Os Treze Guardiões

Quem comanda


Ricardo não tinha certeza de como fora parar ali.

Só sabia que havia saído da casa de Santiago e andado a esmo por horas, até que se encontra ali. A razão, não sabia.

Exceto que sempre que estava com um problema ia parar ali. A cada briga com os pais, a cada fora levado de uma garota, a cada nota baixa. Tudo o levava até ali, a casa de seu melhor amigo.

— Ricardo, que bom te ver! – Andressa, a mãe de Leo, sorriu para ele ao abrir a porta – Veio visitar o Leo? O coitadinho não sai do quarto, está arriado de gripe, pobrezinho...

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— Oi, tia – murmurou ele, olhando para o chão – Desculpa incomodar tão tarde, mas...

— Ah, problema nenhum, querido – Andressa desconsiderou – Sabe que é sempre bem vindo nessa casa. Vamos, entre, não fique assim na rua.

Ricardo entrou na casa, já acostumado com o tamanho e o luxo do lugar. Ele próprio tinha bastante conforto em sua casa, mas Leo era rico de verdade, do tipo que tinha um quarto só pra assistir televisão e jogar.

— Vá, querido, ele está no quarto – Andressa disse – Aproveite e lembre- o de tomar o remédio, sim? Por favor.

— Pode deixar – Ricardo sussurrou, já se encaminhando para o quarto.

Desconfiava muito dessa “doença” de Leo. Desde o dia do museu, Ricardo não tivera nenhum problema de saúde, nem mesmo um resfriado. Suspeitava que os outros sentiam o mesmo, e Leo não devia ser diferente.

Abriu a porta. Não sentiu surpresa ao encontrar Leo jogando videogame, parecendo perfeitamente saudável, sentado no carpete do quarto.

— Ricardão! – exclamou Leo, largando o controle no chão – Já estava sentindo sua falta, mermão. Veio jogar um pouco de god of war com o seu parceiro aqui?

Ricardo nada respondeu. Apenas sentou do lado do amigo, a expressão séria.

— Você parece bem – comentou, por fim.

— O quê? Ah, pois é – Leo comentou distraído, já focado no jogo outra vez – A gripe já tá passando. Mas não tanto que eu não possa faltar aula amanhã, fala aí – ele cutucou Ricardo com o cotovelo, que pela primeira vez não achou graça do jeito do amigo.

— Você tem faltado às reuniões, cara – falou.

— Reuniões? Que caral... Ah, você tá falando da parada na casa do professor hippie. – Leo revirou os olhos – Cara, eu pensei bastante, e decidi: Isso não é pra mim. Não quero fazer parte disso, saca? É muita idiotice, muita onda pra minha cabeça.

Leo falava daquilo tudo como se fosse algo tão banal que o sangue subiu a cabeça de Ricardo.

— Muita onda? — ele repetiu, incrédulo – Cara, você tem ideia do que aconteceu enquanto você esteve fora? Fomos atacados por uns seres metade árvore metade gente. Daniel está quase morrendo. Lorena... – a voz dele engasgou – está desaparecida, e nem temos ideia se está viva ou morta.

Por um instante, Leo ficou em silêncio, e Ricardo achou que o havia tocado. Mas então, ele apenas deu de ombros e disse:

— Poxa, foi mal, cara. Sei que você tava a fim dela. – e voltou a jogar, simples assim.

Ricardo ficou boquiaberto. Depois de tudo que ele havia dito, era só isso que ele havia absorvido?

E gostar de Lorena? Ricardo achava que estava além de gostar. Talvez até a amasse. Ele não sabia; era jovem e jamais havia experimentado o amor, mas achava que devia ser algo parecido com isso. Mas havia estragado tudo ao ficar com Pâmela na festa da Paola. Não sabia o que acontecera. Parecia quase hipnotizado...

Mas isso parecia tão pequeno comparado a tudo que acabara de acontecer. Ricardo olhou para Leo, tão tranqüilo jogando, e de repente ficou enfurecido:

— Como você pode ser tão egoísta?! – exclamou, num rompante de raiva, pegando o controle da mão de Leo e o jogando longe – Nossos amigos estão desaparecendo e morrendo, e você está aí, sentado confortável no seu quarto jogando videogame? Enquanto você esmaga seus monstrinhos aí na tela, nós estamos enfrentamos monstros na vida real, seu babaca!

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— Uou, uou, uou! – Leo espalmou as mãos, a expressão indignada – Calma aí, ô heróizão. Acha que isso tudo é fácil pra mim?

Ricardo balançou a cabeça, sem conseguir acreditar.

Como? – perguntou – Como isso pode estar sendo difícil pra você, Leo?

— Me diz você – Leo rebateu – Você não é o fodão? Ó, grande e poderoso líder.

Ricardo piscou, agora mais confuso do que irritado.

— Do que diabos você está falando?

Leo revirou os olhos, como se Ricardo estivesse se fazendo de idiota.

— Sabe do que eu estou falando – disse – Você. O leão. O rei. O líder. Você comanda todo aquele grupo de desajustados.

Ricardo ergueu as sobrancelhas, achando que talvez não estivesse ouvindo direito.

Eu costumo ser o líder – continuava Leo, alheio aos sentimentos do outro – O capitão do time, o que anima os caras lá do colégio. Aí vem esse porra mágica, e diz que você é o líder do grupo. Como acha que eu fiquei, merda?

Ricardo percebeu, com surpresa, que os olhos de Leo estavam vermelhos.

— Leo... – ele começou, devagar, como se falasse com uma criança – Eu posso ser um leão ou o que for, mas não sou o líder do grupo. Lorena é. Todo mundo sabe disso.

Leo soltou uma risada amarga, um tremer de ombros.

— Isso é pra fazer eu me sentir melhor? – falou ele – Se ela é a líder, você é o segundo em comando, e eu sou o quê? O cara da reserva?

Ricardo balançou a cabeça. Não acreditava que o amigo estava se importando tanto com aquilo.

Por outro lado, ele conhecia Leo. Conhecia suas inseguranças. Sabia o que havia por trás do garoto forte e confiante.

— Não, não o cara da reserva – falou ele – Você é meu parceiro. Sempre foi. Mas, no momento, não está agindo como um. Está agindo como um babaca egoísta.

Leo o encarou. Seus olhos estavam secos, mas sua expressão era aberta e insegura.

— Como posso ser seu parceiro? – perguntou – Nem consigo fazer essa droga de transformação. Não consigo me concentrar, você sabe disso, cara.

Ricardo sabia. Sabia do déficit de atenção de Leo, de como ele se sentia burro e odiava errar, odiava se sentir inferior a alguém, e descarregava tudo em violência e sarcasmo que mascaravam seus verdadeiros sentimentos.

Mas Ricardo não o abandonaria. Sabia que era seu único amigo de verdade, e faria o que os amigos fazem.

— Vamos dar uma volta, parceiro – disse – Eu te mostro como superar isso.

* * *

— Cara – Leo falou, tentando conter o tremor na voz – Não sei se isso é uma boa ideia.

— Não vai amarelar agora, vai? – provocou Ricardo – Não tem lugar melhor pra se concentrar do que aqui.

Os dois estavam nos limites da barragem do bosque. Havia um grande buraco na cerca, que o próprio Ricardo havia feito, na tentativa de sair dali. Supunha que os guardas ainda não o tinham encontrado, ou ainda não haviam tido tempo de consertar.

— Mas como eu... Como... – Leo gaguejou.

— Fácil – Ricardo tentou soar confiante, mesmo ele próprio nunca tendo feito isso. – Fecha os olhos.

Leo o encarou com o estranhamento.

— Rapá, isso tá ficando muito estranho...

— Deixa de frescura, Leo. Só fecha!

Finalmente, Leo obedeceu. Ricardo inspirou fundo, tentando clarear a mente.

— Agora, imagina que está no campo – continuou – Imagina que faltam dois minutos pra acabar o jogo, o placar está empatado, e você está no limite, e precisa roubar a bola do time adversário e alcançar o gol antes que o tempo acabe. O que você sente?

Leo inspirou fundo. Por um instante, Ricardo achou que estava funcionando, mas então ele soltou o ar e fez um muxoxo.

— Cara, isso não tá adiantando...

— Fala, Leo – insistiu Ricardo, impaciente – O que você sente?

— Eu sinto... – Leo gaguejou apressadamente – Eu sinto... Calor. E... Adrenalina. E... Parece que está... Se espalhando pelo meu corpo.

— Isso – Ricardo se animou – Deixa se espalhar, cara. É assim que começa.

— Puta merda, Ricardo... – Leo grunhiu – Tô com medo, porra.

— É normal ter medo – assegurou Ricardo – Mas ele vai passar se você se deixar levar, cara.

Finalmente, Leo parou de falar. Seus punhos, antes cerrados, relaxaram. Sua forma inteira pareceu tremer e tremeluzir, até...

Ricardo sorriu.

— Não disse que você era meu parceiro?

O animal a sua frente por uma juba não era um leão, mas era tão majestoso, forte e veloz quanto. Um puma.

— Vamos, cara – Ricardo chamou – Vamos achar nossos amigos.

Ricardo mandou uma mensagem rápida no celular, e se transformou também.

E os dois partiram na escuridão da noite.

* * *

Esse grupo é o bicho!

Bernardo, Daniel, Eduardo, Eric, Gisele...

Ricardo: (22:35) Galera, reunião nas ruínas da floresta amanhã às oito horas.

Ricardo: (10:48): Galera?