Inside Energy

Peludo ou Lucas?


Abro meus olhos devagar, demoram a ganhar foco. Estou em meu quarto, deitada em minha cama, mas não sei como cheguei ali. Não posso ter caminhado até aqui. Lembro-me muito bem de ter desmaiado a caminho da cozinha.

Tento sentar devagar, mas meu corpo falha ao sentir uma pressão subindo através da nuca. Pisco diversas vezes tentando manter-me alerta. No gaveteiro um copo d’água e analgésicos.

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— Camille? - falou um rapaz que, após bater na porta, entrou com certo cuidado.

— Não se aproxime! - assustei-me ao vê-lo entrando.

— Calma.

— Não chegue mais perto ou eu te mato.

— Tudo bem. Tudo bem. Apenas se acalme.

Apesar do medo de ter uma pessoa desconhecida em minha casa, mantive minha postura ereta e a concentração alerta. Uma tentativa de aproximação e eu fervo a água do corpo dele derretendo-o de dentro para fora.

— Estou avisando, não se aproxime. Quem é você e o que quer?

— Vai ser difícil acreditar, mas sou o Peludo.

— O quê? - fiquei confusa, mas tive um vislumbre do episódio do pingente. - Mostre o pingente.

Devagar, o rapaz abaixou a gola revelando o pingente que dei a Peludo quando o resgatei machucado na floresta ao redor da casa.

— Acredita em mim agora?

— E que diferença faz. Apenas vá embora, já ajudou o bastante.

— Camille, eu sei que é difícil de entender...

— Não precisa explicar nada.

— Você está correndo perigo e, por isso, virei humano novamente.

— Eu não quero que explique, apenas saia do meu quarto.

— Entendi, estarei por perto se precisar. - fechou a porta vagarosamente.

Apesar de não parecer, realmente estou tendo um surto. Após uma noite intempestiva, acordo pela manhã e meu gato vira um homem, e... Não sei que reação ter e nem no que acreditar. Apesar de tudo, não é difícil que um gato vire um ser humano já que manipulo líquidos.

Olho para o quadro de meu falecido irmão com ternura. Ele havia me preparado para essas surpresas quando alertou que meu dom era especial. “Você ainda irá descobrir o propósito de ser diferente, irá até salvar o mundo”, ele disse. Percebi estar sorrindo com a lembrança carinhosa.

— Esse dia chegou.

Há anos me preparava para algo diferente acontecer e quebrar a minha vida pacata e normal. Não era novidade, dentro de mim pressentia que algo estava se aproximando. Espero que essa jornada na qual sempre me preparei seja surpreendente.

Após refletir bastante, resolvi me levantar e tomar um banho quente e demorado. A água possibilitaria relaxar meus músculos e trazer o momento de paz que precisava. Fechando os olhos me deixo levar àquele sonho recorrente no meio da imensidão azul de água. Sempre me reconforta imaginar-me mergulhando sem rumo.

Apagar a tensão e saber que chegou o momento de encarar o Peludo. Não convivo com ninguém desde que meu irmão morreu e ter uma outra pessoa envolvida nisso me desestabiliza.

Escolhi uma roupa confortável, respirei fundo e olhei-me no espelho. “Você consegue. Você consegue. Você consegue.”, essas palavras representam o temor que estou tentando esconder. “Você precisa ser forte”, lembrei as palavras de meu irmão no leito do hospital.

Desci e encontrei Peludo na cozinha preparando algo cujo cheiro não consegui identificar.

— Você apareceu. Espero que esteja melhor. - disse balançando a frigideira.

— Sim. Precisamos conversar.

— Precisamos sim, mas vamos comer. Fiz ovos e torradas. Cortei algumas frutas também. - sorriu gentilmente.

Sentei-me a mesa já posta e o aguardei juntar-se a mim em silêncio. Não conseguia pensar em mais nada além de “tem um estranho cozinhando e que antes era um gato”.

— Não quero te pressionar. - disse me servindo um prato de ovos – Sei o quanto isso deve estar sendo estranho para você, mas preciso que seja paciente e me deixe explicar. - apenas balancei a cabeça consentindo – Primeiramente, meu nome é Lucas. Eu fui incumbido de cuidar de você pelo seu irmão. Tenho te acompanhado como gato todo esse tempo por ordens dele e instruído somente a me revelar em situação de risco. Temo que esse dia chegou.

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Seus olhos verdes penetraram minha alma com tamanha seriedade. Eu podia sentir no fundo deles um temor que subia pela minha espinha.

— Eu convivo com você tempo o suficiente para saber que apesar de séria e forte está com medo e que pode sentir meu temor também. - senti-me despida, vulnerável - O que você presenciou ontem é o que eu e seu irmão temos lutado por muitos anos para que não cheguem até você. Camille, você é especial e muito importante. Não só para esse mundo, mas para todos os universos. Eu sei que nesse momento parece muito, mas aos poucos irá entender.

— Você despeja toda essa baboseira de “você é especial, é importante” e não vai direto ao ponto por medo de alguma coisa. Quero que me conte o que aconteceu ontem e por que estou em risco.

— O que você viu ontem foi um ataque dos Manillas à barreira que eu e o seu irmão erguemos ao redor da casa. - olhei-o esperando mais informações - Os Manillas são uma “classe” banida em outro mundo, outro reino. A única coisa que precisa entender é que eles estão querendo você morta.

— Ainda está escondendo coisas de mim.

— No momento é o que precisa saber, não posso contar mais nada.

— Então, você não terá o meu apoio.

Levantei da cadeira deixando Lucas terminando o café e fui até o quarto de meu irmão. Peguei uma roupa dele no armário e deitada em seus travesseiros me debulhei em lágrimas. Deixei tudo escapar pelo choro silencioso, mas ofegante. Não consigo controlar minhas reações, não sei como agir, não sei o que pensar, não sei o que sentir.