A Filha de Mycroft Holmes

Capítulo 6 - Paranoia


Quando amanheceu Maharet deixou seus aposentos e foi preparar o café da manhã dos Holmes, Mycroft comia bem cedo, já eu, comeria duas horas depois, mas quando ela fosse até o meu quarto para me acordar encontraria a minha cama feita, e um curto bilhete em cima do meu travesseiro.

“Fui dar um passeio, não me espere para o almoço”.

— M.R.H

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A casa é enorme, mas aquela simetria era sufocante, eu precisava estar em um ambiente familiar, e então pensar no rumo que teria que tomar, muitas escolhas precisavam ser feitas, então deixou a mansão Holmes e foi para sua antiga casa, o terraço do prédio em especifico.

A vizinhança era pobre, velhos prédios cobriam a paisagem, o cheiro no ar não era muito agradável, mas a umidade e as arvores nas calçadas garantia um ar respirável. Coloquei as mãos no bolso do casaco e fechei os olhos, ouvindo os ruídos da cidade, o som dos carros sobrepõe ao barulho do comercio sendo aberto e das pequenas conversas dos moradores. Meses atrás eu corri até a Baker Street atrás de Sherlock Holmes para encontrar o meu pai e me tirar do inferno que era viver com a minha mãe, e agora voltei ao ponto de partida porque não consigo conviver com o meu pai. A vida é como o gênio da lâmpada, se você fizer um desejo a ela e for realizado, será completamente diferente do que você imaginava. – Suspirei. – O ruído familiar da porta me despertou dos meus devaneios. Dei um passo para trás e me virei, encarei o agente Smith, com a sua falsa neutralidade estampada em sua face.

— Não esta pensando em se matar, esta? – O observei cautelosa, como ele tinha me achado? Deixei minha indagação de lado e tentei dar uma de Sherlock Holmes. Suas vestes eram informais demais para estar de serviço, e agentes do governo costumam carregar uma arma, procurei por algum volume dos lados de sua cintura e em suas costelas, mas não encontrei nada.

— Vivi em um lar abusivo por anos, se eu tivesse intenções de me matar teria sido neste período. Mas você sabe disso, convive com o Mycroft, é fácil deduzir se eu sou uma suicida. – Vi dar um pequeno sorriso.

— Mora com Mycroft há dois meses e já esta com o olhar observador dos Holmes.

— Os créditos não são dele. - O encarei com um sorriso frouxo. – São do meu tio Sherlock, e da escrita do doutor Watson.

— Porque o rejeita depois de tê-lo procurado? – Sua testa estava franzida, ele estava confuso.

— Como posso aceitar um pai que apontou uma arma para mim? – Respondi com uma pergunta. – Eu construí um super herói na minha cabeça, aquele que me salvaria de viver com uma drogada instável, mas o que eu encontrei não foi um herói, ao invés de uma capa ele usa terno, o que deveria sem palavras gentis de consolo foram um interrogatório para saber se eu era a vilã da história. E no final eu descobri que sou apenas um efeito colateral indesejável.

Por alguns segundos meus ouvidos só ouviram o barulho da rua, o agente Smith ficou em silencio, ponderando minhas palavras.

— Quando se é um agente da coroa você acaba desenvolvendo certa paranoia, foi isso que o instigou a agir de forma agressiva quando a conheceu. – Ele deveria gostar muito do Mycroft para defendê-lo. Uma emoção estranha para mim brilhava em seus olhos.

— Isso deveria explicar a perseguição e o uso de atiradores, mas não o olhar que ele me lança todos os dias. O tempo que passei neste bairro me ensinou a identificar quando sou indesejável, e é isso que eu sou para ele. – Lhe dei as costas e encarei a paisagem a minha frente, tão cinza e sem vida.

— Mycroft é como uma maquina, reage de acordo com sua programação. – Uma forma interessante de descrevê-lo. – Mas o que você espera dele vai levar tempo, o código precisa ser escrito e processado.

— Até lá devo ter paciência? – O indaguei. – Eu fui paciente e submissa por muito tempo, mas não serei mais.

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— Porque não continuamos essa conversa em um lugar mais quente e de preferência tomando um chá? – Sugeriu. O encarei com a sobrancelha arqueada, não era uma má ideia, saí de casa de estomago vazio.

— Eu prefiro café.

Descemos o edifício e entramos em seu carro, o caminho foi feito em silêncio. Minha mente processava a conversa que tivemos, eu deveria da uma chance ao Mycroft? Ele não foi muito gentil comigo, e eu também não fui muito gentil, minha postura foi bem agressiva.

Depois de alguns minutos entramos em um estabelecimento de luxo, eu deveria me acostumar com lugares assim, mas até lá..

— Se sente desconfortável? – Indagou o agente Smith me encarando com preocupação.

— Não estou acostumada, é só isso. – Sentamos ao fundo, contra a parede, longe das janelas. Uma escolha interessante, uma pessoa normalmente escolheria uma mesa perto da janela para apreciar a vista, seria uma decisão estratégica? Estávamos longe da mira de um atirador, as nossas costas estavam contra a parede, garantindo que não seriamos atacados por trás.

— Gostaria de ir a outro lugar?

— Esta bom aqui. – O garçom deixou dois cardápios na mesa e se retirou. A primeira coisa que meus olhos observaram foi a tabela de preços. – Minha nossa.

— Tudo bem? – O encarei por cima do cardápio com um olhar acuado.

— Os pratos daqui são muito caros. – Sussurrei, com receio do casal da mesa ao lado escutar.

— Não se preocupe com isso. – Sorriu. – Pode escolher o que quiser.

Escolhi um dos pratos mais razoáveis, não era só porque ele estava pagando que eu iria escolher o prato mais caro. Quando o garçom recolheu nossos pedidos ele aproveitou a chance para retomar a conversa.

— Atualmente a coroa esta cautelosa, ataques podem vir de qualquer lugar. – Embora o teor da conversa fosse serio ele me encarava com um olhar gentil. – Quando Sherlock comunicou ao Mycroft sobre sua existência isso o deixou alarmado, você acompanha a carreira do seu tio, então sabe o quão inteligente ele é, seu pai é ainda mais inteligente, o fato de você carregar os genes dele o fez achar que..

— Eu fosse perigosa? – Interrompi.

— Sua mãe não é nenhuma santa, e você foi criada por ela. Mycroft esta confuso, sua mente o faz imaginar futuros cenários na qual você possa representar uma ameaça a nível Holmes. – O encarei intrigada.

— Tente imaginar o Sherlock decidindo que a vida do crime é mais interessante que ser um detetive. – Era um cenário bem assustador, se Sherlock torna-se um criminoso ninguém poderia para-lo, talvez o Mycroft, mas até lá muito estrago teria sido feito.

— Isso seria a ameaça nível Holmes. – Respirei fundo. Mycroft me superestima, não sei se deveria achar isso algo positivo ou negativo. – Mycroft me superestima, eu não sou nenhum gênio do crime, e nem pretendo vir a ser.

— Além do equivoco dele em relação a você, precisa entender que Mycroft não é como nós, ele não é sentimental, dos irmãos Holmes o mais emotivo é o Sherlock. – Fazia sentido, de acordo com o que me foi dito sobre o meu pai ele agia mais pela razão do que emoção, então fazer com que ele me aceitasse não seria uma tarefa fácil, acho que o máximo que eu poderia conseguir dele é fazer enxergar que eu não sou uma ameaça.

— Você deve gostar muito do Mycroft para defendê-lo tanto, e ele me parece ser o tipo de pessoa que é mais fácil odiar do que apreciar. – Possibilidades muito estranhas passavam pela minha cabeça, mas seriam opções bem difíceis de crer, a não ser que fosse unilateral, aí faria mais sentido.

— Somos amigos há muito tempo.

Em quanto fazíamos a nossa refeição não tocou mais no nome do meu pai, usamos esse tempo para apreciar a comida a nossa frente, que, diga-se de passagem, era muito boa. Quando em fim terminamos o agente Smith pagou a conta e voltamos para o seu carro.

— Gostaria que eu a deixasse em casa? – Perguntou em quanto tirava o carro da vaga.

Não queria ver a cara da Maharet, e Mycroft provavelmente estaria fora de casa, me evitando como ele fez nos últimos dois meses, voltar para a mansão Holmes era uma opção desagradável no momento.

— Não, poderia me deixar na Baker Street? – Pedi.

— Claro, pretende visitar seu tio? – Olhei para as ruas que passavam de pressa pelo meu campo de visão.

— Sim, ainda não o agradeci por ter pegado meu caso. – Abri a janela e deixei o vento tocar o meu rosto.

— Ele provavelmente já esqueceu. – Comentou.

— Não me surpreenderia.

Depois de percorremos o longo trajeto até a Baker Street o agente Smith me deixou em frente à 221B. Abriu a porta do carro para mim como um verdadeiro cavalheiro da coroa, deixei o carro com o pé direito. Antes da inevitável despedida eu lhe disse:

— Eu vou considerar o que me disse, mas para que eu faça a minha parte, vou precisar que Mycroft faça a dele, não posso ser a única a se esforçar nessa relação. – Seus lábios se abriram em um sorriso.

— Irei garantir que Mycroft seja receptivo. – Meu pai tinha sorte em ter um amigo como o agente Smith. Espero que ele dê o devido valor.

— Tenha um bom dia agente Smith.