— Olha essas notas horríveis!

Caíque desviou com enfado o olhar da tela do joguinho e mirou a mãe, que empunhava um papel impresso com suas notas. Procurou disfarçar a irritação, decidido a responder com deboche.

— Se me tirar o jogo eu vou sair mais na rua, que aqui dentro de casa está um saco! Eu só estou aqui agora porque gosto desse jogo...

A mãe suspirou e levou as mãos à cintura, encurralada pela argumentação do filho. Precisava procurar palavras.

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— O que você acha que vai ser na vida sem escola, moço?

— Ah, tem muita coisa. Jogador, traficante, instrutor de asa delta... Por que você não compra uma asa delta para mim?

Caíque curtiu a cara de espanto da mãe, satisfeito de ver que a sua tática de deboche estava dando certo. A mãe voltou à carga.

— Se você não passar de ano, vou te mandar para a casa da sua tia Rita, para você trabalhar com os peões!

— Ahh... se fudê!

— Você é vacilão, viu? VACILÃO!

A mãe saiu do quarto intempestivamente, a fim de não perder a calma de vez. Caíque desviou o olhar de volta à tela do jogo, mas o bom humor já tinha passado. Achava graça na ideia da mãe envia-lo para a casa da tia que morava em uma cidadezinha lá nos cafundós do interior, onde só tinha boi, vaca e gente chata. A mania da parentada de mandar o pessoal que faz besteira se mudar para a casa de uma tia bem brava, coisa das antigas. Lá da sala ele podia escutar a mãe falando ao telefone com o pai, pedindo-lhe uma providência. Como se aquele inútil do pai tivesse tempo para ele! Sem mais paciência, vestiu-se e atravessou a sala rapidamente, ávido por respirar o ar da rua. No corredor cruzou com a irmã mais velha, que lhe lançou um olhar torto e não lhe disse nada. Na porta desviou o rosto do olhar surpreso da mãe.

— Aonde você vai?

— Sair...

Apressou-se rumo ao elevador, sem querer ouvir o que a mãe ainda tinha a lhe dizer. Agora só pensava em Graça, a menina que havia lhe dado bola no dia anterior, e ele sabia onde ela estava.

Encontrou Graça aos beijos, abraços e chupões com um sujeito de quem não gostava. Procurou disfarçar a decepção contando vantagem para ao amigos motoqueiros que bebericavam no botequim da esquina. Tomou também uns tragos e soltou mais a língua, decidido a botar para fora as frustrações do dia, esquecer a mãe, a irmã, Graça, todos que se fu. Voltou de carona na garupa de uma moto, sob a risada dos amigos. Nem se lembrava de como entrou em casa. Agora só sabia que o dia tinha amanhecido, estava com uma bruta dor de cabeça e em breve teria que escutar outro falatório da mãe.