Elesis manteve os olhos fixos no papel a sua frente. Era de seu puro interesse o que aquelas palavras diziam. Ronan tinha a impedido de criar esperanças, mas ela queria participar do torneio que aconteceria em breve. Seu único problema era a entrada, o que a fazia pensar seriamente no momento.

— Sabia que estaria interessada.

Elesis tomou um gole do café, a única coisa quente naquela manhã fria, e deu um sorriso de lado para Jin. Ele expressou o mesmo sorriso.

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— Sabia que o Ronan não me deixou participar? — Ela jogou a informação no ar.

— Espera... você pediu para participar? — O lutador arqueou as sobrancelhas, pouco surpreso. — Isso é um torneio com participantes decididos, Elesis. Você não pode simplesmente entrar.

— Tecnicamente, se o líder de Canaban me escolher para ser sua campeã, eu vou poder participar.

— Não vá ameaçar o Ronan por isso. — Jin enfiou as mãos nos bolsos do casaco, encolhido de frio. O corredor do colégio não era o local mais quente dali. — Esse torneio é uma coisa importante para ele, lembre disso. Ronan precisa de um campeão que o represente.

Elesis encarou o amigo como se ele tivesse acabado de enfiar uma faca em seu peito.

— Eu posso representar! — Ela exclamou. Jin segurou o sorriso. — Vai dizer que eu não seria uma boa representante? Eu sou forte, venceria esse torneio fácil fácil.

— Eu não vejo isso como uma questão de força...

— Mas eu sou forte! — Elesis enfiou a mão no peito, orgulhosa. — Eu matei Cazeaje!

Ao terminar de falar, Lupus passou por eles e soltou:

— Lass que matou.

E ele seguiu caminho.

Elesis se virou, furiosa para o haro que insistia em atormentar sua vida com poucas palavras como essa.

— De certa forma, Lupus está certo.

A espadachim precisou encarar Jin para ter certeza que a resposta saiu dele. E tinha. Ele deu de ombros, uma forma neutra para não entrar tanto na discussão.

— Tecnicamente, sim, foi você quem matou Cazeaje — continuou Jin. — Mas se tivessem levado essa verdade para o Conselho, você teria sido presa, Elesis. Seria considerada uma criminosa.

Os olhos de Elesis reviraram. Não era a primeira vez que ela ouvia aquilo, nem seria a última. Portanto, tomou mais um gole do café enquanto Jin continuava seu discurso neutro.

— Mas com o Lass, não. Adel tinha feito uma proposta com o Lass, para ele matar Cazeaje! — Sabendo que era ignorado, Jin apertou o ombro de Elesis. Ela o olhou. — Eu acredito que você é forte assim. Todos nós. Não precisa provar para ninguém.

— Mas assim é meio chato.

Jin suspirou, soltando uma fraca risada. Elesis sempre conseguia quebrar o clima sério de uma conversa emocional.

Antes que pudesse dar outro discurso, Jin é interrompido por um toque de celular. Vinha de Elesis. Ela pegou o aparelho do bolso, olhou a tela e uma expressão fechada surgiu em sua face. Desligou o celular e enfiou de volta ao bolso.

— Não vai atender? — Jin questionou, desconfiado.

— Não é importante.

Jin estava pronto para soltar a pergunta, que Elesis já sabia qual seria. Felizmente, o toque de celular impediu outra vez. Dessa vez, vinha do lutador.

Elesis olhou Jin pegar o celular e olhar a tela. Ela sabia de quem era. Seu desespero despertou uma ação automática, tão rápida que ela não teve noção do que fazia. Seu braço com o café ergueu rapidamente, como um espasmo. A bebida quente dentro da caneca caiu para fora, diretamente sobre o celular de Jin.

— Elesis!

Jin sacudiu o braço molhado de café.

— Foi mal! — Ela pediu. — Meu braço tá assim há dias. Não sei o que é.

Sacudindo o braço, Jin manteve um olhar cerrado para a espadachim.

— É, mas eu sei o que é — ele disse. — Se você não quer falar com o Lass, tudo bem, mas não precisa jogar café em mim para isso.

Palavras tentaram ser ditas, porém, a espadachim abaixou os olhos.

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— Foi mal. Eu só... não quero saber dele. Mesmo!

— Aparentemente, ele sabe que você voltou para a cidade e que está comigo.

— É, ele tem essa coisa agora... — Jin olhou confuso. — É difícil explicar. Como tá seu celular?

Tentou ligar o aparelho e nada. A espadachim se encolheu em culpa.

— Sem problema — mencionou o ruivo. — Sua amiga não pode consertar isso?

— Minha amiga?

***

Mari abriu a porta de seu quarto e se deparou com a dupla de cabelos vermelhos do outro lado. Ela ajeitou os óculos para ter certeza do que via.

— Mari, como vai?! — Cumprimentou Elesis, agitada. — Não te vejo faz um tempo.

— Sim, de fato. Você ficou fora por dois anos, então é uma consequência previsível — respondeu Mari, em seu tom padrão de fala.

Elesis inspirou fundo. Ela tinha sentido falta daquela frase dita de uma maneira formal.

— Então... — Jin quebrou o silêncio. — Viemos aqui te pedir um favor. — Mostrou o celular danificado. — Pode consertar?

Olhos de cores distintas se arregalaram ao verem uma máquina para ser consertada. Mari jogou o longo cabelo para trás, a franja para trás da orelha; ela parecia não perceber o tamanho que seus fios tomaram, tão longos que alcançavam o chão. Ela pegou o celular de Jin. A garota de sentimentos frios parecia uma criança com um brinquedo novo em mãos.

— Hum, bebida quente com uma mistura de açúcar — resmungou Mari, que se voltou para a dupla. — Sabe que não é uma boa combinação, não sabe?

— Não fui eu que derrubei café no meu celular — debateu Jin, nervoso. — Pode consertar ou não?

— Deixe-me ver.

Mari entrou na escuridão do seu quarto. Elesis seguiu atrás, que foi seguida por Jin. O quarto não era uma completa bagunça, apenas cheio de equipamentos e peças que ocupavam todo o cômodo, inclusive a própria cama. Elesis tentou não ocupar tanto espaço, por isso ficou em um canto com Jin, encolhidos das máquinas pontudas que poderiam disparar a qualquer momento.

— O cristal foi danificado — mencionou Mari enquanto abria o aparelho em mãos. — Terei que achar outro com mesmo nível de energia.

— Hã... — Jin olhou para Elesis a procura de entendimento, mas ela parecia tão confusa quanto ele. — Ok. Precisa de algo?

Mari esticou um pedaço de papel. Jin pegou.

— Você estava esperando alguém comprar essas coisas para você, imagino — mencionou o lutador.

— Está muito frio para sair do quarto — disse Mari, cruzando os braços.

Jin apenas assentiu.

***

— Onde está a Amy, falando nisso? — Elesis perguntou.

Dentro da loja de poções, o silêncio era longo, com exceção do barulho de fora. Embora nevasse, pessoas continuavam a andar pelas ruas, abrirem lojas e tendas. Elesis ficava feliz por isso. Ao menos, um pouco de calor humano onde estava.

Jin, do outro lado da loja, respondeu:

— Em Xênia. Ela foi para lá alguns meses atrás, deve voltar agora com o começo do torneio.

— Algum motivo para essa viagem?

— Treino com as sacerdotisas, algo assim. Ei, acha que essa poção é a da lista?

Elesis se virou, vendo a poção que Jin mostrava. Ela olhou para o papel em mãos, um pouco perdida pela letra de Mari. Letras finas e afiadas, como a personalidade da amiga.

— Sei lá, depois eu pergunto para a Arme qual poção é essa.

Elesis amassou o papel e jogou para Jin, que pegou desajeitadamente no ar. Em seguida, algo despertou dentro de Elesis. Ela pôs a mão no peito, sem saber o que realmente sentia. Dor ou apenas um aperto, ela não sabia ao certo. Era agoniante.

— A gente poderia ter evitado tudo isso se você não tivesse jogado café no meu celular — disse Jin com um suspiro. — Acho que é mais fácil comprar um novo.

Elesis tirou a mão do peito. A estranha sensação sumia.

— Sabe que você não pode fugir do Lass para sempre — continuou Jin. — Por que não o encara de uma vez?

— Nossa, vocês realmente amam falar do Lass, né? Qual é, vamos esquecer dele por um instante.

Elesis seguiu para fora da loja. O calor do interior a deixou e o frio do lado de fora a recebeu com intensidade. Sua face ardeu com a fraca brisa contra sua pele.

— Só pergunto isso porque estou preocupado com você — a voz de Jin se aproximava por trás.

— Estou bem.

— E sobre aquele negócio que você viu quando vinha para cá?

Ela havia esquecido. Alguns dias com seus amigos e Elesis tinha esquecido completamente o ocorrido. Como pôde? O lembrete estava preso nos seus braços, quente enquanto circulava pelas veias escuras.

Elesis se encolheu. Não pelo pensamento, mas pela forte sensação de volta.

Algo se aproximava.

— Jin, Elesis!

Eles olharam para a mesma direção. Dio corria, olhos arregalados em alerta. Ele parou próximo à dupla.

— Alguma coisa está se aproximando — disparou o asmodiano.

A atenção de Elesis se distanciou da conversa. A sensação tomava conta do seu corpo, o calor interno se espalhava pelas veias. A neve que caía chamou sua atenção. Não eram pequenos pontos brancos, existia algo a mais...

Com o dedo indicador, ela pegou um floco de neve e olhou próximo. Uma aura azul contornava o pedaço de neve. Elesis olhou mais de perto. Não era uma aura azul.

Mas uma pequena chama azul.

— Elesis!

O foco de Elesis voltou. Dio a olhava e quando seus olhos se encontraram, uma conexão fez ambos tiveram a mesma reação. Surpresa.

— Você consegue sentir isso? — O asmodiano perguntou.

Elesis não tinha o que responder. Na verdade, ela tinha, mas não conseguia, presa na surpresa do momento. Quando se preparou para dizer algo, Jin a interrompeu.

— Tem uma coisa no céu!

O trio se voltou para as nuvens. Entre o completo branco da neve, uma mancha escura passava em alta velocidade. Ela se tornou mais visível com a intensidade do vento no solo.

— Achei que dragões fossem raros por aqui — contou Jin.

— Não é um dragão — disse Dio.

Elesis concordou em silêncio.

A sombra no céu se iluminou em volta. Luzes azuis surgiam de forma explosiva. No terceiro brilho, um rugido ecoou pela cidade.

Rasgando as nuvens, a criatura voadora desceu do céu. Viva, consciente que atingiria o chão. Ela se moveu para o lado, batendo no topo de um prédio. Pedaços de pedra voaram para todos os lados.

Principalmente para o trio. Dio se colocou na frente e ergueu seu braço demoníaco. A barreira roxa os contornou a tempo de protege-los da pedra. O pedregulho atingiu o escudo, explodindo em várias pedras.

Dio tirou a barreira com o olhar na criatura que voava de forma desorganizada pelo céu.

— Vamos fazer algo — gritou Elesis.

Cada um correu para uma direção. A espadachim seguiu pela rua enquanto olhava a criatura voar. Pessoas passavam por ela, desesperadas por algum tipo de ajuda. Elesis era a ajuda necessária. A criatura bateu em mais uma construção, pedaços de pedra ameaçando cair em uma mãe com seu filho.

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Elesis levou a mão à cintura. Em seu cinto, não havia nada. Ela fez um estalo seco com a língua e acelerou o passo. Seus olhos imediatamente ganharam um vermelho mais intenso, sua velocidade aumentando.

Um impulso com o pé e avançou contra a mãe e o filho. Agarrou cada um com um braço, deslizando pelo chão, logo capotando. Os escombros caíram atrás dela, poeira e neve se misturando a sua respiração ofegante.

— Tudo bem? — Elesis perguntou a eles. — Algum machucado?

— Estou bem — a mãe sussurrou. — Muito obrigada.

A mulher abraçou o garoto, juntos levantando e correndo para fora da bagunça. Elesis ficou de pé no mesmo instante. Ao longe, ela conseguia ver Jin pelos cabelos flamejantes salvando pessoas; Dio não era visto, mas sua magia era muito chamativa, mesmo distante.

A criatura soltou mais um rugido antes de se aproximar dos prédios novamente. A espadachim se moveu para o meio da rua deserta. Aquela sensação, a mesma que sentiu anteriormente, havia se misturado ao seu corpo. Por isso, puxou as mangas de seu casaco, revelando as veias escuras e pulsantes. O que fosse que estava dentro do seu corpo, era o mesmo que Dio tinha para poderem pressentir a chegada da criatura.

Elesis.

A espadachim ergueu o olhar. A sua frente, uma rua deserta, as suas costas, a grande criatura que despencava na sua direção.

Abaixa!

Um único relance sobre o ombro foi o que conseguiu antes de se deitar no chão. A criatura passou sobre Elesis, vento levando seus cabelos ruivos e tampando qualquer visão do que havia sobre ela. O impacto do monstro no chão foi sentida pela estremecida, parecida com um breve terremoto.

Elesis abriu os olhos, vendo a ponta da cauda da criatura se arrastar em sua direção. Foi automático. O impulso de suas pernas a tirou do chão, um salto alto que passou perto de ser pega.

A espadachim caiu de joelhos no chão. Tomou preciosos segundos para recuperar sua respiração. A estranha sensação logo deixou seu corpo, qualquer peso sumindo como os flocos de neve que derretiam contra a pele dela.

Elesis levantou na direção da criatura caída. Nenhum sinal de vida, ou energia que poderia sentir. Em passos cuidadosos, a espadachim seguiu rumo até o cadáver.

Quanto mais se aproximar, mais certeza ela tinha que aquilo não era um dragão. Parecia com um, mas era mais bruto, escamas grossas que continham uma energia brilhante em volta. As asas eram maiores que o corpo, finas e pontudas como garras. Era uma espécie que causava calafrios em Elesis, embora estivesse morta.

Então, ela parou de se aproximar. Sobre o cadáver da criatura, alguém escalava. Ela não conseguia ver bem pela distância, mas bastou apenas o reconhecimento do poder que ele exalava.

As chamas azuis o contornavam.

Elesis fechou os punhos.

Lass desceu da criatura. Pôs a katana de volta à bainha, colocando-a de lado no cinto.

O silêncio se estendeu entre eles. O desconforto da situação fez Elesis voltar o olhar para o lado.

— Podemos fazer isso o dia inteiro — disse Lass.

Ela se voltou furiosa para o ninja. Com uma inspirada profunda, preparou-se para falar.

Mas desistiu. Elesis deu meia volta e andou para longe dele. Não durou dois passos para ouvir Lass correndo atrás dela.

— Elesis, temos que conversar!

Elesis freou e se virou com o dedo erguido, carregado de fúria para Lass.

— Você! Você... — ela tentou falar, impedida pelas próprias emoções. — Não ouse falar sobre conversa!

— Desculpa se esse é o único jeito de se comunicar com você, mas...

— Dois meses! — Ela berrou. — Você teve a chance de conversa dois meses atrás. Agora não venha pedir por outra!

Elesis voltou a andar, mas foi segurada pelo braço.

— Pode me...

Lass parou de falar quando o punho de Elesis o acertou na boca. Ela se soltou dele e continuou a andar.

Adiante, Jin e Dio a esperavam. O lutador possuía uma expressão neutra até perceber quem vinha atrás da espadachim.

— Elesis! — Exclamou Lass.

Ela passou entre Dio e Jin, continuando o caminho sem nenhuma pretensão de parar. Lass passou entre os velhos amigos com um baixo cumprimento:

— Oi. Já volto.

— Claro — disse Dio.

— A gente espera — completou Jin, sorrindo.

Elesis queria correr, estar longe daquela situação o máximo possível. Mas ela se segurou, como também segurou a força ao soca-lo.

Distraída do que tinha a frente, logo ela notou. Seus passos diminuíram enquanto notava o aglomerado de soldados em volta da rua. Sentindo a nostalgia dessa cena, Elesis soube o que viria a seguir.

Ela sorriu com a chega de Ronan. Um líder. Um rei.

Lass parou ao lado dela.

— Você tinha que chegar fazendo barulho, não é, Lass? — Ronan mencionou, aproximando-se deles. — Vai me dar muito trabalho consertar tudo isso, sabe?

Lass sorriu.

— Foi minha completa intenção, Alteza.

Ronan arrumou a postura, o sorriso mostrando seu nervosismo diante o ninja. Elesis deu um passo para o lado.

— Já aviso que eu não tive nada a ver — ela contou. — Ele que veio com esse bicho pra cima da gente.

— Está tudo bem, Elesis — disse Ronan. — Pode ir.

A espadachim agradeceu com seu sorriso antes de sair correndo.

Lass tentou a segurar, se não fosse pela intromissão de Ronan.

— Deixe-a.

Lass mostrou o dedo do meio para Ronan, indo atrás de Elesis. Ele parou mais uma vez, segurado pelo braço.

O líder de Canaban o encarou com grande seriedade. O aperto em seu braço era forte, não o suficiente para machuca-lo, mas para servir de aviso.

— Lass, isso foi uma ordem — murmurou Ronan. — E se você não obedecer, terei que usar outros meios para isso.

Lass suavizou a expressão. Assentiu com a cabeça, sendo assim solto. Às vezes, ele esquecia que sua liberdade não era tão grande assim, principalmente quando estava em Canaban.

Ronan passou a mão pela roupa, tão elegante para seu cargo. Mantinha a boa impressão.

— 10 minutos, quero você no Conselho — disse Ronan. — Sem atraso.

O líder foi embora, seguido por novos guardas que Lass teria preguiça de conhecer. Quando sozinho, o ninja olhou em volta. Nada além de destruição. Ele apertou os lábios.

— É tão bom ter sua humilde presença aqui.

A voz de Jin fez todo o clima pesado sumir. Lass se virou, sorrindo para o velho amigo que era o lutador.

— Não foi minha intenção chegar assim — disse Lass, honesto.

— Aham, vem aqui.

Jin o puxou para um forte abraço. O ninja manteve os braços para o lado, aos poucos, retribuindo.

— Senti tanto sua falta, amor — falou Jin.

Lass o empurrou.

— É, já entendi. Você me ama — disse Lass, contendo o sorriso que o ruivo esboçava. Muita felicidade para uma única pessoa. — Eu esperava ouvir isso de outra pessoa.

— Sinto muito, cara, mas a única coisa que você vai conseguir dela é uma facada. Isso se ela tiver de bom humor.

Lass coçou a nuca. Seu olhar passou por todo canto da rua, sem nenhum sinal de Elesis. Jin estava certo, não conseguiria muita coisa após tudo aquilo.

— Aliás, pode me explicar aquilo — Jin apontava sobre o ombro, para a criatura caída. — Não é um dragão.

Perto da criatura, Dio rodeava como um cachorro curioso. Deveria pensar o mesmo.

— Eu sei — concordou o ninja. — As coisas ficaram um pouco fora de controle.

— É... um pouco.

Lass suspirou, olhando a cidade em volta. Ele poderia ter evitado aquilo.

***

Ronan não se sentou, pelo contrário, ficou de pé atrás da sua mesa, olhos focados no ninja que perambulava por sua sala. Lass tirava um livro do lugar, devolvia e continuava a mexer em outros objetos. Era uma criança que havia entrado na sua sala, não a maior ameaça que todos os Conselhos consideram.

— Lass.

Lass segurou um pequeno jarro. O brilho do interior do objeto aumentou, até explodir em suas mãos.

— Lass!

Enfim, o ninja se voltou para ele.

— Não foi minha intenção quebrar — ele disse, colocando o objeto quebrado de lado.

— Tudo bem, era apenas um contador de magia...

Pelo olhar, Lass parecia não saber o que era isso.

— Ele conta a intensidade do seu poder — continuou Ronan. — Produto novo da Mari... Quer se sentar?

— Não, só fala o que você quer comigo.

O longo encarar do líder não durou. Ronan se sentou em seu lugar, nada confortável. Não sabia qual postura tomar diante Lass. Era seu antigo amigo, mas também algo a mais agora que possuía um cargo novo.

— Por favor, não leve isso para o pessoal — dizia Ronan, a voz suave. — Estou apenas fazendo o meu trabalho.

Lass usou as costas da cadeira como apoio enquanto encarava seu amigo do outro lado da mesa.

— Você deve tá adorando isso.

— Não é tão divertido quanto parece.

— Dar ordens é divertido. Mas olha — Lass bateu na mesa com leveza —, cuidado pra não enlouquecer que nem sua tia.

Eles se encaram. O silêncio quebrou com a risada do ninja.

— Vamos falar da sua situação antes que eu dê uma ordem contra você.

Lass assentiu com seu sorriso contido.

— Seu período de teste com os outros Conselhos já acabou — ditava Ronan, olhando para os papeis sobre a mesa. — Devido ao Torneio Continental, a reunião que teríamos será adiada.

— E o que eu vou fazer até lá?

— Fica aqui, em Canaban. Vai poder assistir ao torneio, mas nenhuma intromissão com os participantes. — Olhou sério para Lass. — Entendeu?

— Por que eu me intrometeria? — Questionou o ninja, confuso.

— Não foi um pedido meu. Apenas não fale com os participantes, ok?

Sem se importar, Lass assentiu. Ronan prosseguiu:

— Durante esse tempo aqui, em Canaban, não fará nenhuma missão, registrada ou não.

— Certo.

— Não sairá de Canaban. Preciso que você fique na cidade e me encontre semanalmente para eu fazer um relatório e mandar para os outros Conselhos. — O ninja revirou os olhos. — É sério. Isso é importante.

— O que mais? Não devo falar mais de 300 palavras por dia? — Lass soltou a cadeira. — Quanta babaquice.

— São as regras.

Regras que atormentaram a vida do ninja por todo esse tempo. Ele poderia expressar o que sentia sobre ela, mas se conteve. Olhou para Ronan e concordou.

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— Sobre o uso das chamas azuis... — Ronan mencionou, incerto do que falar. — Ninguém o impediu, mas aconselho usar moderadamente.

Lass passou a mão pelo cabelo. Fio pouco longos que não tiveram tempo de ser cortados. Puxou parte da franja para trás e amarrou em um pequeno rabo de cavalo.

— Não vou tacar fogo na cidade, Ronan.

— O caso daquele monstro que você trouxe para cá, depois conversamos sobre isso.

— Isso é tudo?

— Por enquanto, sim.

Lass se dirigiu à porta, pegando sua katana encostada na madeira. A prendeu no cinto, o peso da lâmina trazendo alívio.

— Lass, eu não coloquei nenhuma regra minha nesse acordo — mencionou Ronan, voz densa.

O ninja o olhou. Seriedade moldava a expressão do líder.

— Eu posso colocar quando eu quiser, então não me obrigue a fazer isso.

Em nenhum momento, a conversa envolveu Elesis, mas apenas o tom usado por Ronan fez Lass entender sobre o que se tratava. Nenhuma resposta foi dita nem expressada, o ninja simplesmente olhou para Ronan e deixou a sala.

***

— Esse é o seu quarto — apontou Lothos.

A comandante abriu a porta e deixou Lass olhar o interior; Jin bisbilhotou sobre o ombro do amigo.

— Por que ele tem um quarto só dele e eu tenho que dividir o meu com o Sieg? — Questionou o lutador.

— Ordens do Grandiel — disse Lothos. — Ele pediu para o Lass ter um quarto próprio.

— É, essa é minha prisão — falou o ninja com um sorriso forçado.

A comandante cruzou os braços.

— Estamos te oferecendo um lugar para ficar e ainda reclama?

Lass se preparou para soltar uma resposta, mas a mão de Jin tampou sua boca.

— Ele está muito agradecido, Lothos — disse Jin, animadamente.

Palavras de agradecimento não funcionavam com a comandante. Lass não se deu ao trabalho de fazer isso, portanto, entrou no quarto. Menor em comparação com o do colégio dos garotos, uma simplicidade que o fazia questionar se aquilo era mesmo uma cela. Ao menos, uma cama ocupava o canto do quarto, parecendo confortável.

— Regras que você deve seguir aqui — falou Lothos, autoritária.

— Como se eu não tivesse regras o suficiente — murmurou Lass.

— Não perturbe os alunos, principalmente as minhas garotas.

Lass fez um sinal de positivo com a mão.

— Segundo: nada de chamas, fora ou dentro da escola. Se eu ver alguma, te coloco para fora!

Uma prisão, como ele havia imaginado. Porém, esperou paciente a próxima regra ser dita.

— Terceiro: você e a Elesis, quartos separados.

Jin deu uma baixa risada.

— Sério isso? — Lass suspirou. — Depois de dois anos e ainda trata a gente como crianças.

— Pelo contrário, trato vocês como pessoas bem grandinhas. E essa é uma regra que vale para todos. — Apontou para Jin, que desapareceu com o sorriso imediatamente. — Todo mundo. Garoto não dorme no quarto com a garota.

— Ainda bem que o Jin e o Sieg são gays — comentou Lass.

O ruivo deu um tapa nele. Lothos inspirou fundo.

— Alguma dúvida?

— Sim, quando o Grandiel chega?

— Amanhã, eu espero. Ele foi resolver um assunto particular, não sei quanto pode demorar.

Tantos dias para ficar fora, tinha que ser no justo dia que ele voltava para casa. Lass sentia falta da voz calma de Grandiel, totalmente oposta a Lothos, que o fuzilava com os olhos.

— Bem vindo de volta, Lass — foi a despedida da comandante.

Ela deixou o quarto e liberdade pôde ser sentida. Lass caiu sentado na cama de solteiro, seus ombros relaxando de tanta tensão.

— Como foi com o novo rei? — Jin perguntou.

— Rei... não gosto dessa palavra.

— Eu não vejo o Ronan há semanas, para ser honesto. Ele tá trabalhando pra valer no Conselho agora.

As olheiras eram visíveis, embora toda a aparência mostrasse alguma ordem externa. Ronan pegou o lugar de Cazeaje, um trabalho fácil não era o que o aguardava. Lass tinha pena enquanto pensava. Quando cortou a cabeça de Cazeaje, não era isso que ele desejava para depois.

Mas era melhor Ronan no controle, um amigo próximo, do que algum desconhecido.

— Você vai ficar bem? — Jin demonstrou um pouco de preocupação ao perguntar.

— Vou, nada definitivo agora. Só depois do Torneio Continental.

Uma preocupação a menos.

Mas várias outras surgiam quando pensava em Elesis.

— Quando a Elesis chegou? — Lass perguntou, tentando não parecer desesperado.

— Uma semana atrás. E antes que você pergunte, ela não queria falar sobre você comigo. Com ninguém, acho.

Lentamente, o corpo de Lass caiu de lado na cama. Seus olhos se fecharam por um instante, um bocejo escapando. Exaustão quase tomou conta de si, mas se esforçou a manter os olhos abertos.

— O que você fez dessa vez, Lass? — Jin olhou com desconfio.

— Por que acha que fui eu que fez algo?

— Bem, geralmente começa com alguma coisa que você fala e...

— Entendi, entendi. Não importa também, eu vou ter que consertar isso, não é?

Jin jogou os braços de lado. Lass sabia a resposta, só não queria falar em voz alta.

***

Elesis teve mais uma inspiração calma antes de ouvir a batida na porta. O coração acelerou, olhos arregalaram. Tinham se passado horas, tempo suficiente para ela saber lidar com a situação.

— Elesis, eu posso...

Elesis tomou o passo adiante, passando por Lire. Ela queria ajudar, já que parecia mais preparada que a própria espadachim. Arme, sentada na cama, olhou com a mesma intenção.

Elesis ignorou ambas e se aproximou da porta do quarto. Não parou para pensar, girou a maçaneta e abriu uma brecha. Apenas uma parte do rosto da espadachim ficou visível.

Lass a encarou do outro lado. Emburrado e cansado.

— Por que você tá fugindo de mim? — Perguntou ele.

— Acho que está óbvio — falou Elesis, voz abafada pela porta. — Vai embora.

— Não vou, temos muita coisa para conversar.

— Não temos.

Lass se aproximou da porta, usando o batente de apoio.

— Elesis... — o ninja usou um tom baixo, compreensível. — Por favor.

A mão da espadachim cedeu da maçaneta. Ver Lass agir com tanta passividade a fazia se sentir péssima, como se todo o peso de seu corpo tivesse multiplicado.

— E pode pedir para sua amiga psicótica abaixar o arco — completou Lass.

Elesis olhou sobre o ombro. Lire estava no meio do quarto, arco e flecha em mão, mirados para o ninja. No entanto, pelo ângulo da porta, Lass não conseguia a enxergar.

— Agora você ver através da parede? — Perguntou Lire.

— Não — ele respondeu —, mas consigo sentir sua aura assassina daqui.

— Ótimo! — Exclamou a elfa. — É só falar, Elesis, que eu furo o crânio dele com uma única flecha.

Elesis balançou a mão, em pedido para que abaixasse a arma. Teve que ser necessário a interferência de Arme para fazer isso. A maga entrou na frente da mira, indo para a porta e abrindo totalmente.

Elesis se encolheu, exposta.

— Sabe como a Lire é — dizia Arme para Lass. — Bom te ver!

— Digo o mesmo — sorriu ele de volta. Então apontou sério para Lire. — Menos para você.

Lire mostrou a língua e abaixou o arco.

Toda a atenção se voltou para Elesis em seguida.

— Então... — Lass ecoou.

— Eu não quero conversar com você, Lass!

Elesis fechou a porta, impedida pela mão do mesmo. Ela forçou, diminuindo o espaço entre eles.

— Vamos ter que conversar uma hora ou outra — disse Lass. — Não acha melhor resolver isso agora?

— Não quero resolver nada com você — arrastou a voz. — Você foi bem claro da última vez.

— Eu não disse aquilo de propósito.

— Não importa! Você disse e pronto.

A porta se fechou. Elesis manteve as mãos contra a madeira, como se ainda lutasse contra a insistência de Lass. Ela podia sentir os olhares de Arme e Lire sobre si, o que ignorou pelos longos segundos de silêncio.

— Vai embora, Lass — disse Elesis contra a madeira.

No corredor, o ninja pôde ouvir as palavras sinceras da espadachim. Apesar disso, seus olhos não desgrudaram na porta. Permaneceu imóvel por mais um instante, até sentir Elesis se afastar da porta, dele.

— Eu te disse — falou Jin, sentado no chão do corredor. — Dá um tempo para ela, vai.

Lass não se moveu. Pensava. Após perceber que seu esforço de nada valeria, voltou-se para Jin e assentiu.

***

Em meio ao quarto escuro da noite, Elesis encarava o teto. O sono não chegaria tão cedo, muito menos com o turbilhão de pensamentos. Ela tentava fechar os olhos, contar cordeirinhos, mas nada parecia efetivo.

Ela não queria ter dito aquilo para Lass. Sim, ainda estava furiosa por tudo que aconteceu entre eles, mas machucava de qualquer forma. Doeu ter mandado ele para longe. Distante dela.

Se tinha uma coisa que Elesis não suportava mais era o espaço entre eles. Dois meses foi muito tempo. E perceber isso a enlouquecia.

Por um impulso, Elesis levantou da cama.

***

À noite, a cidade costumava ficar silenciosa. Dio não era de perceber isso, a agitação dos humanos, mas parado diante a criatura morta que Lass trouxe o fazia reparar nesses pequenos detalhes a sua volta.

Alguns soldados e magos estavam por perto, responsáveis pela remoção do corpo da criatura. Dio tinha conseguido o direto de ficar próximo do monstro. O observava como se fosse um quadro muito peculiar. Sob a pouca neve da noite, ele continuou firme.

— Espero que isso seja importante.

A voz tornou o clima mais gelado. O asmodiano olhou para o lado, vendo Rey se aproximar. Ela não vinha em passos, mas flutuando. Vestida com vários agasalhos, encolhia-se sob o guarda-chuva que James segurava sobre ela.

Dio se esforçou a não aparentar o que pensava no que via.

— O que seria importante para você, Rey? — Perguntou Dio.

— Hum, boa pergunta. — Ela cruzou as pernas no ar, passando as mãos pelo cabelo volumoso. — Eu diria...

— Foi uma pergunta retórica, não é para você responder.

Rey olhou ofendida, braços cruzados tanto por nervosismo quanto pelo frio da noite.

— Então, por que estou aqui?

— Essa coisa não te parece familiar? — Dio apontou para a criatura.

A asmodiana deu um pensativo olhar para o monstro morto. Seu corpo flutuou um pouco para perto, analisando cada parte visível à luz dos postes.

— Parece sim — ela concordou.

— Essa é uma espécie de Elyos, não era para estar aqui em Ernas — explicou Dio. — Não teria como ele atravessar um portal.

— Talvez se fosse um portal grande.

Dio não tinha considerado essa possibilidade.

— Bem, se esse bicho saiu de um portal, tenha certeza que outros também sairão — completou Rey, um humor fora do tom. — Será que alguém do outro lado está sabendo disso?

— Espero que sim, porque eu não sei se seremos capazes de lidar com isso.

Diante a criatura, Dio se sentia pequeno, mesmo com Rey ao seu lado. Lass conseguiu lidar com a situação, mas até quando? Pelo que sabia, o que encarava era um filhote. Onde os pais dele poderiam estar?

***

O corredor estava tão frio quanto o lado de fora. Elesis puxou as mangas do seu casaco, encolheu os pés sob a calça moletom. As tentativas de ser mantida aquecida falhava a cada segundo passado ali, parada diante a porta fechada. Uma demora que a deixava irritada.

Esse mesmo nervosismo a deixou quando a porta se abriu. A luz do interior iluminou parte do rosto da espadachim, seu nervosismo exposto.

Do outro lado, Lass esboçava confusão. Uma surpresa que o fez paralisar.

— Sem conversa — disse Elesis.

E se jogou contra ele. O beijou de forma calorosa, afastando todo seu frio de antes. Lass a segurou pelas vestimentas, mantendo-a próxima de seu corpo. Uma atração interrompida pela própria espadachim, que afastou o rosto e o olhou nos olhos.

— Ok, sem conversa — concordou Lass.

Elesis fechou a porta com um chute. Eles voltaram a se beijar, mãos explorando o corpo coberto de roupas grossas de cada um. Elesis tirou seu casaco enquanto era puxada pelo ninja. Ele queria aquilo tanto quanto ela.

Antes que a espadachim caísse na cama, levou a camisa de Lass junto. Ela tinha sentido falta do contato contra a pele do mesmo, o cobrindo de beijos por toda extensão do torso.

— Tão quente — falou Elesis, a voz desaparecendo no ar.

Lass a empurrou contra o colchão. Ela amava aquele olhar que ele fazia, prestes a perder o controle. Quando se deitou sobre ela, ele falou próximo de seu ouvido:

— Você não deveria ter me deixado meses atrás.

Elesis o segurou pela nuca e girou seu corpo com rapidez. Era Lass quem deitava na cama e ela ficava por cima agora. A espadachim se inclinou, lábios próximos, mas um olhar irritado.

— Sem conversa — ela disse.

Lass sorriu. Um sorriso travesso. Ele se sentou, puxando Elesis para um beijo. Os suspiros da espadachim surgiram quando os beijos desceram pelo seu pescoço.

— Eu senti sua falta — sussurrou Lass.

Elesis se agarrou as costas cicatrizadas do ninja.

— Eu também — ela disse.