Farol

O seu barulho é o meu silêncio.


Shino era ele mesmo.

Controlado, comedido, dono das próprias ações.

Silencioso, observador, um ótimo ouvinte.

Mas, às vezes, um sentimento estranho o dominava. Um desejo estranho e irrefreável de devorar tudo o que estivesse ao seu redor.

(Não deixe que eles o chamem de esquisito. Domine eles. Você é forte. Você pode)

Muitas vezes, ele desejava fazer isso e ignorar a própria prudência, mas seu pai havia lhe ensinado bem.

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Desde sempre, os insetos fizeram parte de sua vida. Sendo uma espécie de casca para eles, criando a simbiose perfeita onde eles se alimentavam de seu próprio chakra e lhe emprestavam seu poder.

Shino sempre soube o que significava fazer parte do clã Aburame, e isso era um pouco solitário já que as outras crianças se recusavam a ficar por perto. Mas no mundo ninja, isso não era incomum. Pois ninguém queria chegar perto da criança amaldiçoada. E sempre que observava Naruto, Shino pensava que não era tão ruim assim ser ele mesmo, ainda que fosse igualmente sozinho.

(Pelo menos você nos tem. E nós temos a você)

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E, por muito tempo, essa foi a sua realidade. Pois Danzou havia levado a única criança capaz de lhe compreender, o irmão adotivo que desistira da própria vida para que Shino, o herdeiro do clã, não fosse levado para a ANBU raiz.

E, com o passar do tempo, até mesmo Naruto formou amizades com o garoto Inuzuka, com o Nara e com Akimichi. Porque todos eles odiavam passar o tempo na academia e preferiam se divertir.

Às vezes, os insetos de Shino o observavam de longe. E ele sentia que jamais faria parte de algo.

(Você faz parte de nós. Não precisa de mais ninguém)

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Shino não era ele mesmo. E quando isso acontecia, as sombras tomavam conta de seu âmago. Sentia o instinto animal aflorar, os insetos sob sua pele murmurando que a única coisa que precisava era destruir, destruir e destruir. E quando isso acontecia, Aburame se isolava ainda mais mesmo que não fosse uma pessoa muito sociável.

Ele sentia o coração bater dolorosamente contra o peito, e o desejo de entregar-se às vozes que sussurravam em sua mente era grande. Pois tudo o que precisava era permitir que ela dominasse enquanto flutuava no vazio etéreo.

(Permita-se, jovem Aburame. Deixe-nos mostrar o quão poderoso você pode ser)

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Seu pai havia lhe avisado. Shibi havia dito como o poder era capaz de corromper, que Shino deveria se atentar a isso e nunca permitir.

Mas naquele dia, quando todos riram tanto dele na academia, o jovem Aburame não quis saber o que era certo ou errado. Ele apenas quis ouvir as vozes e permitir que elas aliviassem sua dor.

Quando seus olhos se abriram novamente, por trás das lentes escuras dos óculos que usavam, as mãos pingavam sangue. E ele ouviu a dor e o sofrimento que sentia no próprio coração se refletir nos corpos daqueles que ousaram a caçoar de si.

Felizmente, nenhuma morte foi relatada.

(Ainda não)

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Depois daquele episódio, Shino sentiu medo. E as crianças, que antes já não se aproximavam, se tornaram ainda mais distantes. Ninguém sabia, de fato, o que havia acontecido. Apenas que Aburame Shino havia tirado de combate três garotos que tentaram agredi-lo.

Shino era ele mesmo. E por ser ele mesmo, sentiu-se mal pelo que havia feito.

(Mas você não deveria. Eles te agrediram primeiro. Você apenas agrediu de volta)

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− Não pense que é fácil, Shino. – Shibi disse enquanto observava o filho no interior de um tornado furioso de insetos. – Eu nunca disse que seria. Mas se permitir que eles lhe controlem, que as vozes tomem conta de você, então estará acabado. E da próxima vez, pode ser que você não consiga parar a tempo. Precisa encontrar um foco, filho. Uma luz para onde sempre possa olhar e retornar quando a escuridão tentar assumir o controle.

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Parecia fácil falar. A teoria era muito simples.

(Mas não existe ninguém que vá querer se aproximar de você, pequeno Aburame. Ninguém além de nós)

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Por muito tempo, isso foi verdade. Pois quando os times se uniram, Shino sentiu que seria mais deslocado do que nunca. Com a menina que nunca falava e o garoto tagarela demais, nenhum deles parecendo se encaixar na dinâmica que Shino imaginava.

Além disso, o receio do sangue em suas mãos ainda permanecia.

(Você fará com esses dois o mesmo que fez no passado)

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Então ele se mantinha distante. Realizava os treinamentos sob a supervisão de Kurenai-sensei, mas não se esforçava para manter um diálogo ou qualquer coisa do gênero. Apenas se isolava dentro da casca vazia que era para seus insetos.

E a voz deles era a única que escutava.

(Pois somos seus únicos amigos. E você deveria se permitir, Shino-kun)

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− Hm? – Shino voltou-se na direção de Kiba. – Falou comigo?

− Sim, porra! – O garoto sorriu deixando as presas expostas. Estavam no intervalo do treino, ele e Shino, enquanto Hinata tentava libertar-se do genjutsu de Kurenai-sensei. – Disse que você deveria se permitir mais. Não seja tão isolado, cara. Você devia se divertir.

Aburame refletiu sobre aquelas palavras. E, pela primeira vez em muito tempo, a voz em seu âmago calou-se.

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Foi imperceptível a princípio. Kiba começou a frequentar a casa dos Aburames e vice-versa. Hinata os acompanhava poucas vezes, pois a regra de seu clã eram rígidas demais. Mas os dois moravam no mesmo distrito, próximos demais. Costumavam fazer o mesmo caminho de volta depois de deixarem a Hyuuga em casa após os treinos ou depois de uma missão.

Kiba costumava tagarelar sobre qualquer coisa que não fosse interessante e Shino o escutava, muitas vezes sem saber de fato sobre o que ele falava. Mas se Kiba lhe perguntasse, retornava ao assunto sem dificuldades.

Com o tempo, ouvi-lo passou a ser confortável. Porque, de alguma forma, aquele garoto tagarela fazia com que as vozes se calassem em sua presença. E os pesadelos sobre perder o controle iam embora.

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E ele não soube dizer quando as coisas evoluíram. Quando Kiba passou a dormir em sua casa quase todos os dias, sequer quando Tsume passou a dar bronca em ambos mesmo que na maioria das vezes Shino sequer tivesse culpa.

E com o tempo, aquela família desorganizada e barulhenta passou a ser sua também. E Shino viu como aquilo era bom.

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Até que um dia, baixou a guarda. Pois sabia dos próprios sentimentos acerca de Kiba.

(Ele nunca irá correspondê-lo, jovem Aburame. Pois alguém como você não é capaz de demonstrar amor)

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Então, Shino não era ele mesmo. Pois as vozes, que se calaram por tanto tempo, começaram a gritar. E gritando, elas lhe diziam que jamais conseguiria, que era fraco, que lhe faltava garra.

Não conseguia ouvir-se no meio de tanta dor e sofrimento. Apenas a própria carne se dilacerando enquanto os insetos lhe consumiam.

(Você não é digno. Ele jamais te aceitará. Você é sujo. Isso não é algo natural. Você precisa parar. Precisa parar. Pare. PARE. FAÇAM AS VOZES PARAREM)

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Mas elas não silenciavam. E tudo se tornou um borrão escuro, tão escuro que nada à sua frente podia ser visto. E Shino sentia os insetos se remexendo sob sua pele, querendo se alimentar de sua própria carne

(porque você é fraco)

e devorá-lo por inteiro

(Por que você é fraco?)

apenas porque decidiu que queria permitir-se viver e não que eles o dominassem. Isso o fazia fraco?

(Sim)

Deixar... permitir... seu pai também havia permitido que sua mãe entrasse

(Mas você não é seu pai, e é sujo e vulgar sentir o que sente. Você não é digno do garoto Inuzuka, ele nunca o amará, porque você é...)

− Shino! SHINO!

A voz. Que cessava todas as outras.

− SHINO, ME ESCUTA!

A voz estridente e estabanada que o chamava junto com os latidos fortes de Akamaru. A mesma voz que trazia luz. Seu farol.

− VOCÊ É MAIS FORTE QUE ISSO!

(Você não é mais forte que nós!)

Shino podia sentir. Como uma espécie de calor que aquecia seu peito, tão afável quanto a presença que trazia consigo o cheiro dos morangos silvestres tão característico de Kiba.

− Eu estou aqui com você. Sempre vou estar.

(VAMOS DEVORÁ-LO! VAMOS DEVORAR O SEU AMOR!)

Não vão.

(Como?!)

− Eu disse não.

− Shino?!

A luz. Ela estava ali. Shino a sentia sobre seu rosto. E de repente, o caminho estava diante de seus olhos. De repente, foi capaz de enxergar. Até que a nuvem de insetos se dissipou e as vozes se calaram.

− Kiba. – Sua voz saiu fraca enquanto os insetos se recolhiam e o outro garoto aproximou-se, abraçando-o.

− Pensei que fosse perder você, seu idiota! – murmurou na curva de seu pescoço. – Não me assuste assim, porra! Era só um treino... só um treino...

Shino sentiu algo morno enquanto Kiba soluçava baixinho. Não disse nada, pois conhecia o orgulho do amigo.

− Falou mesmo a verdade? – Foi a única coisa que conseguiu pensar em dizer, o medo ameaçando dominá-lo caso a resposta fosse negativa.

Kiba olhou-o, as íris selvagens marejadas pelo choro que tentava conter.

− Sempre. – Seus dedos se entrelaçaram e ele tornou a abraçar Shino. – Sempre estarei com você mesmo se você não me quiser.

O ar escapou por seus lábios. E as vozes finalmente se calaram. Pois Kiba era a sua luz. E enquanto ele estivesse por perto, jamais retornaria para a escuridão outra vez.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.