A Última Chance

Profecia


Lúcia Pevensie

— Não vai comer, Lu? – Pedro perguntou em meio a uma garfada do doce que eu fizera para ele. Eu havia economizado algum dinheiro e o levara para jantar em um lugar simples, porém aconchegante próximo ao hospital onde ele trabalhava. Ele ficou bastante grato e contente e agora saboreava a sobremesa de pão de ló, geleia de framboesa e creme de baunilha.

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Eu o observava comer. Parecia tão cansado, tão sobrecarregado. Momentos assim, de lazer, deveria ser um alento para sua cabeça tão cheia.

— Estava pensando em como convencer você a sair do hospital – Confessei, espetando o pedaço do doce para levar à boca.

— Falou com Edmundo? – Ao que parecia, Ed teve a mesma ideia que eu.

— Na verdade, foi com Susana – Sorri de canto após mastigar. – Sabemos o quanto a universidade é importante para você... que está sendo difícil conciliar as coisas. E não é justo que pense em desistir do curso!

— Sei o que faço, Lúcia – Ele não foi grosseiro, nem foi sua intenção me dar um fora.

— Quantas vezes disse isso na última vez que fomos a Nárnia e acabou fazendo besteira? – Cortei-o.

— Não precisa jogar isso na minha cara.

— Desculpe – Não queria fazê-lo se sentir mal – Mas você deveria confiar mais em nós. No que te dizemos. Não temos idades tão diferentes assim, já está na hora de nos ver como adultos, ou quase isso.

— Eu sei... – Ele passou as mãos no rosto, não antes de abandonar o garfo no prato – Acho que... Susana estava certa quando disse que tomei para mim o papel de pai e mãe de todos nós. Sequer tive tempo de... chorar a morte deles... – Os olhos de Pedro se enchiam de lágrimas – Eles se foram antes mesmo de... de eu poder ouvir seus cumprimentos de orgulho por ter entrado na universidade. De dar um abraço forte no papai, de sentir o beijo na testa da mamãe – Sorri de leve. Aqueles eram gestos que eles repetiam a cada vez que nos encontravam. – Todas as vezes que acho que vou chorar, eu me obrigo a parar de pensar.

— Não deveria fazer isso – Reclamei, os olhos marejados de... não pena, mas dor pelo meu irmão. Ele guardava seus sentimentos para trabalhar e nos deixar chorar tranquilos. Era cruel e sobrepujante.

— Sei que não – Ele remexeu os farelos do prato com o garfo – Mas sinto que se me deixar levar, vou desabar de vez... Levantar pode demorar e não temos tempo.

Pisquei e uma lágrima caiu. Ela liberou minha mente para pensar em tudo o que eu reprimira durante os últimos meses. Não conseguia parar de pensar que, se estivéssemos em Nárnia, nada daquilo teria acontecido. Tivemos uma amostra de quinze anos de como a vida lá é agradável. Não que nada ruim tenha acontecido, mas nenhuma daquelas dores que sentíamos agora tinha nos atingido. Era mais fácil lutar todas aquelas batalhas que enfrentar os olhos tristes dos meus irmãos.

— Desde que voltamos pelo guarda-roupa, eu sabia – Comentei, encarando o nada. Senti o encarar confuso de Pedro, imaginei seus olhos azuis cintilando por causa das lágrimas – Sabia que não íamos ser felizes aqui. Não como fomos lá.

— Lúcia...

— É verdade, Pedro! – Exclamei, mais lágrimas caindo – Nunca mais pudemos estar com nossos pais... fomos separados quando você ficou na casa do professor, Susana foi para a América e Edmundo e eu tivemos que ir para a casa dos tios Mísero. E agora...

— Lúcia, Aslam... – Ele fez uma pausa – Como você mesma diz sempre, Aslam sabe o que faz. Ele jamais nos daria uma batalha que não pudéssemos vencer. E ele nunca iria querer ver aquela que sempre acreditou desistindo de lutar assim...

— Não estou desistindo, eu estou... lamentando – Confessei com pesar. Não era do meu feitio fazer isso. Eu nunca perdera a fé. Sempre esperei por Aslam, mesmo que ele não estivesse por perto fisicamente. Sempre esperei por uma pista, por um caminho que nos levasse ao sucesso. Chorei ainda mais – Eu daria qualquer coisa para estar lá. Uma última vez. Para sentir de novo a alegria de estar com nossos amigos. Para me sentir em casa.

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Pedro finalmente deixou uma lágrima cair. Esticou o braço para limpar as minhas e esfregou a palma da mão no rosto para retirar a dele.

— Eu também – Concordou. Ele arfou enquanto dava um sorriso – Eu aturaria... Trumpkin me desafiando e discordando de cada passo que dou – Sorri com a lembrança dos dois discutindo no bosque – Aturaria Caspian sendo rebelde e lançando olhares para Susana bem debaixo do meu nariz.

Eu ri.

— Não sabia que era tão ciumento – Comentei.

— Ah, você vai ver só quando algum espertinho experimentar dar em cima de você – Alertou erguendo as sobrancelhas, mas ainda rindo. Um momento de silêncio – Sei que é irônico o que vou dizer, mas... tenha fé, Lúcia. De alguma forma, tudo vai dar...

E o disjuntor do restaurante estourou. Dei um grito de susto e as luzes do restaurante apagaram.

— Pedro, você está...

— Estou aqui, na sua frente – Assegurou, buscando pela minha mão.

Algumas das luzes voltaram a acender, outras apenas piscaram e ainda outras não voltaram a ter luz. E não havia mais ninguém no restaurante.

Pedro e eu nos entreolhamos e ele se levantou de repente da mesa, pegando a faca em cima da mesa. Arregalei os olhos. Não achava que era para tanto.

Levantei e me aproximei dele. Os clientes das mesas próximas tinham sumido, mas seus pratos e copos estavam do jeito que deixaram. Rosbife com fritas pela metade, saladas intocadas, tigelas de sopa vazias, copos de suco cheios em um terço... E nem sinal de quem os havia pedido.

A moça que ficava na recepção sumira, assim como os dois garçons e a moça do caixa. Não estava gostando nada daquilo. Parecia coisa de filme de terror.

— Lúcia, a luz dos fundos está acesa – Pedro sussurrou para mim.

De fato, a porta atrás do balcão estava entreaberta e uma luz muito forte passava por ela, um clarão que passava pela fresta e por cima e embaixo da porta.

Se Susana estivesse ali, diria para irmos embora. Solucionar mistérios e colocar a vida em risco atrás de respostas não era com ela. Eu, no entanto, sempre tive um espírito aventureiro e minha última ida a Nárnia, sem Pedro ou Susana para me protegerem de tudo, me serviu para ganhar coragem e segurança.

— Está pronto para abrir a porta? – Perguntei como um convite para entrar.

Pedro me puxou pela mão e caminhou decidido até a porta, me levando junto. Para quê prolongar o suspense? Seja lá o que os clientes tivessem ido ver lá dentro, nós os encontraríamos.

Mas quando Pedro escancarou a porta e deu um passo para trás, pude perceber que os clientes tinham realmente desaparecido. E o tinham feito porque Aslam fizera do restaurante um portal de retorno.

Arfei e arregalei os olhos de novo, surpresa e emocionada. A luz atrás da porta era o sol radiante num céu azul de nuvens brancas e raras. A porta revelou o pátio na cidade, bem próximo à arvore que nos levou de volta para a Inglaterra.

Meu desejo se tornou realidade. Estávamos de volta. Estávamos em Nárnia.

Caspian X

— Lorde Theodor – Convoquei – E quanto a colheita? O problema da irrigação já foi solucionado?

Estávamos reunidos na sala do trono, em assembleia com o conselho. Era uma reunião de praxe, na qual os telmarinos e narnianos de minha confiança expunham os problemas do reino para que eu lhes indicasse uma solução, mediante os conselhos dos lordes.

— Receio que não, meu senhor – Reconheceu. Ele olhou para os outros lordes antes de continuar, os telmarinos obviamente. Já deviam ter conversado sobre o que quer que ele fosse me contar – Estamos vivendo um dilema climático, milorde. Ocorre que o sol está a pino há semanas, como um verão em Calormânia, ou no Grande Deserto. O solo está seco, claro e não úmido e escuro como de costume. Os rios mais próximos às plantações estão abaixo da capacidade normal nesta época do ano.

— Lorde Texugo – Chamei – Seus hábitos de escavação devem ter lhe conferido um bom conhecimento do solo – Ele assentiu. – O que acha que devemos fazer?

— Bem, majestade, acho que... – O texugo foi interrompido por uma fumaça levemente amarelada que surgiu no salão.

A nuvem mística crescia e tomava forma. Levantamos dos assentos e os guardas tiraram as espadas das bainhas.

— Esperem – Liliandil, que se mantinha de pé ao meu lado esquerdo do trono, se pronunciou – Não é uma ameaça.

Ela não estava errada. As cores e formas humanas se revelaram por entre a neblina de magia. Os cabelos curtos e brancos, a barba um pouco mais comprida do que me lembrava, a túnica vermelha e creme e a expressão pacífica me tranquilizaram.

— Mago Coriakin – Anunciei e os demais pareceram se acalmar quando viram que eu o conhecia. – É uma honra recebê-lo em Nárnia.

— É um prazer revê-lo, majestade – Ele fez uma reverência – Perdoe minha chegada sem aviso prévio e peço desculpas se minha vinda assustou seus conselheiros. – Falou a última parte com um sorriso de canto.

— Não se preocupe – O texugo falou – Só um rugido de Leão é capaz de deixar meu amigo Trumpkin aqui com medo – Deu um tapa no ombro do anão, que o olhou irritado.

— Engraçadinho – Resmungou o ruivo, de braços cruzados.

— Bem – Liliandil se pronunciou – Para ter cruzado os Mares Orientais até aqui, imagino que sua visita tenha um propósito especial.

Sua presença era um alento naqueles tempos difíceis, seu espírito calmo quase sempre apaziguava as tensões que se instalavam nas reuniões do conselho.

— Receio que sim, cara amiga – Respondeu o mago – Creio que tenha conhecimento, Rei Caspian, que possuo um livro de feitiços.

— Sim, eu me lembro – Aquele era o livro pelo qual os Tontópodes sequestraram Lúcia para ler que o feitiço que os tornasse visíveis.

— A rainha Lúcia arrancou uma página do livro em sua visita à minha casa – Ergui as sobrancelhas com sua denúncia e os demais soltaram exclamações.

— A rainha Lúcia é uma boa menina – Trumpkin a defendeu – Jamais iria roubar um feitiço!

— Não posso discordar de seu coração piedoso, caro anão – Coriakin continuou – Mas não vim aqui para reclamar uma página. – O mago colocou uma das palmas erguidas para cima e com a outra mão, fez um feitiço com a mesma fumaça dourada de antes. O livro de feitiços surgiu. – Ocorre que outra página surgiu em seu lugar, escrita em uma linguagem antiga que vi poucas vezes.

— E o que tem nessa página? – Questionei, descendo os degraus do altar em que o trono estava.

— Uma profecia – Respondeu por fim – Uma que deveria ter sido entregue com antecedência, mas que apareceu somente agora.

— Ela está... atrasada? – Lorde Mavramorn perguntou. Ele era um dos fidalgos de meu pai que foi encontrado junto a Argos e Revilian na Ilha de Ramandu.

— Digamos que tenha vindo em cima da hora – Coriakin respondeu, abrindo o livro na página da qual falava. – Porque ela já está acontecendo.

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— Leia – Pedi, preparando-me para o pior.

Solo seco, colheita deficiente, rios com capacidade reduzida... e uma profecia. Não devia ser coincidência.

Da imensidão do deserto, das areias douradas

Virá a serpente de intenções nefastas

Destinada a Nárnia trazer destruição

Ressuscitará das cinzas a aflição.

Para evitar, porém, essa vil maldição

A lança de água surgiu na escuridão

O herói que a arma com coragem empunhar

Derrotará a víbora e assim irá triunfar

Coriakin recitou a profecia pacientemente, para que cada sentença fosse compreendida.

— As rimas de Nárnia nunca foram boas – Concluiu o Texugo.

— Acho que a rima é o que menos importa agora – Trumpkin retrucou.

— O que é essa “lança de água”? – Perguntei ao mago – E a serpente que virá do deserto?

— Não tenho as respostas para suas perguntas ainda, milorde – Lamentou Coriakin – Porém, há mais uma coisa que preciso contar.

As portas do salão se abriram, revelando o professor Cornélius.

— Perdoe-me a intromissão, Majestade – Desculpou-se ele – No entanto, temos visitantes ilustres a receber – E afastou-se da entrada para abrir caminho.

Nada menos que Pedro e Lúcia surgiram na porta, arrancando exclamações dos presentes, inclusive minhas.

— Não é possível! – Trumpkin falou, expressando o que todos estávamos pensamos.

Meu coração acelerou de felicidade e não evitei o sorriso ao ver meus amigos.

Eles vestiam as típicas e estranhas vestimentas de seu mundo e sorriam radiantes ao entrar na sala. Lúcia estava ainda mais crescida em relação à última vez que a vira, e Pedro assumira feições mais adultas, as quais eu sem querer reclamara quando nos conhecemos.

— Não posso acreditar no que estou vendo – Falei ao me aproximar – Pensei que nunca voltaria a vê-los!

— Também pensei que não chegaria ver sua cara barbada nem tão cedo! – Pedro retrucou antes de me dar um abraço com tapas nas costas. – Tenho que admitir que a coroa lhe cai bem.

— Quem é você e o que fez com meu irmão? – Lúcia brincou antes de me dar seu abraço. Tirei Lúcia do chão acolhê-la nos braços, a alegria contagiante da rainha mais nova espantando toda a tensão que nos cercara.

— Minha cara amiguinha não é mais tão pequena – O comentário de um Trumpkin de olhos marejados fez Lúcia virar surpresa para ele. Ele não estava a bordo do Peregrino da Alvorada, então não se viram em sua última vinda.

— NCA! – Ela exclamou antes de baixar-se para abraçá-lo. Apenas Lúcia mesmo para amolecer o coração e a cabeça teimosa do anão ruivo.

— E então? – Pedro perguntou enquanto Lúcia se voltava para nós – Qual a aventura dessa vez? – Ele sorriu.

— É o que estamos começando a descobrir – Indiquei Coriakin com o queixo – Lúcia já o conhece, é o mago Coriakin que conhecemos na viagem em alto mar. – Aparentemente, estamos sob uma... maldição.

— Uma profecia foi lançada – Coriakin explicou – No entanto, ainda não sabemos todos os detalhes de sua interpretação.

— Você iria dizer alguma coisa antes de chegarem – Liliandil lembrou.

— Liliandil! – Lúcia exclamou e a estrela sorriu e assentiu em reverência.

— Eu dizia que, há algumas semanas – O mago fez um movimento no ar, fazendo cenas aparecerem – Tenho tido sonhos perturbadores – Eram previsões. As florestas de Nárnia ressequidas, os rios arenosos e secos. Batalhas com direito a incêndios à luz do luar. Havia alguns rostos familiares, inclusive o meu – Nada fazia sentido até a profecia surgir no livro. É uma dadiva que o rei Pedro e a rainha Lúcia estejam aqui e a salvo.

— Eu os encontrei no pátio na cidade – O professor Cornelius mencionou.

— O que quer dizer com dádiva? – Pedro perguntou, o lampejo de preocupação sombreando seus olhos.

O mago ergueu as sobrancelhas.

— Digamos que o meu último sonho não tenha sido feliz, majestade. Não se perguntaram por que o rei Edmundo e a rainha Susana ainda não estão aqui?

Um arrepio correu por minha espinha. As coisas aconteceram tão rapidamente que sequer reparei nisso. Susana e Edmundo... não estavam com eles. Eles sempre vinham juntos, sempre. A indagação de Coriakin era clara. Ele não precisou dizer que talvez estivessem em perigo.

— General Glestorm – Convoquei e o centauro assentiu – Coordene dois grupos de busca, um para os arredores do penhasco e outro na floresta.

— Sim, Milorde – E saiu.

— Garvis – Chamei o telmarino capitão das tropas de segurança do castelo e da cidade – Quero a segurança do castelo e da cidade reforçadas até segunda ordem. As famílias reais logo estarão aqui e não podemos receber convidados com as defesas defasadas.

Ele deixou a sala após uma continência.

— Vai haver uma festa? – Lúcia perguntou animada.

Parei por um instante. A festa. Era até embaraçoso falar disso com eles. Os reis e rainhas do passado estariam presentes. Susana estaria presente. Como contar isso a eles?

— Sim – Falei – Será em três dias – Olhei para Liliandil e tomei coragem para estender a mão a ela para que se aproximasse – O baile de meu noivado com a filha de Ramandu, Liliandil.

A sobrancelha esquerda de Lúcia se ergueu levemente, como esperado pela surpresa, apesar de ela ter tentado evitar uma reação exagerada ou decepcionada de todas as formas.

Edmundo Pevensie

Susana e eu estávamos caminhando havia alguns minutos, não saberia dizer quantos, mas o sol escaldante digno do Grande Deserto ou das Ilhas Solitárias fazia parecer que andávamos por horas.

Largamos os sobretudos e os suéteres que costumávamos usar em Finchley para deixar o percurso mais leve, porém não adiantou muita coisa já que as roupas colavam no corpo à medida que litros de suor as ensopavam.

Subi as mangas da camisa verde clara e levantei as pernas da calça. Poderia ter tirado as meias e os sapatos, mas não queria queimar as solas dos pés nas pedras.

— Bem que poderiam ter algumas árvores nessa planície – Lamentou Susana, fazendo com coque com o próprio cabelo, como se desse um nó nele. Não sabia como ela fazia aquilo. – Quer ir nadando até o castelo?

— Seria refrescante, mas eu não tenho forças nem para dar mais dois passos – Reclamei, fazendo uma pausa. Pousei as mãos na cintura e senti o suor escorrer pela testa e pelo cabelo – Gostaria de um oásis nesse calor do deserto.

Susana sorriu e se virou para mim, até que seus olhos pararam em algo além de mim e ela franziu o cenho.

— O que é aquilo? – Indagou e eu virei para onde olhava.

Era uma cabana, uma tenda baixa de tecido cor de laranja que tremulava com o pouco vento que circulava. Era estranho ela estar ali, afinal nós sequer a tínhamos visto antes.

— Será que eles têm comida? – Foi a primeira coisa que pensei, o estômago reclamando.

— Vamos descobrir – Susana caminhou em minha direção e pôs as mãos em minhas costas para que eu a acompanhasse.

A tenda continuou tremulando com a brisa e as vezes eu tinha a impressão que a própria imagem dela estava oscilando, como uma miragem. Estava quase me perguntando se estávamos mesmo em Nárnia e não no Grande Deserto, indo a Tashbaan.

— Tem alguém aí? – Perguntei em bom tom, esperando algum tempo para ouvir uma resposta. Nada foi dito – Estamos de passagem, viemos perguntar se poderia nos ajudar!

Silêncio outra vez.

— Tem alguém na tenda? – Susana perguntou.

Resolvi me aproximar, erguendo o tecido que funcionava como a porta da tenda. Era estranho lá dentro. Era como se, do lado de fora, a tenda fosse minúscula, funcionasse como um saco de dormir, mas ao olhar para dentro... era enorme, como uma casa móvel.

Estava escuro lá dentro, mas era possível ver mesas repletas de frascos esquisitos, um leito ao fundo para descansar e mesas, cestos, objetos em estilo rústico, típicos de nômades do deserto. Que tipo de magia era aquela?

— Tem algo estranho nessa...

— Ed, cuidado! – Susana gritou de repente, apontando para meu pé, mas quando olhei já era tarde. A serpente já fincava os dentes afiados na minha pele e eu já sentia o veneno queimar por minha pele.