O som que meus passos faziam naquela estradinha de pedras era reconfortante. As senhoras sentadas entre montantes de vasos e ramos de flores, os senhores recostados proseando sobre afins, e um eterno aroma adocicado era o que se notava por todos os lugares. De um lado se via duas fileiras de casas; do outro uma mureta que separava a civilização de um conjunto de lagoas e arvoredos.
Procurei nos primeiros instantes um local calmo para escrever. Não encontrei. Por mais pacata que fosse, a cidadezinha se via em tal momento repleta de pessoas e não havia silêncio algum, o que também me acrescia conforto e alento. Aproveitei então para me inspirar em tal cena.
De vez em vez, surgia algum curioso e me perguntava o que estava fazendo. Eu lhe dizia. Alguns davam uma lida, mas não compreendiam o idioma. Não importa, afinal, era um dia de celebração!
Terminei um copo de vinho, e junto dele minha nova obra. O céu ainda brilhava azul como a manhã, e algumas nuvens começavam a despontar do alto de uma montanha que me cingia quase translúcida. Decidi dar uma volta.
Tomei por escolha uma rota que se afastava do afável som da cidade e se aproximava à um soar mais puro; dali se ouvia apenas breves chiados que saltitavam das folhagens que cresciam ao redor das cercanias, em um arrulhar lírico. Os morros que compartilhavam aquela estrada estavam pipocados de videiras e pequenos olivais, verdes vivos que me enchiam os olhos de cor.
Em um suspiro, me dei de frente a um imenso campo de flores. Tulipas, dentes-de-leão, roseiras, margaridas, girassóis, pimenteiras, e diversas outras. Dei-me a permissão para adentrá-lo, continuando pelo caminho de terra que o cortava. Por fim, sentei-me num banco, ao lado de cestas cheias de frutos.
A partir disso, descobri que o espetáculo enfim ganharia mais vida. Tudo já me parecia perfeito, rodeado de tantas coisas boas. Mas, naquele fim de tarde, descobri de uma vez por todas, a razão de tudo.
Avistei entre a relva alta e florida alguém se aproximando. Pensei que talvez fosse minha imaginação; mas não. Ainda agradeço por ela não ter me pregado essa peça..!
Ela me apareceu calma, caminhando pela lavra, com um ramalhete acomodado nas mãos. Abriu caminho pela grama e alcançou a estradinha. Virou o rosto para mim e sorriu, até chegar perto e me entregar uma flor; essa eu não reconhecia. Perguntei, e ela me respondeu.

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— É uma flor de abril!

Meus ouvidos jamais ouviram tamanha benção. Lhe agradeci. Ela sorriu novamente, até ir embora. O entardecer descia ligeiro, e o pôr-do-sol já começava a me abraçar. Eu segui seu caminhar com os olhos, notando como a luz quente que vinha do horizonte se desviava entre os fios de seus cabelos. Como é bela!
Enquanto me levantava, notei que virara o rosto até mim, ou ao campo; não pude enxergar. Andou de costas abraçando as flores que levava, dando ao ponto de fuga um último adeus. Tornou a virar o corpo e se pôs a saltitar sobre os pedriscos e desaparecer pelas ondulações da montanha.
As vezes a vida tem dessas. Meu sangue agora estronda fogos de artifício. Findei-me a buscá-la pelos cantos que me passam nos olhos ao caminho de volta à pousada, mas ela não me surge mais.
Enfim, acho que já sei, entre todas, qual a flor mais bela que aqui vislumbrei..!