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Antonieta decidiu esperar que a raiva de Victoria passasse para voltar a falar. Eram amigas há tempos demais para que ela não entendesse quando algo alterava Victoria. E eram poucas as coisas que o faziam, mas nenhuma como Heriberto. Ela jamais permanecia inerte à simples menção do nome dele, nunca havia sido diferente.

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Jamais havia se conformado que Heriberto havia escolhido se tornar padre depois de ser o primeiro homem da vida dela. Era como uma traição, uma humilhação à que Victoria jamais havia sido capaz de superar. Depois de pedir que Lucy lhes servisse um chá, e dar alguns minutos para que Victoria se acalmasse, ela voltou a falar sem muito medo de sua reação.

— Você sabe se ele voltou para ficar?

— Não sei nada! — Respondeu ríspida reassumindo sua posição de rainha naquela cadeira onde se sentia melhor acomodada.

— Em algum momento, eu me lembro que você contratou um detetive para investigar a vida dele, saber de seus passos de suas obras de caridade.

— Foi uma fraqueza! — Sentenciou. — Eu dizia para mim mesma, dia após dia Antonieta que havia superado esse homem. Mas tantas dúvidas se acumulavam dentro de mim. Estive com sua mãe, em certa ocasião, e essa mulher perversa me insinuou que ele talvez até pudesse ter escolhido não seguir a carreira do seminário se não fosse eu a estar com ele naquela noite.

— Me surpreende que você tenha se deixado afetar por esta mulher. Logo você, Victoria. Pelo que você me contou ela é uma bruxa. E odiou que você pôs em risco os planos dela. Por que você imaginou que o que ela te disse é verdade? Por que você não procura esclarecer as coisas com o filho dela?

— Jamais! — Alterou-se. — Antonieta, você tem noção da humilhação que seria conversar com Heriberto sobre as razões pelas quais ele me deixou depois de ter plantado a semente da ilusão dentro de mim. Você é mulher, você sabe o que a primeira vez significa e que é praticamente impossível não sonhar que aquele homem a quem você se entrega é o príncipe que vai realizar os mais incríveis sonhos românticos que toda menina possui. Foi assim com você, comigo, com minha filha Fernanda, com qualquer mulher!

— Sim, você tem razão. Mas anos se passaram Victoria. E nem você é mais aquela menina e nem ele. Você também foi a primeira mulher na vida dele e talvez...

— Você tem razão! Anos já se passaram e essa conversa é completamente inútil às vésperas do lançamento de nossa coleção mais importante. Vamos voltar ao trabalho, é o melhor que fazemos porque nesse campo os sonhos não valem de nada sem dedicação. — Encerrou o assunto muito mexida.

***

— Você está bem? — Indagou Luiz ao adentrar à sala de Heriberto e encontrá-lo intensamente distraído em sua cadeira.

— Sim, bem. — Respondeu Heriberto sem praticamente tomar conhecimento de sua presença.

— Tem certeza? Porque eu bati em sua porta por dois minutos e você parece que não se deu conta disso. Além disso, está pálido. Quer que eu te examine? — Ofereceu-se.

— Eu estou bem, Luiz, simplesmente não me recuperei do impacto de reencontrar uma pessoa. — Finalmente dirigiu sua atenção ao amigo.

— Quem? — Interessou-se Luiz sentando-se na cadeira à sua frente.

— Ela! — Simplificou.

— Ela? — A interrogação não estava só em seu tom, senão também em sua impressão.

— A mulher de que te falei outro dia. Ela estava aqui, naquele evento promovido pela empresa de tecidos para entregar e atrair mais donativos para a ONG.

— Wow! E vejo que sua presença foi realmente impactante para você. Eu nunca te vi assim.

— Assim... tomado de dúvidas? — A pergunta era também uma resposta. — Confidenciando-me contigo, Luiz, eu sempre estive assim. Nunca tive certeza da minha vocação. Cresci com minha mãe me dizendo que eu era um milagre. Que eu quase morri quando bebê e só me recuperei quando ela prometeu à Deus que eu seria um padre. Mas eu sempre quis mesmo foi ser médico. Ela então me convenceu a conciliar as carreiras. "Você pode servir a Deus e ser médico", eram suas palavras.

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— E as dúvidas existiam antes dessa mulher?

— Nunca tão intensamente como naquela noite. Naquela única noite que me marcou irreversivelmente. Eu havia ido para casa antes de me internar de vez no seminário quando a conheci. Sua tia era empregada na casa de minha mãe e Victoria... esse é o seu nome... Victoria estava lá. Tão sorridente, tão jovial, tão segura de si. Eu tinha 17 anos. Nesses três meses nos tornamos amigos e depois...

— O que aconteceu?

— Eu fui um canalha! Um fraco! Não resisti à tudo o que ela representava e passei a minha última noite com ela. Eu não queria ir para o seminário na manhã seguinte, mas minha mãe... Ela me prometeu levar Victoria para me ver para que conversássemos e eu acalentasse minhas dúvidas, mas... Ela só levou aquela carta. Uma carta na qual Victoria dizia que esperava nunca mais voltar a me ver e que não me queria em sua vida.

— Você nunca a havia voltado a ver?

— Há alguns anos. Casada, com dois filhos, feliz e realizada. Eu teria abandonado o sacerdócio naquela ocasião se ela não tivesse uma família. Mas que direito eu poderia ter? Que direito eu tenho agora?

— Eu não sou padre, Heriberto. Trabalho com alguns, mas antes de ser um padre, você é meu amigo. Você não acha que já dedicou tempo demais à Deus nessa carreira que é mais que claro que você jamais escolheu?

— Não é tão simples assim, Luiz. Além disso, não posso ter nenhuma certeza de que vou ser feliz com ela. Sinto que se eu deixar o sacerdócio, vou estar deixando uma parte de mim.

— E ao abrir mão do amor você também não passou mais de 20 anos sem uma parte sua? Porque para mim está muito claro que ela ainda mexe com você. É desumano sufocar isso, Heriberto.

— Talvez você tenha razão. — Concordou Heriberto. — A questão é que eu não sei se sou um homem muito mais forte do que aquele rapaz que a abandonou. Se eu abandonar o sacerdócio para sanar essas dúvidas, tenho certeza que dúvidas ainda maiores nascerão em meu âmago.

— É o dilema de todo ser humano, meu amigo. Vivemos nos equilibrando entre nossas dúvidas e as consequências de nossas decisões, não há outro caminho. Você tem uma escolha, Heriberto, você sempre teve uma escolha. Vai seguir permitindo que outras pessoas tomem suas decisões por você?

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