Era um dormitório enorme, e duas crianças estavam ali, dois garotos, distintamente se comportando e agindo, onde um se encontrava cabisbaixo e calado de costas para o outro, e de frente à parede sem graça. Mas, já o outro garoto, arrumava animado e bastante feliz a uma pequena maleta, enchendo-a de roupas e alguns dos seus poucos brinquedos, quebrados e sujos. E fora do dormitório, mas observando tudo lá dentro, um homem e uma mulher conversavam baixo um ao outro.

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— Você disse que havia gostado do mais quieto. - Lembrou o homem.

— É, mas não sei... Todas as outras crianças disseram ter medo dele!

— Como poderiam? Não é sobrenatural, é?

— Não, apenas frio e impaciente, antissocial e meio esquizofrênico.

— Todos querem ir embora daqui. Vai mesmo acreditar nas outras crianças?

— 20 vezes.

— O quê?!

— Foi o que as funcionárias disseram, aquele garoto foi recusado 20 vezes.

— Coitado.

— Coitado?! Deve ser um futuro psicopata, isso sim.

— Bem, psicopata ou não, ele tem um coração. Só espero que consiga sair daqui algum dia, e ser bem sucedido talvez.

— Hum, você devia dizer isto para o nosso novo filho ali. - Apontou para o outro garoto. – Já terminou com as malas, rapazinho? Venha para a mamãe.

E assim, correu o garoto feliz com a maleta, para os braços de mãe. A felicidade estava no sorriso do garoto e de seus pais, e a tristeza na parede e no olhar do outro, que continuou cabisbaixo, e deixando lagrimas escorrerem por suas bochechas. Mas a tristeza encontrava-se em outros lugares também, como em uma solitária galeria, enorme e fria, onde o velho Felix admirava agora de olhos sedentos por atenção ao seu tão precioso objeto de imponência, o tão caótico Juiz Das Estrelas. A ferramenta que ele faria com que todos o-escutassem.

— Por que você voltou para mim? - Pergunta Félix à máquina. – O seu julgamento caiu sobre o mundo, tudo foi recolocado em algum lugar novamente. E você voltou. - Continuava encarando. – Por quê?

Obviamente, o Puritano Cego nada iria responder, era uma máquina, semi-consciente... Porém, sem qualquer capacidade de expor a opinião que fosse.

— Acho que nós pensamos igual. - Esperava respostas. – Somos iguais. Nunca irá me responder, mas sei que pode me ouvir. Bom... Na verdade não sei, mas tenho esperança. - Admirava o brilho da abóboda da peça. – E tenho algo que sei de que irá gostar.

Trazendo uma espécie de cadeira de rodas, cheia de cabos, aparelhos eletrônicos e com um tipo de capacete metálico, apresentava sorridente aquilo, para a outra coisa.

— É assim... - Sorri. – É assim que conseguirá me ouvir. Está me escutando?

Gargalha vestindo o equipamento.

***

Olhando pensativa através da janela da van e enquanto ia sentindo o leve balanço da viagem, Grace pensava em toda a história que Dodo havia lhe dito, sobre o que havia acontecido com todos os que sumiram do mundo, e sentia-se agora absolutamente culpada ou fracassada. Não estavam indo para lugar algum em especifico, estavam apenas tomando distancia de Felix e seus homens, e encostava agora a van, entre algumas arvores na beira da estrada. Lá dentro, entre os muitos equipamentos e a sua bagunça, Dodo preparava agora um café em um mine fogão, e servia à colega abatida.

— Obrigada. - Agradeceu Grace.

— Não fique triste! Não foi sua culpa.

— Não é por isso.

Dodo esperava uma resposta. A ruiva esclarece:

— É que eu fico pensando... E se ninguém nunca mais puder voltar? E o Doutor? E todos? E o mundo, como ficará?

— Problemas... Sempre ocupando a nossa mente, mas eles não merecem a nossa mente, pense em outra coisa.

— Você faz isso?

Dodo desvia o olhar à janela:

— Tenho que fazer! Estão sempre atrás de mim. Mas agradeço, foi um problema que me fez conhecer o Doutor. - As duas riam.

— Comigo também.

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— Acho que com todas!

— O Doutor até disse que você havia morrido.

Dodo toma um olhar desconfortável. Grace continua:

— Eu também morri um dia! Porém por incrível que pareça ainda estou no mundo real. Mas e você, como foi?

— Uma história de amor e ódio.

— São as minhas favoritas.

— Mas não as minhas, por que precisamos de ódio?

— Bem... Não precisamos. Mas somos assim, foi para isso que a nossa raça acabou evoluindo.

— Ou foi induzida. Quer saber como eu fui e voltei?

Grace confirma com a cabeça. Dodo revela:

— Vamos lá, acidente de trabalho. Mas na verdade, só o cotidiano, foi um dos seguidores do Mestre, ele me matou. Eu estava no caminho dele.

— Coincidência... Foi o Mestre que me matou também! - As duas gargalham.

— Então somos meio parecidas, só espero que não acabe como eu.

— E como você acabou?

Dodo permanecia calada, no seu olhar, apenas coisas como talvez... Decepção, arrependimento, cansaço e até temor, as suas ambições, capacidades e saudades buscavam alguém do seu passado, e nestes momentos... Ela se sentia até mesmo como o próprio Doutor.

— Continuando. - Diz Dodo. – Eu estava morta e estirada realmente, mas eu tinha alguém que nunca desistiria de mim.

— Era o Doutor?

— Não, ele era jornalista, não médico.

Grace se expressava saliente com as sobrancelhas. Dodo envermelha-se:

— Não! Pare de me olhar assim.

— Continue, é uma das primeiras histórias de amor que ouço desde que entrei na TARDIS!

— Enfim, ele voltou no tempo por mim, usou o Anel do Tempo, e... Ele me salvou.

— E o que mais? Casamento?

Dodo sorria chateada:

— Sim.

— Todos precisaremos disso um dia.

— Mas com missões mesmo assim, e brigas, e um filho.

— Filho? E as missões não acabaram? Como conseguiu tempo?!

— Parando aos poucos. - Dava uma pausa. – E depois de cinco anos de família, tendo o meu filho levado, sendo culpada, e abrindo mão do meu amor.

Grace desfazia imediatamente o seu vibrante sorriso, parecia uma história tão bonita a que Dodo havia tido, mas mesmo assim... Nada é tão perfeito o quanto parece, ou dura o quanto queríamos.

— Eu sinto muito. - Lamenta a médica, acabando de tomar o café. – Mas o seu filho...?

— Eu não sei, eu não sei onde ele está. Mas não, não foi o Ditador que o-levou, e é por isso que eu continuei nesse ramo, descobrir. - Tentava continuar. – Descobrir se quem levou ele foram os alienígenas ou... A brutalidade humana.

Grace apenas encarava o chão, sabia que o tempo todo na TARDIS elas estavam cercadas por aliens perigosos, porém, conhecia também e muito bem a maldade do seu povo.

— De onde você tira forças? - Pergunta Grace. – Para continuar, de onde vem?

— Desse café. - Levanta a xícara. – E de umas visitas num álbum de fotos, ou de encarar o espelho todo o dia de manhã.

— Mas e o seu marido, onde está?

— Com a esposa e filhos dele, tive que abrir mão disso. Ele nunca aceitou o meu trabalho, e eu tinha que continuar com isso, indo em busca de nosso filho. Ele desistiu, ele é ele, homens sempre são os primeiros a desistirem.

— É. - Encara triste a vista da janela. – Mas conhecemos um homem que é diferente.

— Sim, mas não apenas exatamente “um homem”, ele é a pessoa mais diferente, diferente de qualquer um. A pessoa mais bondosa, corajosa e amargurada, e o mais humano de todos no mundo. Porém, tendo que ser um alienígena.

— Mas ele sumiu. - Paravam um minuto caladas. – E há outra coisa errada nisso, eu estou sendo punida, mas você e Felix ainda se lembram dele.

Dodo revela um cordão envolta de seu pescoço, usando uma chave como pingente.

— O que é isso? - Pergunta Grace.

— A chave da TARDIS, acho que é ela quem está me protegendo.

— Mas a TARDIS foi embora pela alteração que o Castigador faz, como uma de suas chaves poderia ainda estar aqui? E por que eu também não tenho uma?! - Grace observa a peça.

— Porque o Doutor é muito desconfiado, espero que ele fique mais liberal algum dia! E eu também não tenho, tive que rouba-la do tumulo do Jamie, outro amigo do Doutor. Acho que a chave só não foi embora também porque mesmo com tantas alterações, alguma falha sempre deve restar, um pequeno cisco sempre consegue passar por uma peneira.

— E Felix, por que ele ainda sabe quem sou eu?

— O Puritano é semi-consciente, porém isto ainda é uma consciência, ele tem desejo de castigar, e Felix também, então com certeza modificou todo o espaço-tempo ao seu redor de acordo as suas necessidades. E já que o Doutor sumiu, ele nem deveria estar aqui, mas ele é esperto.

— E ele tem todo este poder?! O mundo, como fica? O universo aceita isso?

— Nem sempre, a natureza não consegue se reajustar completamente. E vemos todo este efeito por aí... Todos estes desastres naturais intensificados na virada do século, o aumento de doenças, e até o aquecimento global.

— Aquecimento global?! Bem, pode até ser, mas temos sim culpa em um monte de coisas. Mas se for assim... Faz todo o sentido aquilo que eu e o Doutor vimos. - Tomava olhos distantes. – Consigo me lembrar agora.

— O que vocês viram?

— Um mundo em ruínas, o Mundo da Antiga Era. Estava acabado, e aquele era o mundo do Puritano, era um mundo de descendentes de “deuses”, como se acabariam?

— Pelo Ditador. E é assim que acabará a Terra, desastres e mais desastres acontecerão, e temos um bem perto daqui.

— Do que está falando?

— Um furacão.

Grace encarava desentendida. Dodo explica:

— Sim, eu sei, na Califórnia não acontecem furacões! Mas como já discutimos, a natureza é sensível, e as leis do universo não irão digerir tudo o que o Ditador lhe oferecer.

— E não podemos fazer nada a respeito?

— Podemos, mas não significa que iremos conseguir. Mas se não revertermos isto logo, amanhã um furacão com ventos de aproximadamente 380 quilômetros por hora arrasará a sua cidade.

— Então vamos tentar trazer o Doutor! Você tem a chave da TARDIS, o Doutor me contou uma vez que... Energizando a chave por um certo fluxo de energia podemos chamar aquela nave!

— E você acha que eu nunca tentei?

Grace desmanchava completamente a sua face de esperança. Dodo finaliza:

— Estamos sós, Grace.

E antes de alguma frase indignada que a doutora poderia lançar, um estarrecedor som rouba completamente a atenção das duas, e o rádio começava a tocar sozinho, porém, não transmitindo músicas, e sim, transmitindo uma linguagem completamente desconhecida.

— Quem está falando isso? - Pergunta Dodo, se voltando para o rádio.

— Conheço essa voz! - Tentava ouvir melhor. – São os Minocrisos, eles chegaram. - Arregalou os olhos.

— E como nos acharam?!

— Não acharam, acho que isto não é para “nós”, é para o mundo inteiro. Afinal, o Juiz está escondido pelos equipamentos de Felix, não sabem onde ele pode estar exatamente.

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E aos poucos, as estranhas vozes acabavam se familiarizando, e estavam completamente legíveis às humanas.

— Aliens falando inglês, sempre é assim. - Diz Dodo.

— Tradução universal básica. - Escutavam atentas.

E em todos os rádios, televisores e telefones em geral, ouvia-se a mesma mensagem:

— Entreguem o Juiz, entreguem o Juiz. Tempo, uma hora, tempo, uma hora. Entreguem, entreguem, nossa propriedade, nossa propriedade. Contrario, tomar a força, contrario, tomar a força. - Continuava-se a repetir.

— Querem o Juiz, o que faremos? - Pergunta Grace. – Não podemos entrega-lo, eles também não possuem boas intenções.

— Mas também não podemos entrega-lo ao Felix. O que me faz perguntar, o que faremos?! As naves desses... Minocrisos já estão em orbita, e quando o tempo que deram acabar... Invadirão o planeta.

— E além de tudo, Felix está com meu amigo. Acho que talvez seja a hora de descobrirmos o que é isso então. - Grace tira de seu casaco o estranho aparelho que Mark havia lhe dado. – Você sabe o que é isso? Um amigo achou em um círculo no trigo. Tem alguns caracteres, mas não dá para entender. - Entregava a Dodo.

— É claro que dá! - Dodo observava os botões. – A tradução dos Minocrisos, deve ter sido ela, traduziu isso também!

— Então isto deve ser deles!

— Não, é melhor, aqui diz... “Sinalizador de área criminal”, e sendo assim, possivelmente são dos...

— Rinocerontes armados, a polícia do espaço.

— Você resume muito bem!

— Mas não podemos simplesmente chama-los!

— Por que não?!

— Começariam uma guerra! Eles e os Minocrisos lutando até a morte pelo Ditador, e a Terra sendo o campo de batalha. Temos que dar outro jeito, isto só pode ser a última escolha.

— Você já se aventurou muito, não é? Vejo dedicação e coragem em sua voz.

— Não estou há tanto tempo na TARDIS, mas já pascei muitas coisas com o Doutor. Aprendi coisas, e fiz coisas, já vimos um pouco de tudo. E além disso, sou médica! Tenho que ter coragem, as pessoas sempre entregam as suas vidas nas mãos de um doutor.

— Então você sabe o que faremos agora.

— Sei. - Respira. – Dar uma escolha ao inimigo.

***

E após ter recebido uma ligação minutos atrás, e já estando impaciente, tentava agora fugir do estresse, em sua sala, fumando charuto, e andando de uma lado para o outro, era isso que Felix fazia.

— Elas são sempre assim. - Soprava a fumaça, e Tim acabava tossindo. – Por que a sua namorada está demorando?

Tim responde:

— Ela não é minha namorada.

— E por que não?

Tim tentava imaginar uma resposta:

— Porque... Porque ela é muito ocupada? Ela é a senhora sem tempo.

— Que argumento mais patético. - Riu.

— Ou talvez porque... Porque a Grace não é assim.

Felix olhava desentendido. O ruivo prossegue:

— Ela é legal, divertida e... Bonita. Mas ela não sai com qualquer um, e sei que eu sou um desses.

— Então são “amigos”? Nunca entendi esta palavra.

— O senhor já teve um amigo?!

Felix encara feio. Tim conclui:

— Todo mundo precisa de um amigo.

— Amigo... É isto que irá leva-lo para o fundo do poço, é por causa de um “amigo” que você está aqui até agora, e é por causa de um amigo que você com certeza nunca mais sairá!

Encarando sem respostas, Tim desviava o olhar para a porta da sala.

— Pois o Tim está certo, Félix. - Chegava Grace. – Atrasada?

— Muito! - Soprou fumaça.

— Grace?! - Berra Tim, alegre.

— Eu! - Correspondeu, correndo para abraça-lo. – Você está bem?

Felix revirava os olhos. Tim avisa:

— Estou, mas não posso abraça-la. - Estava sentado em uma cadeira e de braços para trás. – Algemas.

— Ah sim, sempre algemas, alguém sempre tem que ter uma por aí! - Comenta Grace, sem jeito.

— Tem?!

— Esqueça isso.

— Temo que terei que interromper os dois.- interrompe Felix. - Mas preciso saber... Irá colaborar agora, doutora Holloway?

— Acho que ainda não.

Felix suspira impaciente. Grace avisa:

— Vim fazer com você o que eu sempre fazia nas horas vagas da faculdade. Conversar muito.

Após um falso sorriso, e ao invés de uma resposta, Felix apenas joga o seu charuto na lixeira. E nos computadores e televisões daquele prédio, cidade e planeta, a contagem da última hora da raça humana tomava inicio.