Ele e Eu

Capítulo 4


NA MANHÃ SEGUINTE, tentei manter uma conversa normal com papai.

Ele estava colocando pó de café na nossa cafeteira, quando desci. Provavelmente havia a tirado de uma das caixas onde havíamos escrito: ITENS DE COZINHA. Nós tínhamos lido em um site na internet que facilitava muito a mudança se as caixas fossem identificadas de acordo com o que elas guardavam. E parecia que era realmente verdade.

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— Espero que você não tenha tido uma noite tão ruim, querida. – disse papai, sobre o ombro, quando me viu parada na porta da cozinha. — A minha fora particularmente horrível.

Sentei-me em uma banqueta e coloquei os braços sobre o balcão.

— Foi mais ou menos – eu disse, sentindo-me uma falsa.

A verdade era que eu havia dormido relativamente bem, apesar do colchão. Quase como um bebê. Mas eu não diria isso a ele. Não quando ele pensaria que o motivo era o novo quarto, e não a viagem cansativa de treze horas de carro. Às vezes, papai conseguia ser extremamente otimista.

Ele ligou a cafeteira na tomada próxima a pia, e deslizou uma tigela, uma caixa de cereal e uma garrafa de leite para mim.

— Eu fui ao mercado mais cedo – papai disse, enquanto eu abria a caixa de cereal e despejava um pouco na tigela. — Comprei o necessário para alguns dias, mas depois podemos fazer a compra do mês – ele caminhou para a cafeteira e pegou a jarra com seu café bem preto.

Eu abri a garrafa de leite.

— Aqui tem algum Whole Foods?

— Não – papai respondeu, sentando-se ao meu lado com a garrafa térmica. — Mas tem Walmart – ele disse isso como se não fosse um problema.

— Walmart não é um Whole Foods – disse, misturando o cereal com uma colher.

— Não. Mas se você der uma chance tenho certeza que pode não ser tão ruim.

— Eu já fui vezes o suficiente no Walmart para saber que não é o meu tipo de supermercado.

Papai bebericou seu café. Ele gostava dele forte e amargo, sem açúcar.

— A gente pode encomendar as coisas naturebas em outro lugar – papai propôs. — Aqui, nós podemos comprar apenas coisas que se vende em todos os supermercados. Leite. Ovos. Bacon.

— Papai, natureba é uma palavra preconceituosa – eu disse, engolindo uma colherada com mais leite do que cereal.

Ele levantou uma sobrancelha.

— Qual palavra eu deveria usar, então?

Eu deixei a colher na tigela.

— Natural. Ou orgânico.

— Natureba é muito mais abrangente – papai retrucou.

Eu estreitei os olhos para ele.

— Nerd também é, mas nem por isso é menos ofensiva.

Papai ponderou por um momento.

— Você tem um ponto – ele disse. — Não queremos rótulos. Rótulos são péssimos. Mas eu pensei que poderíamos usá-los ao menos com a comida.

Peguei a colher e a enchi, dessa vez com mais cereal do que leite.

— Respeite a comida como a um próximo. Não é o que está escrito na Bíblia?

— Quase isso – papai falou. — Mas eu posso começar a fazê-lo, se você der uma oportunidade ao Walmart.

Engoli o cereal.

— Só se o senhor comprar meu suco orgânico de maçã no Whole Foods mais próximo.

— Deve ter algum em NJ.

— Certo – eu disse.

— Certo – papai disse. E então: — Ah, e me lembre de obrigá-la a ler o Livro Sagrado de vez em quando.

Sorri.

— Não mesmo. – disse, contente por não ter ficado com raiva de papai por muito mais tempo.

Como papai havia prometido, aquele era o dia em que começamos a colocar as coisas em ordem. Após tomarmos café-da-manhã, papai e eu arrastamos os móveis da sala e os colocamos onde queremos. Colocamos o sofá verde-musgo perto da escada; o rack, que papai montou, de frente para o sofá; a mesa de centro no meio; e a estante de livros na parede ao lado do rack. Tentamos ocupar o máximo de espaço possível, para que ficasse natural e elegante, como achamos que a casa deveria parecer. Ainda sobrou espaço, mas papai disse que poderíamos ir à forra um dia desses e comprar móveis que combinassem. Não disse à ele o que achava de tudo aquilo, porque não queria estragar seu bom humor, e porque seria inútil, de qualquer forma. Nós já estávamos ali, já havíamos dirigido horas para um outro estado, e eu já havia jurado que verdadeiramente tentaria, não apenas em relação ao supermercado.

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Então, subimos para os quartos e papai e eu finalmente montamos as camas e os guarda-roupas. Depois do almoço (sanduíche de peito de peru, que estava muito gostoso, apesar de papai tê-lo preparado muito rapidamente), às três da tarde, nós montamos a minha mesa de computador. Papai não tinha muitos móveis em seu quarto, então só colocamos as mesas de cabeceira em ambos os lados da cama, e cada um ficou de arrumar o seu próprio lugar privado; o que ficamos de fazer no dia seguinte, porque isso requeria paciência e estávamos muito cansados.

Descemos, e organizamos algumas coisas, lentamente. Eu passei pano no chão; ordenei os vasos de decoração e os porta-retratos no rack, deixando uma área desocupada para o mini system, que ainda estava em uma das caixas; arrastei a mesa de centro, e estirei o tapete grande e felpudo azul-fantasma em seu lugar, e a puxei de volta. Papai ficou responsável pela cozinha, porque ele era o mais organizado da casa. Eu nunca sabia onde colocar todos aqueles potes e ingredientes e utensílios de cozinhar. Papai também era o que mais cozinhava, então parecia justo que ele os organizasse.

Só paramos quando parecíamos incrivelmente exaustos. Papai apareceu na porta da cozinha, e eu me joguei no sofá, suspirando.

— Acho que por hoje já chega – ele disse, secando a testa com a barra da blusa. Ele estava usando uma roupa para serviços pesados: uma camisa lisa amarela.

Eu me levantei para ir para o quarto, porque estava louca para tomar um banho.

— Ótimo – eu falei. — Amanhã continuamos.

Mas papai me parou no meio da escada.

— Amanhã não podemos – ele disse.

Eu me virei, confusa. Com uma mão sobre o corrimão.

— Por que não?

Papai desviou os olhos quando informou:

— Porque amanhã será sua primeira consulta com seu novo psicólogo e psiquiatra.