Entre Páginas

Capítulo 9


Amanda lavava e enxugava os copos zelosamente. Atendeu o cliente mais detestável, sentado perto do balcão, com a maior rapidez, esperando que ele mantivesse a boca fechada. Mas ele tinha a intenção de ser ouvido;
-O que eu preciso fazer para aceitar minha proposta? – Agarrou seu pulso em um aperto gentil porem firme, um que não permitiria que se afastasse.
-Nada. – Manteve o tom de voz baixo. – Por favor, solte-me.
-Você é pudica, eu já entendi. No entanto, eu ofereci um bom dinheiro, e posso oferecer mais.
Amanda sentiu vontade de gargalhar.
Por que era tão difícil para aquele sujeito entender que ela simplesmente não tinha desejo nenhum por ele. Após insultá-la com uma proposta descabida, atrapalhar seu plano profissional e envergonhá-la na frente do patrão, ele ainda insistia achando que ela o aceitaria?
-Ou me quer caidinho por você. – Continuou, como se a expressão indignada dela já não fosse o suficiente para revelar sua resposta. –Já conseguiu. O que você quer?
Respirou fundo, e manteve o tom calmo e contido. Falou devagar, para que não houvesse dúvidas ou segundas interpretações a respeito do que ela diria;
-Não há nada que o senhor possa me oferecer que eu aceite. Tampouco desejo instigá-lo ao recusá-lo. Não tenho pretensão de tornar-me amante de ninguém. – Soltou-se do aperto e afastou-se.
Irritada, percebeu que um jovem sentou-se em outro banco alocado próximo ao balcão, e torceu para que nem ele nem ninguém tivesse ouvido a conversa.

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☆☆☆

Melissa observou Luísa sobre a borda de seu bloco de notas.

—Sabe o que estou fazendo? – Perguntou escrevendo distraidamente.
-Não. – Foi a resposta desinteressada.
-Estou montando uma lista de pretendentes para Bianca. Você conhece a maioria. Quer me ajudar a selecionar os melhores?
Ela não ergueu o olhar do livro.
-Selecione com Bianca. Ela é quem vai se casar com algum deles, afinal.
Melissa respirou fundo;
-Lu, vai continuar com este tratamento infantil até quando?
Um farfalhar de página sendo virada.
-Não sei. Até Bianca estar casada e feliz. Até você dizer a verdade á ela.
-Não posso prometer a felicidade dela. Você já está colocando peso demais em meus ombros. Quanto a dizer tudo, sabe que não posso. – Suspirou. – Mas entendo se quiser continuar nesse estado comigo. Todavia, achei que gostaria de estar a par de tudo, para se certificar de que farei um bom trabalho. É claro que a aprovação de Bianca é fundamental.


No fim das contas, Luísa realmente deu uma olhada na lista. Esperava que Bianca gostasse mesmo de algum cavalheiro dali. Guardar aquele segredo estava sendo angustiante.

Contrariando a certeza de Amália, seu cunhado Conrado aceitara o pedido de Castro para namorar Melissa. Amélia ficara obviamente estática em imaginar que a burguesia estava prestes á entrar em uma família aristocrata, mas não conseguiu convencer o marido a mudar de idéia, mesmo alegando que ainda haveria a chance de um nobre inglês á espera de uma moça como a filha mais velha deles.

☆☆☆

—Que pena que Mel não pôde vir conosco hoje. – Lamentou-se a Bianca. – Espero que ela melhore sem demora.
Lu entregou um sorriso amarelo.
Convidara a filha de Marcelo para um chá em uma confeitaria e inventou que Melissa não poderia acompanhá-la por conta de estar em seus dias de período.
-Mel tem uma saúde de ferro. Mas todas nós estamos suscetíveis a esta condição, não é?
-Bem dito. – Riu.
-Como se sente agora que é a mais nova sensação nos salões de baile?
Bianca corou;
-Ora... Um pouco envergonhada e aliviada, acredito. Mel fez um excelente trabalho comigo. Julgava-me um caso perdido. Melhorei bastante... eu acho.
-Sim, melhorou. Com todo o respeito, é claro. Todos aqueles rapazes deslumbrados por você... Eu mal consigo suportar dançar com eles...
-Prefiro chamar atenção deles do que ser alvo de mexericos... Por sorte pararam de me chamar de ‘caipira’.
-Sem querer ser invasiva... - Lu alisou o guardanapo nervosamente. O tecido causou fricção em contato com suas luvas. - Mas nos conhecemos há um tempinho... Algum deles chamou seu interesse? – Sorriu amigavelmente.
A Srta. Ferraz enrubesceu, acentuando suas sardas.
-Um ou dois. Mas não sei qual escolher. Seria possível que eu termine o ano noiva? Em minha primeira temporada?
-Quem sabe? Você gosta deles? De verdade?
-Estou considerando deixar que algum me corteje.
Luísa sentia as mãos suadas sob as luvas. Precisava ter certeza.
-Se estivesse apaixonada por um deles e outra garota se casasse com ele, ficaria magoada?
Ela ponderou por um momento;
-Eu suponho que sim. Ficaria de coração partido. Mas uma vez que ele não me fez promessas, não posso me zangar por algo que nunca aconteceu.
Bingo.
Melissa contara-lhe que Bianca admitira que Henrique nunca a pediu sequer em namoro, e que agora que ela estava convencida do que Melissa dissera, aceitara o fato de ter tido apenas uma 'paixãozinha' pelo amigo de seu pai.
Mas ainda assim, Lu temia se Bianca descobrisse. Ela poderia irritar-se com a traição da parte de sua irmã, e então todos os lados ficariam em apuros.
-Obrigada por se preocupar comigo, Luísa. Você e sua irmã têm sido as melhores amigas que já tive.
Luísa sentiu como se houvesse engolido um punhado de pregos, e não uma colherada de torta de morango.
Sua resposta foi um sorriso nervoso.
-Recentemente tornei-me membro de um clube de leitura. – Mudou de assunto. – Sei como gosta de livros... Quer fazer parte também? Podemos compartilhar opiniões e pode recomendar-me alguns romances.
Luísa piscou, surpresa.
-Eu gostaria muito!
-Oh, devemos chamar Mel também!
-Minha irmã não gosta tanto assim de romances... Ela não é nem um pouco romântica.
Na verdade, Melissa era fria e calculista. Estava para vir o dia em que ela se apaixonaria por alguém.
Estava enamorada de si mesma.

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☆☆☆

—A letra ‘O’ é uma vogal e está em...
-Srta. Helena Silva?
Helena interrompeu a aula e levantou-se em um instante. As pernas protestaram por conta da mudança abrupta de posição.
Um rapazinho de roupas simples segurava um buquê de tamanho médio de hortênsias lilases.
O arranjo era belo demais para serem flores colhidas por um pai agradecido. Incerta, apanhou as flores. Sem surpresa alguma, notou um cartão acoplado;
Ainda é sua cor favorita?
Nenhuma assinatura. Não era necessário.
Estendeu de volta.
-Ele disse que se eu trouxesse de volta, não receberia.
-Então façamos o seguinte; você pega de volta e joga fora no caminho. Ou dê para sua mãe, ou uma namoradinha.
-Ele disse que a senhorita diria isso também. Adeusinho. – E partiu sem pegar as flores.
Helena observou a planta sem saber o que fazer.
Jogar fora era seu primeiro impulso. Mas eram tão bonitas... E lilás ainda era sua cor favorita. E o desgraçado sabia disso.
Mas como explicar para a mãe o presente?
"Essa história não te faz bem nenhum, Helena. Fica fora disso."
Estranho como certas lembranças não desapareciam mesmo tanto tempo depois de vividas. Felizmente, ela já havia aprendido a lição.
Retirou as flores do papel caro e distribuiu entre as crianças, sentando-se novamente com as pernas cruzadas, continuando sua aula.

☆☆☆

Melissa passou as últimas semanas incentivando Bianca a encontrar um bom pretendente e aconselhando-a também. E convenceu Henrique a cortejá-la por uma quinzena e alguns dias a mais. Não poderia casar-se antes de Bianca ou colocaria tudo em risco. Ficara óbvio para ela que se dependesse de Henrique, eles já estariam casados. Ele era extremamente apressado, e precisou ser orientado sobre as regras do cortejo.
-Pode me cortejar em público. É uma excelente forma de oficializar tudo. – Contara ela pouco tempo após receberem permissão de Conrado para o namoro.
-Não gosto de me exibir. – Comentou em tom suave.
-Eu adoro. – Sorriu, divertida. – Lamento, mas terá que conviver com meu gênio terrível. Sou muito exibicionista.
-Algo mais que deva me contar ao seu respeito? Talvez eu queira reconsiderar.
Mel Riu.
-De jeito nenhum. – Pigarreou, lembrando-se da Srta. Ferraz. Logo se recompôs e manteve o sorriso charmoso. – Se pensar em retirar o pedido, temo que seja desafiado para um duelo. Ou obrigado a retratar-se.
Um minúsculo sorriso despontou nele. Quase imperceptível.

Quase.

☆☆☆

Ela era uma das mulheres mais lindas que já vira.
O cabelo era uma nuvem de cachos escuros, pendendo sobre as costas, amarrados com uma fita simples. A saia sem anáguas e várias camadas delineava um corpo escultural. A pele era clara demais para ser negra, e escura demais para ser branca. Havia uma graça natural nela enquanto se movia.
Ela encantava todos no bar, sem perceber. Concentrada demais no trabalho.
Encantado, ficou observando-a enquanto esperava pelos amigos que não via há muito tempo, após receber um copo de cerveja.
Por conta do calor, retirou o paletó e o pendurou na cadeira.
Depois de tanto tempo no exterior, desacostumara-se com o calor do Brasil. Voltara para casa há poucos dias, e ainda estava se habituando a uma rotina que não envolvia estudar e ler sem parar.
A moça bonita não parava em um só lugar, varrendo, carregando bandejas, lavando louças ou guardando dinheiro.
Perguntou-se como poderia se aproximar. Ela era linda demais para passar por sua vida assim, tão casualmente.
-Ora! Se não é nosso almofadinha metido á estrangeiro! – Carlos o estapeou levemente no ombro, despertando-o de seu devaneio.
Ao reconhecer os rostos de seus melhores amigos, Carlos e Otávio, levantou-se de imediato e abraçou ambos, gargalhando.
-Dr. Almofadinha, por favor. – Corrigiu. – Agora estão falando com um doutor de renome.
-Renome eu não sei, mas com certeza está mais arrogante. – Brincou Otávio.
-É mesmo um doutor? – Indagou Carlos. – Tenho minhas dúvidas. Talvez tenha passado os últimos cinco anos farreando por Londres atrás de barras de saias.
A única saia da qual ele estava atrás, era a da mulata encerando o balcão.
-E por que não as duas coisas?
Ainda entre frases rápidas e comentários divertidos trocados, sentaram-se;
-Meu pai bem queria que eu me tornasse um doutor de alguma coisa, mas quem cuidará das fazendas? – Contou Otávio.
-Vocês dois reclamam de barriga cheia. A senhora minha mãe ainda reclama dizendo que eu deveria ter sido um padre.
Não conseguia deixar de sorrir, tamanha era sua saudade de sua família e amigos próximos. Fizeram os pedidos á um rapazote que trabalhava ali, que levou até a rapariga.
-Sente falta da Inglaterra?
-Só do frio. Vai demorar até conseguir andar de paletó pelas ruas novamente sem derreter.
A jovem trouxe, momentos depois, seus pratos e copos, silenciosamente, e retirou-se tão rápido quanto veio.
Os três a avaliaram.
-Um caramelo, não acham? – Carlos bebericou sua cerveja.
-No ponto certo. – Completou Otávio.
Sentiu-se intrigado;
-Já provaram?
Os dois se entreolharam;
-Eu bem que gostaria, mas o docinho já tem alguém para degustá-la. – Indicou levemente com a cabeça para um homem que aparentava estar na casa dos quarenta anos, sentado em uma mesa longínqua. – Ele vem quase todo dia checar se ela tem outro.
-Por que ela fica com um velho ensebado como ele?
-Dinheiro. – A resposta soturna de Carlos quase se perdeu em uma garfada de sua torta de frango tradicional.
-Todos nós o temos, ora. E muito mais juventude e beleza.
-Agradeço pelo elogio. – Otávio piscou zombeteiramente. – Se quiser tentar a sorte, e se acha que ela pode com dois...
Pensou na possibilidade.
-Se tiver a mim, não precisará do senhor ali.
Os amigos riram, em diversão.
-Vamos ver, então. Vá lá.
Suspirou.
-E é por isso que você nunca conquistou mulher nenhuma, Otávio. Uma boa caça é demorada. É preciso observar a presa, chamar a atenção dela, ser paciente, estar atento, e então... dar o bote. – Assistiu a garota soprar um cacho de cabelo para longe da testa.
E que bela presa.

☆☆☆

As meninas Albuquerque estavam na residência dos Ferraz, no meio de uma conspiração amorosa.
-Ele pediu á papai permissão para me cortejar, imaginem só! – Bianca deu um pequeno risinho envergonhado.
Luísa estava séria;
-E você tem certeza disso? Digo, gosta dele tanto quanto ele gosta de você?
-Luísa. – Ralhou Melissa. – Você vai assustar Bianca com toda a sua profundidade de sentimentos.
Lu fulminou-a com um olhar que apenas as duas entenderam;
-Apenas estou preocupada com a felicidade de Bia. Não é isso que amigas fazem? Aconselham?
Melissa calou-se.
-Mesmo que eu goste muito dele e ele de mim, não há nenhuma garantia que funcionemos como um casal. Só posso dizer que ele é muito simpático, e trata-me muito bem. – Corou.
-Então já temos muito caminho andado. – Animou Mel.
-Apenas saiba que você pode mudar de idéia. Casamento é algo muito importante para não se pensar bem.
-Lu, eu não sou tão boba assim. E papai quer que eu seja feliz, acima de tudo. Ele vai apoiar qualquer decisão minha.
-Você é uma moça de muita sorte. – Os olhos escuros de Melissa brilhavam tanto quanto seu sorriso.
-Concordo. Tenho duas amigas maravilhosas. – Estendeu as mãos para ambas, apertando-as. A mais velha pigarreou, enquanto Lu mordeu o lábio ligeiramente.
-Na verdade, - Bia pensou. – me surpreende muito você não ter um noivo, Mel... Também está escolhendo?
-Entre a maior vantagem? Com certeza. Não há o menor pingo de romantismo em mim. Luísa ficou com toda essa parte. Ela não encontrou nenhum rapaz perfeito para ela.
-Bem, se eu consegui um namorado, vocês com certeza conseguirão.
-Melissa já teve um. Um canalha.
-Luísa.
-É um assunto delicado, desculpe. Ela detesta falar sobre isso. - Contornou a irmã mais nova.
Os olhos castanhos de Bianca enterneceram-se;
-Mas o que aconteceu?
-Nada de mais. Ele casou-se com outra por amor. Algo que eu jamais entenderei.
-Sinto muito. – Ela logo procurou por outro assunto. – Contei que eu e Lu faremos parte de um clube de leitura? Queria convidá-la, mas provavelmente não vai aceitar...
-Correto. – Levou uma xícara de chá aos lábios, encerrando o assunto anterior.

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