Academia da Pena (Interativa)

Capítulo 4 - Se Estabelecendo


Depois da biblioteca, Carissa guiou o grupo até as últimas salas do piso térreo.

A primeira era a sala de debates.

— Aqui, os aspirantes interessados podem se juntar em horários específicos para discutir sobre diversos tópicos. Isso será explicado mais a fundo em sua primeira palestra sobre o tema, mas por agora basta dizer que isso tem muito a ver com a Escrita Imersiva - explicou a guia, apontando para as diversas mesas circulares dispostas ali.

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Depois, eles foram às salas de palestras. Elas não eram muito diferentes das salas em que Evanna ficava nos anos em que estudara fora de casa; uma mesa bem à frente de um grande quadro negro e, de frente para ela, diversas mesas menores, agrupadas aos pares.

— Nesta sala, alguns dos nossos ex-aspirantes e outros voluntários com experiência na área farão apresentações sobre temas diversos, bem como teses e teorias que possam ser relevantes para a escrita de ficção. - continuou ela. - Cada um deles possui um jeito próprio de passar conhecimento adiante, mas de maneira geral, nós valorizamos muito as discussões multilaterais e ensino baseado na interação, então não tenham medo de participar e expor sua opinião a respeito do tema tratado.

Carissa explicou também que uma lista com os temas e horários de todas as atividades, incluindo as palestras e debates, seria disposta na sala de estar semanalmente, e que sua participação nelas não era obrigatória. O único requisito para que se pudesse permanecer na Academia até o próximo semestre era que eles demonstrassem algum tipo de desenvolvimento em suas habilidades literárias, o que seria julgado pela responsável pelo grupo - no caso, a própria Carissa - e alguns outros funcionários da instituição.

Havia poucas formas de se ser expulso no meio do período letivo. Uma delas era receber um número de marcações superior a três, sendo essas marcações atribuídas segundo o descumprimento de algumas regras simples, entre elas a de não-violência verbal ou física, não retirar livros da Academia sem permissão prévia, respeitar os voluntários e funcionários permanentes e temporários da instituição e outras semelhantes.

Curiosamente, o caminho para fora da última sala de palestras dava justamente para a primeira sala em que chegaram quando chegaram à Academia, antes de Carissa buscá-los; eles tinham feito um círculo completo. Calculando mentalmente, Evanna deduziu que isso, somando o corredor da entrada principal e o que pegaram para a sala de estar, totalizava três das quatro saídas visíveis na área inicial.

Carissa confirmou essa dedução imediatamente:

— E por último, do outro lado desta passagem, vocês chegarão aos jardins. - disse ela, apontando para o corredor oposto ao da entrada. - Vocês podem dar uma olhada assim que eu designá-los para seus dormitórios.

Dizendo isso, Carissa parou, pensou um pouco e levou as mãos à cintura.

— Bom, acho que isso conclui nossa incursão. Caso tenham qualquer dúvida, podem encontrar a mim e aos outros funcionários na sala onde fizeram o teste de admissão, nas salas de atividades ou em nossos dormitórios, que ficam no segundo andar na ala oposta à dos de vocês. Alguma pergunta?

No momento, nenhum dos aspirantes veio à frente, imersos em euforia e ansiosos para explorarem mais as áreas a que haviam sido apresentados.

— Certo. - sorriu Carissa. - Então, vamos aos dormitórios.

.

O quarto era simples, mas confortável.

As paredes eram cor de creme, e o chão, de madeira envernizada. A mobília consistia basicamente no essencial: duas camas, duas cômodas médias, duas estantes esguias, duas mesinhas de cabeceira e um par de escrivaninhas com cadeiras simples. Ambas as escrivaninhas também tinham singelos candelabros para uso pessoal, independentes da lâmpada elétrica mais potente e centralizada no meio do teto.

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Como Carissa tinha explicado, Evanna podia ver a porta para o banheiro simples e pragmático que elas dividiriam com uma outra dupla. As duchas se encontravam do outro lado do andar e eram separadas por gênero, bem como os respectivos vestiários anexos.

Ao olhar em volta com entusiasmo, Evanna passou mentalmente as mudanças que faria no lugar dos móveis e como arrumaria seu lado do quarto.

Então, momentaneamente puxada de volta para a realidade, lembrou-se de sua colega de quarto que, de pé ao seu lado, também devorava o quarto com o olhar, provavelmente calculando espaços e mentalmente trocando objetos de lugar.

A garota não parecia ser muito mais nova que Eva, e era apenas uns poucos centímetros mais baixa. Tinha uma pele marrom leitosa que era difícil não associar a uma caneca de chocolate quente, e cabelos crespos escuros cujas tranças minuciosas caíam-lhe até o meio das costas.

Ao perceber que era observada, a garota devolveu o olhar. As duas se encararam momentaneamente, sem saber como começar.

Por fim, a outra garota gesticulou vagamente na direção do lado direito do quarto.

— Ãh, se importa se…? - perguntou.

Eva levou alguns instantes para compreender.

— Não, fique à vontade - disse ela, sacudindo a cabeça para enfatizar.

A garota deu um sorriso discreto em agradecimento e arrastou suas bagagens até a nova cama, onde abriu uma das malas e começou a retirar seus pertences.

Seguindo seu exemplo, Eva ergueu suas coisas do chão e levou-as até seu lado do quarto. Sem pensar duas vezes, abriu a mala com seus livros preferidos e cadernos pessoais e pôs-se a arrumá-los na estante que lhe fora atribuída. Agora que os tinha à mão novamente, se sentia menos como um espécime fora de seu habitat natural e mais como uma futura escritora pronta para sair por aquela porta e absorver o máximo de conhecimento possível em seu tempo ali.

Naturalmente, Borboletas recebeu uma posição de honra na mesinha de cabeceira.

Enquanto arrumava as roupas na cômoda, Evanna notou que sua colega tinha vários livros de história. Eva nunca tinha se sentido especialmente atraída pelo tema, mas mesmo assim alguns dos títulos chamaram sua atenção. Talvez ela pudesse pedir alguns emprestados em alguns dias ou semanas, quando elas já estivessem mais acostumadas à presença uma da outra.

Assim que terminou de arrumar suas coisas, Eva sentou-se em sua nova cama e olhou em volta. Satisfeita, sorriu.

Agora que estava estabelecida em seu novo dormitório, ela tinha mais uma tarefa a cumprir.

Lançando um olhar de relance à colega, percebeu que ela ainda estava imersa nos últimos detalhes de arrumação. Fazendo uma anotação mental para perguntar seu nome mais tarde, atravessou o quarto até a porta que dava para o corredor e saiu, fechando-a às costas silenciosamente.

Por um breve momento, esqueceu-se se deveria virar à esquerda ou à direita, mas rapidamente se lembrou e seguiu pelo corredor direito até a saída para a passarela.

Se não estava se confundindo, Carissa dissera que ela poderia encontrar os funcionários na sala do teste de admissão. Também dissera algo sobre dormitórios, mas embora não houvesse relógios ou janelas em seu quarto, Evanna tinha a impressão de que ainda era muito cedo para que as pessoas já estivessem se recolhendo.

Ao descer as escadas, por duas vezes ela teve que dar um passo para o lado para evitar trombar com pessoas extremamente concentradas em suas leituras, uma imagem que refletia muito como ela mesma ficava quando estava imersa em um bom livro. Finalmente no térreo, não foi difícil encontrar o corredor certo.

E finalmente, a porta.

Por um momento, ela ficou parada, sem saber o que fazer. A porta estava fechada. Ela deveria bater? Deveria abrí-la? E se estivesse interrompendo alguém?

Nesse momento, ela ouviu uma voz atrás de si.

— Você vai entrar?

Evanna virou-se e deu um passo para o lado para sair do caminho.

Era uma moça mais ou menos da sua idade. Ao ver Eva, ela deu um sorriso de reconhecimento.

— Ah! Você é uma das novas aspirantes, não é? - perguntou. Ela tinha uma pele morena e cabelos escuros curtos acima da altura do queixo. Sua franja reta quase cobria-lhe o olho esquerdo por baixo dos óculos circulares de armação fina. - Eu vi você passando com o grupo pelo salão mais cedo. Precisa de ajuda?

— Na verdade, sim. - admitiu Eva, agradecida. - Eu queria saber se aqui tem algum telefone que eu possa utilizar…

— Nesse caso, veio ao lugar certo. - riu a moça, girando a maçaneta. - Aliás, me chamo Madeleine. Maddie, se preferir.

— Evanna. - respondeu Eva.

— Prazer em conhecê-la, Evanna. - cumprimentou Maddie, e abriu a porta.

A sala estava bem diferente do que Eva se lembrava. Várias das cadeiras e poltronas onde os aspirantes esperavam para serem testados tinham sido retiradas, sobrando apenas algumas poucas encostadas às paredes. A mesa de que se lembrava ainda estava ali, mas ela não estava mais minimalista e organizada como antes; agora, pilhas e pilhas de folhas de papel se acumulavam sobre pastas e fichários de uma forma nada estável.

O resto da sala não estava muito diferente, mas em vez das folhas e cadernos soltos, várias caixas de arquivos se amontoavam em pilhas que faziam menção de cair à primeira brisa. Etiquetas mais ou menos caprichadas e anotações bem menos caprichadas distinguiam-nas umas das outras, as últimas principalmente.

No fundo da sala, ela viu algo que tinha deixado passar em sua última visita ali. Dois telefones aparentando uma idade respeitável estavam presos à parede ao lado das janelas.

Surpresa, Evanna percebeu que o lugar estava vazio, diferente do que imaginava.

— A essa hora, eles devem estar beliscando café e biscoitos na cozinha. - explicou Maddie, como se lesse sua mente. Ela parecia se divertir com isso. - Devem estar de volta em poucos minutos.

Evanna assentiu, compreendendo.

Maddie se inclinou sobre a mesa bagunçada e dedilhou algumas das pastas, até encontrar a que procurava. Colocando-a debaixo do braço, virou-se para Eva.

— Fique à vontade. Não precisa usar nenhum dígito especial para ligar; é só digitar o número que já vai.

— Entendi. Obrigada pela ajuda - agradeceu, sorrindo.

— Disponha.

Com isso, Madeleine saiu da sala, deixando-a a sós.

Evanna virou-se para o telefone da esquerda e retirou-o do gancho. Primeiro, digitou o código regional e esperou. Um sinal tocou, anunciando que podia digitar o número. Ela quase não o tinha usado nos últimos anos, mas de alguma forma ele ainda estava lá, em algum cantinho escondido de sua memória.

Finalmente, uma voz familiar atendeu. Evanna sorriu, um pouco melancólica; ela só estava longe fazia um dia, mas já estava com saudades.

— Oi, vó.