sua pobreza impedir um tratamento adequado por anos); e mesmo James, com sua “vida perfeita”, por vezes se via em lágrimas pela pressão de suportar a dor alheia. Podiam dizer o que fosse de James Potter na adolescência, mas nenhum de seus amigos jamais negaria o coração de ouro do rapaz.

No fim das contas, Peter era só mais um problemático no meio de tantos outros problemáticos que se gostavam e se entendiam. E céus, como gostavam de si! Peter às vezes se pegava esperando quando Sirius e James ririam de sua cara e diriam que estavam apenas brincando com o garoto gordinho e esquisito, mas isso nunca acontecia. Peter nunca era deixado de lado.

As flores continuavam no alto da árvore, inalcançáveis. Nenhuma brisa sequer lhe ajudava naquele momento, e Peter não era bom escalando sozinho. Além do mais, se sujasse a roupa de festa, Molly o mataria. Estava encrencado.

Talvez devesse voltar e explicar a situação. Peter sempre precisou de alguém para lhe ajudar, no fim das contas; nunca foi o garoto que tinha as melhores ideias ou assumia a liderança. Talvez devesse aceitar isso mais uma vez e pedir que James ou mesmo Lily resolvesse o problema...

Woof!

O latido repentino o fez pular. Ao seu lado, um cão grande, peludo e preto abanava o rabo, animado. Pads II, como havia sido nomeado por Sirius anos atrás, esbanjava uma gravata verde, num tom parecido com os olhos de Remus. Peter ficou impressionado dele não ter se sujado até o momento, mesmo que tivesse algumas gramas em sua cabeça e flores em sua boca...

Flores!

— Pads, onde você conseguiu isso?! — Peter se adiantou para o cachorro, mas ele girou no próprio eixo e correu para trás. — Aqui, garoto, troca comigo!

Com calma para não fazer o animal correr, Peter tirou do bolso uma barrinha de cereais.

— Aqui, Pads. Vamos trocar, vamos?

O plano deu certo: em segundos, Pads II deixava o resto de flores cair no chão em troca de um pedaço do doce, que engoliu em duas mordidas. Peter se aproveitou da distração rápida e recolheu o que restou das pétalas no chão, de sobrancelhas levantadas.

— Onde você conseguiu isso? — Peter olhou para o cachorro, que parecia mais interessado em farejar o chão. — Você estava preso no salão, não é?

De repente, um click.

— Pads, você é um gênio!

O cachorro latiu em animação com o pulo repentino de Peter, e quando viu o rapaz correr, foi atrás. O salão estava cheio de flores – Remus realmente amava plantas – e muitos vasos grandes ficavam nos cantos. Ninguém notaria a falta de um ou dois deles!

Peter se pegou rindo com um pensamento súbito, no meio da corrida. Anos atrás, provavelmente seria James a ter essa brilhante ideia. Ele era o rei dos improvisos, afinal. Se não tinham como terminar o foguete de papelão, James furtava as toalhas de mesa da avó e de repente tinham um navio espacial; se a barraca de acampamento não era grande o suficiente, James dava um jeito de criar um espaço extra com os colchões que não usariam, e arcos de folhas grandes e lençóis para se proteger da noite. James era o garoto das ideias criativas, e agora Peter se via assumindo esse papel.

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Os amigos ficariam tão orgulhosos, pensou. Quantas e quantas vezes Remus não insistia em Peter, para que mostrasse suas habilidades? E todas as vezes, acreditava que Moony apenas continuava a falar aquilo para não desanimá-lo. Não era o mais forte nem o mais rápido ou o mais inteligente. Mas era, de fato, o mais prestativo.

— Olá...?

Ninguém respondeu quando abriu a porta para o salão, e Peter se esgueirou para dentro, com Pads II em seu encalço. O lugar era, na verdade, um imenso celeiro velho do avô de James, abandonado pelo tempo. Peter ainda tinha bolhas nos dedos após toda a reforma que fizeram naquele lugar. Foram quatro meses de trabalho duro, mas havia valido a pena. As telhas transparentes intercaladas com outras laranjas traziam luz natural para dentro, preenchendo a decoração simples e bonita para a festa com o azul natural dos céus e, depois, a beleza da noite estrelada.

Peter correu por entre as mesas redondas e os postes que seguravam os varais de luzes; passou o canto dos presentes atrasados e por fim chegou ao lado do palco improvisado. Três vasos tinham algumas flores mastigadas, mas a grande maioria estava a salvo. O sorriso que Peter abriu era maior que todo o salão.

— Isso é perfeito, Pads! — Peter arregaçou as mangas, e Pads latiu com empolgação. — Posso pegar aquelas perto da cozinha improvisada também, nem vão notar.

O arco de flores aconteceria, e Molly poderia relaxar. Peter conseguiria salvar o casamento perfeito e sozinho – não podia descrever o tamanho do orgulho que cabia em seu peito naquele momento.

— Oh, Peter!

Molly cobriu a boca, embasbaca com as cores vibrantes das várias flores que cobriam o arco. Eram cheias de vida, enfeitadas com folhas bonitas das árvores ao redor. Sequer havia passado trinta minutos desde o pedido para Peter; agora, Molly podia afirmar que tudo estava verdadeiramente perfeito.

— Isso está maravilhoso! Como fez isso? Oh Peter! — Molly o puxou pelo rosto e o beijou na testa, arrancando risos tímidos do rapaz baixinho. — Você é sempre tão prestativo, seus amigos tem muita sorte. Deveria trabalhar com isso, menino! Oh, está tão adorável...

Peter não sabia se estufava o peito em orgulho ou escondia o rosto em vergonha; acabou por apenas sorrir. Nunca soube lidar com elogios – não se achava bom o suficiente para isso –, mas era inegável seu talento, e agora, todas aquelas horas livres treinando para ser um escoteiro (o que nunca conseguiu, infelizmente) fizeram valer a pena.

— Acha que podemos colocar uma dessas junto das alianças? — Molly pediu, animada.

Peter alargou o sorriso e se abaixou para pegar as duas últimas flores, girando-as entre os dedos.

— Tive uma ideia ainda melhor para isso. Você vai ver na hora. Agora — ele apontou para as duas pequenas flores — tenho mais uma coisa a fazer.

Quando todos estivessem sentados em seus lugares, Peter estaria de pé, ao lado de James. Como padrinhos, tinham a própria entrada para fazer, e trocariam olhares empolgados ao acompanhar Sirius no começo do tapete. Peter achava que Sirius ficava realmente bem de preto, mas pensou que ficava ainda melhor com a singela miosótis no peito; as pétalas num azul de miolo amarelo carregavam parte de Remus, no qual Peter fizera questão de explicar para Sirius.

“Elas significam amor sincero e fidelidade. Exatamente o que o Remus sente por você. Ele te ama de verdade, e te apoia em tudo. Achei que fosse gostar de ter um pouco de Moony com você quando fosse entrar.”

Peter não se lembrava de receber um abraço tão amoroso como de Sirius naquele momento, assim como não achou que precisaria ajuda-lo a parar de chorar. Demorou mais de dez minutos junto de Sirius, antes de migrar para o quarto de Remus. Com ele, pelo menos, o momento havia sido mais fácil, mas igualmente emotivo.

— Um cravo... — Remus pegou a flor com cuidado, acariciando as pétalas como se fosse o bem mais precioso na Terra. Naqueles minutos, Peter não duvidou de que realmente fosse. — Amor puro, certo?

— Sim — Peter se agitou. — Igual ao que aprendemos juntos! Pensei que... pensei que fosse ser bom, porque lembra Padfoot...

Remus sorriu e colocou a flor no peito, em frente ao espelho. Peter se lembrava das tardes que passava junto de Remus: dentre as aleatoriedades que liam, flores era uma delas. Por meses sonharam em abrir sua própria floricultura, antes da adolescência chegar e outros interesses surgirem. Conheciam-se desde pequenos e Peter sabia melhor que qualquer um o quanto era gratificante fazer Remus sorrir.

E o sorriso que ele portava naquele momento era de uma explosão pura e linda do maior sentimento de felicidade do qual Peter já o viu sentir.

— Obrigado, Peter. Você é incrível.

Peter balançou a cabeça.

— Eu só sou assim graças a você. A todos vocês. Se não acreditassem em mim... eu não faria metade do que faço hoje — ele sorriu, e Remus se aproximou de braços abertos. — Obrigado por nunca desistirem de mim. E se conseguiram fazer um garoto bobo e medroso crescer, farão desse o melhor casamento do mundo.

Remus riu, apertando o amigo nos braços. Peter era a pessoa mais prestativa que conhecia, mas mais do que isso, a mais amorosa. E como as flores desabrochando na primavera, Peter finalmente enxergava seu enorme coração e poderia traçar seu próprio caminho.

E foi como Peter se sentiu, de pé, com o aroma suave das flores no arco que uniria em matrimônio duas das pessoas mais importantes de sua vida. Sempre estaria ali para eles, para lhes trazer flores e agradecer-lhes por fazê-lo ver o mundo não como as árvores inalcançáveis da fazenda, e sim como a beleza de um casamento deveria ser.