Confusão em Dose Tripla

É isso? Por que pra mim já deu.


Vai dar tudo certo, vai dar tudo certo, vai dar... Droga! Tem que dar certo!

Perco o fio da meada do mantra que estou repetindo desde que saí do apartamento de Christina - que não é mais minha casa -, hoje de manhã. Eu preciso acreditar nele e fazê-lo real, por que não quero, de modo algum, voltar pra casa do meu pai e dizer, “Pai eu estou desempregada e sem dinheiro, me deixa morar aqui outra vez com sua esposa insuportável que me odeia? Por favor?”. Eu quase posso visualizar a cena e é assustadora.

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- Você vai descer ou não? - a mulher atrás de mim no ônibus pergunta impaciente e percebo que deve ter pelo menos alguns segundos que ele parou. Faço que sim saltitando nos degraus e dando espaço a ela que falta pouco me derrubar seguindo para o outro lado.

Respiro fundo e começo minha caminhada em direção à casa de Ethan, seu bairro é chique, de gente rica e isso assusta um pouco. Será que vou mesmo dar conta do serviço? Por que, caramba! São três crianças de uma vez, logo pra mim, que nunca tive nenhum cachorro a vida toda? Isso parece que não vai terminar muito bem. Depois de quinze minutos e muitas paranóias eu estou apertando o mesmo botão do interfone do dia anterior, só que agora sem chuva, bater de dentes ou atraso e me sinto vitoriosa só por isso.

- Alô? - escuto a voz da senhora de olhar severo cujo nome ainda não sei e sorrio, por que eu estou realmente aqui.

- Eu sou Oliva Cooper, a nova babá.

- Ah, claro. A garota encharcada de ontem. Pode entrar - ela resmunga, desliga na minha cara e logo em seguida ouço o portão se abrir.

Entro, atravesso o enorme jardim pela calçada de pedras observando as flores coloridas muito bem cuidadas, há ainda um balanço e é lindo, mas ontem por causa da chuva, o atraso e tudo mais, eu meio que não reparei em nada disso. Alcanço a porta da cozinha exatos dois minutos depois da sete e não poderia estar mais orgulhosa de mim, cheguei na hora! Já é um começo.

Estou prestes a bater quando ela se abre, a senhora mal encarada está ainda mais carrancuda que eu me lembrava, ela tem um bebê nos braços e parece estar odiando cada segundo disso tudo e olha que ainda não trocamos nenhuma palavra. Ela me estende o bebê e fico sem entender, ele está dormindo e a julgar pelo macacão cor de rosa, é uma menina.

- Não vai pegá-la? – a mulher pergunta impaciente e estou começando a achar que ela realmente não gosta de mim. – Você é a babá, não é?

- Sim, mas... Não eram crianças? – pergunto começando a me apavorar. Um bebê? Sério? Um bebê? Que chora e não diz onde dói? Que posso deixar cair se por acaso eu piscar e ele rolar de cima da cama?

- Um bebê também é uma criança, Olivia – sua voz grave me alcança e sinto um arrepio involuntário. Quando Ethan entra na cozinha terminando de abotoar o paletó xingo mentalmente, ele precisava mesmo ser tão lindo? Isso é mesmo necessário?

- É – dou de ombros desviando os olhos dos seus com muita relutância e os pousando outra vez na bebê nos braços da mulherzinha carrancuda. – Acho que tem razão, mas achei que as crianças eram mais velhas.

- Eu também tenho mais velhos. Seth tem dez anos, Charlotte cinco e Molly – ele indica a bebê com a cabeça – Acabou de completar três meses.

- Três meses? – é, eu realmente estou chocada, não consigo nem disfarçar e minha expressão o diverte, por que Ethan sorri.

- Sim três meses e essa com Molly no colo é Célia, ela é a responsável pelo setor de RH da sede dos hotéis e às vezes, generosamente, me ajuda com meus assuntos pessoais. Célia, você já deve conhecê-la, mas essa é Olivia, a nova babá.

- Espero que essa sobreviva, por que tenho mais o que fazer além de ser sua governanta – a senhora reclama e tenho que segurar o riso. Ele não é patrão dela? Minha atenção se volta para Molly no instante em que a bebê se remexe, abre os olhos tão azuis quanto os do pai, pisca e no instante seguinte começa a chorar como se o mundo estivesse acabando, Célia faz careta e estende a bebê pra mim.

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- Pegue-a! – é uma ordem, mas seu choro me paralisou, eu muito ferrada!

- Vem aqui, Molly – Ethan vai ao socorro da bebê, ou ao meu, eu não tenho certeza, mas ele a pega e Célia não olha nem pra trás antes de seguir em direção à sala e sumir de vista. – Hei, amor, esta tudo bem – ele vai acalmando a pequena e a cena é extremamente fofa. Ele me olha e sorri – Quer tentar?

- Eu não sei se consigo.

- Você precisa conseguir, eu tenho que ir – ele anuncia segurando o riso e respiro fundo. Coragem Olivia! Você agora é uma babá, não é? Então faça seu trabalho!

- Certo, me dá ela aqui – digo por fim e ele me estende a bebê que já tinha se acalmado, não é difícil ajeitá-la em meus braços. A pequena me olha e ela é linda, seus cabelos escuros, olhos azuis, as bochechas rosadas, é bem fácil querer esmagá-la de cuidados e amor. Toco sua mão e sorrio. – Oi, Molly, eu sou a Olivia, mas pode me chamar de Livy, está tudo vem com você?

- Aparentemente ela gostou de você – Ethan diz e volto a encará-lo sem entender. – Molly não costuma gostar de ninguém assim a primeira vista, ela e Célia têm uma relação conturbada e olha que se conhecem há bastante tempo.

- Nem imagino por que - murmuro rindo e ele sorri também. – Ela é sempre assim ou só não gostou de mim?

- Não é pessoal, Célia não gosta de ninguém – ele garante e antes que eu possa responder a cozinha é invadida por um pequeno furacão loiro e descabelado.

A garotinha dos cabelos loiros tem olhos tão azuis quanto os de Ethan e Molly e um sorriso extremamente encantador. Um garoto aparece atrás dela, tem olhos tão escuros quanto seus cabelos e sua carranca só não é pior que a de Célia, ele parece não gostar nenhum pouco da cena a sua frente, na verdade, ele parece não gostar nenhum pouco é de me ver ali. Ótimo, o mais velho já me odeia.

- Que bom que acordaram, queria apresentá-los antes de ir. Olivia esses são Seth, meu filho mais velho, e Charlotte minha outra princesa – Ethan sorri para a pequena que sorri de volta animada me olhando com curiosidade, Seth se limita a revirar os olhos. – Crianças essa é Olivia, a nova babá de vocês e Seth, por favor, não faça nenhuma das suas gracinhas, Ok? Eu não tenho mais tempo pra ficar atrás de outra pessoa.

- Claro, pai – o sorriso do garoto é puro deboche e Ethan sabe disso, vejo-o respirar fundo e depois me olhar desistindo da batalha silenciosa. – Olivia, não quero apressá-la, mas eles têm que estar na escola às oito, o resto da agenda deles está na lista bem ali no balcão, eu volto às nove da noite. Qualquer coisa tem meu telefone pessoal e o de Célia na lista também, Ruth, a moça que limpa a casa e faz as refeições deve chegar logo, mas às vezes ela não está aqui pela manhã então preciso que você prepare o café das crianças, mas é só. Levar e buscá-las na escola e nas atividades extras. Já vou indo.

- , mas e como vou levá-las? – pergunto surpresa e ele aponta uns ganchos na parede com chaves.

- O segundo molho é dá minivan.

- Você está falando sério? – pergunto chocada e Ethan ri pegando sua pasta. – E se eu, sabe, for uma louca e resolver sequestrá-los?

- Primeiro que se você fosse sequestrá-los não estaria anunciando isso, segundo que pelo que vi de você no tempo em que conversamos você não parece do tipo que faria mal há ninguém, muito menos a uma criança e terceiro que você provavelmente não aguentaria mais que as horas necessárias com os meus filhos num lugar fechado como um carro. E os meus têm GPS, então boa sorte, espero mesmo que fique. E, se acaso ficar, esqueci de dizer, sua folga é aos domingos – e dito isso, com todo o divertimento possível, Ethan fez a volta e seguiu pelo mesmo caminho que Célia e sumiu de vista.

Voltei a encarar as crianças comigo na cozinha e Charlotte me olhava com evidente curiosidade ao passo que Seth ignorava minha existência enquanto pegava uma tigela e a caixa de cereal no armário. Molly em meu colo tinha começado a comer o pingente do meu colar em formato de coração, realmente, a bebêzinha parecia bem à vontade comigo, mas claramente era a única.

- Certo crianças – comecei num tom falsamente animado. – Vamos pra escola?

- Não – respondeu Seth simplesmente e depois se sentou em uma das cadeiras da mesa para comer seu cereal sem nem ao menos me olhar.

- Charlotte? – tentei e a garotinha descabelada negou com a cabeça.

- Não! – gritou animada e foi até o irmão pra se sentar em uma cadeira ao seu lado. – Seth, quero cereal também!

Para minha surpresa ele sorriu pra ela, um sorriso de verdade e lhe estendeu sua própria vasilha.

- Aqui, pode comer.

A cena foi tão fofa que quase me fez esquecer meu propósito ali.

- Gente, por favor – pedi, mas continuei sendo ignorada. – Talvez eu devesse arrastá-los escada acima, não tem ninguém olhando mesmo – murmurei irritada e Seth finalmente levantou os olhos da sua nova vasilha de cereal para me lançar um sorriso debochado, muito diferente do que ele tinha dado a irmã minutos antes.

- Cada lugar da casa tem câmeras – ele apontou com a colher para um canto perto do teto e acompanhei com o olhar, havia mesmo um pontinho preto com uma luz vermelha piscando. – Você não achou mesmo que ele ia nos deixar aqui com uma desconhecida, achou? – minha cara de surpresa fez o garoto que eu já estava começando a detestar sorrir ainda mais. – Se achou é ainda mais burra que as anteriores. Mas nos arrastar escada acima no mínimo não é uma ideia muito inteligente, não acha, Olivia?

Cerrei ao dentes de raiva. Como uma pessoa de menos de um metro consegue ser tão debochada? Minha vontade era de pegá-lo pelos ombros e sacudi-lo. Calma, Olivia! Tem dez minutos que está sozinha com eles, não pode surtar assim! Você é a adulta aqui, aja como tal! Respirei fundo e abri meu melhor sorriso falso.

- É não foi a melhor ideia que eu tive hoje, mas a outra alternativa é eu levá-lo pra escola de pijamas, você quem sabe. Charlotte que tal tomar um banho pra eu fazer um penteado em você? – pergunto com um sorriso verdadeiro dessa vez. Os olhinhos da garotinha brilharam em expectativa.

- Um bem lindo? – ela perguntou descendo da cadeira e Seth pareceu surpreso com a reação da irmã.

- Lottie! – ele a chamou e eu sorri um pouco mais diante da minha pequena vitória.

- O mais lindo de todos – disse fingindo não ouvir o irmão mais velho e lhe estendendo a mão. – Qual você quer?

- Um de princesa com tiara, pode? – a essa altura Charlotte já tinha se agarrado a mão livre que lhe estendi e esquecido do irmão.

- O que você quiser – respondi equilibrando Molly em um braço e levando Charlotte pela mão com o outro escada a cima. Eu quase podia sentir Seth me fuzilar com olhar pelas costas, mas não me importei. Eu tinha duas de três crianças, podia ser bem pior.

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Mas de uma coisa eu tinha certeza, minha manhã e meu dia só estavam começando.

Difícil não foi convencer Charlotte a ir tomar o banho, a garotinha parecia gostar disso, complicado mesmo foi deixar Molly em cima da cama da irmã. Eu estava morrendo de medo da bebêzinha rolar e cair de lá, mas deixar Charlotte tomar banho sozinha também não me parecia uma boa opção, fora que eu nem sabia onde Seth estava, é eu tinha começado muito bem.

- Olivia eu não ia tomar banho? – Charlotte apareceu só de calcinha na porta que dava para o seu banheiro e me olhou curiosa. Eu sabia que estávamos perdendo um tempo precioso que não tínhamos, mas não tinha ideia do que fazer.

- Você vai, mas eu só não sei o que fazer com a sua irmã.

- As outras mulheres que vinham aqui, colocavam os travesseiros da minha cama em volta dela – a garotinha disse simplesmente e me senti muito burra por não ter pensado nisso.

- Até Lottie dava uma babá melhor que você, onde que o papai te achou? – Seth perguntou aparecendo na porta do quarto com os cabelos molhados e despenteados, mas de uniforme e tênis. O fato dele ter tomado banho e se vestido não significa que eu tenha começado a gostar dele ou ele de mim.

- De onde eu vim não importa, o que importa é que estou aqui. Vai pentear seu cabelo que vou dar banho na sua irmã. Nós estamos atrasados.

- Como se eu ligasse – o ouvi dizer enquanto seguia pelo corredor e quis muito mesmo sacudi-lo pelos ombros.

Basicamente enrolei Molly com os travesseiros e praticamente corri com Charlotte para o banheiro. Acho que o banho da garotinha foi o mais rápido que ela tomou na vida, mas não me importei muito com isso e ela aparentemente também não. Felizmente – graças a Seth que já havia vestido o seu -, não foi difícil achar o uniforme de Charlotte e vesti-la. Só perdi alguns minutos fazendo um penteado elaborado com tranças e laços que achei em sua penteadeira apenas por que havia prometido isso a ela.

Desci, com as garotinhas – depois de verificar a fralda de Molly – felizmente não haviam surpresas. Conferi a lista com os telefones e o horário das crianças só para ter certeza de que eu não sabia mesmo onde ficava nada, eles tinham natação hoje, mas de acordo com o post-it laranja florescente colado a folha a escola de natação estava em reforma essa semana e por esse motivo eu teria o prazer de tê-los comigo a tarde toda. Uma belíssima segunda-feira essa minha.

Depois de preparar lanches na velocidade da luz, me atrapalhar com as portas chiques do armário que eu nem sabia abrir e ouvir Seth rir da minha cara, nós finalmente conseguimos sair. Mas aí perdemos mais um tempo até eu descobrir como se fechava a cadeirinha de Molly. Quando chegamos à escola – com mais de meia hora de atraso – eu tive que basicamente implorar para deixarem as crianças entrarem, disse que era meu primeiro dia e estava me adaptando, a diretora me olhou quase com pena, me desejou boa sorte e deixou que eles entrassem, me informou o horário de saída e voltamos eu e Molly para a casa enorme e agora vazia.

Mal chegamos e o cheiro me alcançou, olhei para a bebê em meu colo que me olhava com olhos curiosos.

- Tem certeza que você está bem? Por que esse cheiro de mais – comentei com ela que só continuou a me olhar. Fingi mordê-la enquanto subíamos as escadas e eu consegui arrancar gargalhadas da pequena, o som aqueceu meu coração. – Onde está a mãe de vocês? – perguntei a ela que ainda ria das minhas caretas e cheguei ao quarto que para minha surpresa estava todo decorado em vermelho, o cor de rosa com direito a tapete felpudo e tudo era o de Charlotte.

Juntei tudo o que eu achei que ia precisar e segui para o trocador. Estava desabotoando o macacão de Molly quando voltei a me perguntar onde estaria a mãe dessas crianças. Quem é que deixa uma bebê tão pequena assim? Perdi o fio da meada quando abri a fralda da pequena e me deparei com a lambança que ela havia feito, o choque foi tão grande que foi tempo suficiente para ela rolar e sujar a meia, tentei valvar o resto e quase derrubei o talco.

Segurei suas pernas como nos filmes, mas não tinha nem ideia do que fazer depois disso, lenços? É, talvez seja uma boa ideia. Os peguei, mas como Molly não parava quieta a tarefa de limpá-la foi difícil e assustadora. E se eu a machucasse sem querer? Quando consegui deixá-la limpa veio um novo desafio. Qual é a parte da frente de uma fralda pelo amor de Deus!? Depois de um longo debate interno que resultou mesmo no talco no chão eu consegui deduzir qual era o lado da frente e coloquei a fralda nela, mas no momento em que puxei a bebê pra cima a fralda ficou. Ri de nervoso e recomecei o processo. Uma hora eu teria que terminar, nem que fosse na hora de buscar os outros dois na escola.

Felizmente foi antes, coloquei a fralda, o macacão e um novo par de meias em Molly e descemos as duas para a cozinha. A mamadeira foi bem mais fácil de preparar, haviam instruções coladas à lata de leite em pó e não tinha nada tentando rolar do fogão como Molly do trocador. Depois de esfriar um pouco dei a bebê que começou a sugar faminta enquanto eu lia outra vez a lista de horários, escola pela manhã, natação as segundas, quartas e sextas Charlotte tinha balé e Seth caratê, as terças e quintas eram livres e eu tinha permissão para passear com eles sempre que quisesse. Molly seria minha companhia constante, mas por mim estava tudo bem, afinal, Seth poderia ser a companhia constante e não a bebê fofa em meus braços.

Dessa vez tive a brilhante ideia de prender Molly em sua cadeirinha e levar a cadeirinha comigo para a cozinha para arrumar a bagunça que Seth havia deixado, aquele garoto claramente me odeia por que se dissessem que um furacão havia passado ali acreditariam. Ele tinha comido cereal e era só, mas tinham copos e talheres para um batalhão sujos e espalhados pela cozinha.

- Garotinho ridículo – resmunguei começando a juntar os copos, Molly fez um sozinho fofo, olhei pra ela e sorri. – Não leve a sério tudo o que eu digo, Ok? Principalmente sobre o seu irmão. Ele parece ser legal, mas as atitudes dele é que não são lá muito legais.

Fui até ela para beijá-la e Molly riu, no fim, talvez meu emprego não seja lá tão ruim. Agora é só ver se sobrevivo ao primeiro dia, pra só então decidir o que fazer depois.