Viral

Capitulo 1


A fumaça enche meus pulmões, trazendo calma instantânea. As paradas para fumar são os momentos do dia que mais encontro paz, e finalmente posso desacelerar. Na rede, os cigarros não são tão bons, apesar do que alguns nexploradores podem insistir em te dizer. Não me leve a mal, eu amo a rede tanto quanto qualquer um com QI acima de 5 que já entrou nela, mas parece que ninguém emulou com perfeição um bom Malboro vermelho. Não ainda.

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As paradas vem ficando cada vez mais escassas, o que apenas as tornaram mais preciosas para mim. Olhar o céu nublado do fim de tarde com um cigarro na mão carrega um certo romantismo na experiencia. Não que eu me importe muito com isso.

O alarme toca. Merda. O beep-beep irritante que eu mesma selecionei para emergências faz minha cabeça doer, mas me deixa alerta. Eu tenho estado sempre alerta. Hora de voltar para a rede. Caminho da varanda para meu quarto, e tenho a sorte de pisar em uma caixa de isopor com os restos do lanche de ontem. Grande dia.

Sento na cadeira em frente ao meu computador e tomo quatro segundos para suspirar e observar minha maquina. Alto como uma estante, com três monitores 9:12 polegadas exibindo informações em rosa neon. O teclado era a única coisa que lembrava um computador normal. Tomei a liberdade de por LEDs rosa-choque nas teclas. É minha cor favorita, não me julgue. Pus o fone de ouvido e meus óculos VR e apertei a tecla F5 para atender a chamada. Um rosto, ou melhor, a sombra de um rosto completamente preto estava a meio metro do meu, eu uma sala completamente branca.

Delirium, viram dois smith confirmados passeando na rua da capela. - falou uma voz feminina distorcida, claramente com filtros de voz. N0b0dy.

— Você que achou? Acha que já descobriram onde é?

— Sim. Mas acho que se soubessem já iam ter invadido, mas calculei aqui e se eles estiverem procurando, em uma semana a chance de acharem é de 84%.

— Então fudeu. Tem que contatar todo mundo lá e vazar.

— É, só que provavelmente tão de olho no bairro todo, achei que você podia corresponder lá pra dar o aviso. - N0b0dy deu de ombros.

— Ta, e você não podia simplesmente ligar?

— Já pensei nisso, mas as chances de estarem monitorando as comunicações no bairro são muito altas.

— E então você acha que uma transferência de dados grande o bastante pra materializar alguém não vai chamar atenção nenhuma? - eu já estava ficando irritada.

— É a melhor opção. Pelo menos você vai chegar lá em um instante e preparada pra fuga.

— Sabe N0b0dy, pra alguém que supostamente é um gênio da matemática, você costuma vir com umas ideias bem brutas.

— Olha, de todos os planos, esse é o que tem a melhor chance, é sério. Qualquer outra forma é mais arriscado. - N0body respondeu. Já sabia que uma resposta técnica comigo funciona melhor que apelar a emoção.

Ficamos em silêncio. Normalmente N0b0dy tem razão, mas normalmente quando N0b0dy tem razão eu corro um bom risco de vida, ou pior, ser descoberta pela Tecnocracia - o que é particularmente ruim quando seu chefe é um deles. Meu peito começa a formigar, mesmo na VR.

— Olha, eu já to pensando em uma rota de fuga, eu sei que parece complicado, mas a gente já fez coisa mais perigosa. É só chegar lá, pegar tudo o que tiver de importante, e vazar com todo mundo. Os smith não vão estar esperando e não estão organizados para uma emboscada. Vai dar tudo certo. - N0b0dy rompeu o silêncio.

— A Antonia e o Sandro estão lá?

— Acho que só o Sandro. Não consegui rastrear a Antônia, mas isso não é novidade.

— Depois da operação fudida que a gente fez, não me admira ela querer ficar offline por uns dias.

— Então… você vai?

— Eu tenho que ir né, se eu não for parece que vou perder minha rodinha de beck favorita.

— Valeu mesmo. Eu sei que você está estressada, mas isso vai evitar um risco bem maior no futuro.

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— Eu sei, eu sei. Só estou puta porque minhas férias foram adiadas.

— Ta beleza, eu vou terminar de analisar as saídas e a gente já conversa de novo, pode ser? Já vai se preparando.

— Ok, só me chamar quando estiver tudo pronto.

Desloguei. Assim que os óculos VR pararam de emitir luz, soltei um suspiro. Deixei minha cabeça pender para traz na cadeira. Minhas mãos estão suando horrores, e o formigamento em meu peito se transformou em uma leve, mas perceptível, falta de ar.

Tiro os óculos e o fone e me dirijo para a varanda na esperança de terminar mais um cigarro antes que N0b0dy me chame de novo. Piso mais uma vez no isopor, dessa vez melando bastante meu pé com os restos de molho. Grande dia.