Aprendendo a Recomeçar

Isso é uma péssima ideia.


“Só eu sei das noites que eu passei em claro, só eu sei

Eu precisei do seu abraço e vacilei

Se ao menos eu tivesse o seu carinho

Eu não me importaria de viver sozinho

Hoje eu não saí de casa, não vejo nada

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A porta está fechada eu só queria ver você voltar

Pra ver se tem um pouco de paixão

Pra ver se brotou no seu coração o amor que eu plantei”

Se Tem Paixão — Matheus e Kauan.

Deve ter quase vinte e quatro horas que estou trancada em meu quarto, e passei boa parte desse tempo acordada, chorando e xingando. Só sai para ir ao banheiro e comer, por que não tem briga que me faça desistir da comida. Encaro o teto onde foram pintadas estrelas e aperto o pingente de madeira que o infeliz responsável por minhas lágrimas me deu. Durante esse último surto disse a mim mesma que o destruiria a dentadas e depois jogaria os restos pela janela, mas mudei de ideia no instante seguinte, isso só me faria ter mais trabalho ao ir buscá-lo no andar de baixo.

Era mais fácil eu me livrar do meu celular que desse colar, brinquei com o pingente e quase o joguei mesmo pela janela quando batidas na porta me assustaram.

- Você mofar aí não vai resolver seus problemas – Alice disse do outro lado e grunhi. – Isso, muito maduro da sua parte, Cordélia. A tia está trazendo bolo e café então é bom abrir a porta se não como a sua parte bem aqui na porta.

Arrastei-me até a porta e a abri, Alice sorriu e eu revirei os olhos.

- Só estou fazendo isso por causa do bolo.

- Eu sei – ela respondeu se sentando na minha cama, voltei para a confusão aconchegante das minhas cobertas. Alice me olhou curiosa.

- O que aconteceu ontem? De verdade. Você passou daquele jeito e se trancou aqui desde então e Theo foi embora antes que pudéssemos se quer perguntar o que aconteceu.

- Ele foi embora?

- Hugo aluga um apartamento na vila e quando Theo quer “dar um tempo” como diz ele, ele vai pra lá. É pra onde eles levam as piriguetes com quem ficam também.

- Você adora o lugar em? – quase consigo sorrir, Alice faz careta.

- Não é como se me convidassem com frequência. Acho que só fui lá duas vezes.

- Durante todo o tempo em que conhece Hugo?

- Bem, sim – ela parece envergonhada. – Eu disse a você, eu sou só a irmãzinha. Mas você está me dando voltas e mais voltas e nada de me contar. O que aconteceu?

- Não quero falar sobre isso – resmungo cobrindo o rosto com um travesseiro. Minha vida era tão mais fácil antes de papai me mandar para esse fim de mundo.

- Você ignorar não faz o problema sumir, acredite, eu tentei fazer isso com os meus – Alice diz puxando o travesseiro e o abraçando antes de se deitar ao meu lado para olhar o teto estrelado. – O que aconteceu?

- A gente se beijou.

- Sério? – ela apenas vira a cabeça para me olhar e faço que sim. – Achei que gostasse dele. Se vocês se beijaram, por que ele saiu puto e você passou a tarde chorando? Eu não entendo.

- Sinceramente nem eu, Lice. Quer dizer, ele me magoou e me trocou, mas ontem o jeito que ele falou, quase fez parecer que a culpa foi minha. Eu provavelmente ainda sou apaixonada por ele e a gente se beijou e brigamos e foi isso, e meu pai dizendo que vir aqui ia ser bom pra mim.

- E está sendo, pelo menos para o Theo está sendo – a voz de tia Beth nos alcança e eu e Alice nos sentamos no susto, a tia sorri e mostra a bandeja que tem nas mãos com café, leito, bolo e biscoitos. Ela vem até a cama e nos estende a bandeja. – Eu não vou fazer mais isso, então aproveitem.

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Alice já pegou um biscoito e eu me limitei a sorrir para tia Beth.

- Obrigada, tia. Mas o que quis dizer quando disse que essa confusão fez bem ao Theo?

- Ele tem sorrido mais dedes que você chegou, está menos rabugento. É um pouco mais o Theo de antigamente e até tem voltado a dedilhar no violão. Você faz bem a ele Cordélia, de um jeito bem louco, mas faz. Faz bem a ele de um jeito que só você consegue. E sei que a pesar e tudo, ele também faz bem a você.

- Como eu faço pra esquecer, tia? – pergunto sem saber lidar com suas palavras. Dói saber que fazemos bem ao outro tanto quanto nos machucamos. – Como faço pra não me lembrar de nada do que a gente viveu? Como eu faço pra parar de doer mesmo depois de tanto tempo?

- Se foi verdadeiro, se foi real, você não vai esquecer, a dor ou o sentimento não vão sumir, mas vai abrandar, se tornar menor, menos dolorido, mas não vai desaparecer. Mas sei que você é forte o suficiente pra saber o que fazer com tudo isso, você sempre foi, Cordélia – ela diz com seu olha doce e me beija a testa. Agarro-me a tia Beth num abraço que não sabia precisar tanto até estar em seus braços. Ela me deixa ficar ali durante uns minutos até me soltar. Ela anda até a porta, mas antes de sair se vira para me encarar. – Seja corajosa, eu sei que vai dar tudo certo. Por são vocês, e o que tiver que acontecer, vai acontecer.

Depois que tia Beth sai eu e Alice nos limitamos a comer, cada uma perdida em seus próprios pensamentos. Estou bebericando meu café com leite e brincando com o pingente de madeira em minhas mãos quando meus pensamentos sem aviso ou preparo me levam ao dia de ontem, a tudo que senti e chorei, a tudo que aquele único momento me lembrou. São tantas lembranças que às vezes é difícil fingir indiferença, principalmente quando eu sinto tudo e cada pequena coisa. Quando que mesmo por um momento eu sou outra vez a velha Lilly que ria e sorria sem medo e cujo coração ainda estava inteiro.

Suspiro revirando o pingente nas mãos e encarando a janela, se as coisas fossem simples e fáceis, talvez uma hora dessas eu e Theo estivéssemos namorando na varanda como costumávamos fazer.

- O que é isso? – Alice me tira de meus pensamentos e a olho sem entender.

- Isso o que?

- Isso – ela toca o colar em minhas mãos e sorrio.

- Isso é uma bugiganga que eu devia ter jogado fora a pelo menos uma década atrás.

- E por que não jogou? – Alice pergunta analisando o pingente com mais cuidado, suspiro lhe entregando a peça para que possa vê-la, não é como se eu estivesse escondendo-a de qualquer forma.

- Por que eu sou muito burra e não consegui.

- O que significa “amo e para”? Que tipo de entalhe é esse? – ela está virando-o nas mãos como se procurasse pelo resto da frase, isso me faz sorrir.

- Do tipo brega e ridículo que só faz sentido junto com a outra metade.

- Bem, faz sentido. Mas o que diz a frase toda? E de quem é a outra metade?

- Ok, já chega, me dê isso aqui que vou guardar – pego o colar e o coloco na gaveta do criado mudo fechando-a logo em seguida. – E como a senhorita já me irritou e comeu, que tal me deixar em paz? Como já vi que não posso sofrer tranquila, vou trabalhar, terminar minha lista e começar a checar alguns fornecedores.

- Você é bem chata quando quer em patricinha, cortando meu barato assim. Mas já que agora é trabalho, vou te deixar sossegada. Só não vale dormir ou voltar a chorar, pode ser? – ela sorri e não consigo não sorrir de volta.

- Pode ser, já chega de terminar com os olhos inchados por que quem não merece. Na verdade já chega de chorar por quem quer que seja.

- Aí sim – ela levanta uma das mãos e trocamos um high five antes dela deixar o quarto levando consigo a bandeja que tia Beth trouxe. Eu respiro fundo e antes de qualquer coisa decido me arrumar, já se foi o tempo em que eu chorava e me deprimia por Theo.

Pego minha toalha, uma calça jeans, uma regata branca, minha jaqueta de couro e meus fiéis saltos, talvez eu tenha que ir à cidade então é melhor já estar linda e pronta. O banho é rápido, os cabelos curtos nessa hora são uma vantagem, troco-me e decido fazer uma maquiagem simples, apenas o suficiente pra ninguém perceber que eu chorei boa parte da noite anterior. Depois que já estou pronta junto alguns papéis que trouxe para o quarto e vou até o escritório no andar debaixo. Independente de como vai minha vida amorosa, tenho certeza que papai ficaria orgulhoso de mim no que se refere à administração da fazenda, ele sempre brincou que esse era meu emprego dos sonhos, logo eu, a garota que adorava mandar.

Sorri terminando de checar alguns números de telefone. A lista de preparativos e fornecedores estava Ok. Agora era arrumar carona até a vila e dependendo, até a cidade, uma vez que eu precisava checar preços e alguns materiais. Juntei meus papéis e segui até a cozinha, mas me surpreendi quando vi quem estava sentado despreocupadamente na mesa tomando café. Nossos olhares se cruzaram por uma fração de segundo e eu passei direto por ele, decidida a fingir que Theo Sales não existia.

- Tia Beth, o Tio Jorge pode me dar uma carona até a vila? – pergunto e ela me olha, suspira e nega com a cabeça.

- Ele está cuidando da plantação com Hugo, borrifando veneno em umas áreas que nasceram pragas nos últimos meses. Sinto muito, Lilly.

- Droga.

- Era urgente?

- Um pouco. Eu precisava começar a catalogar produtos para a festa e queria tentar ter sinal de celular pra ligar pro meu pai.

- O Theo pode te levar então – ela diz simplesmente e vejo o moreno atrás de mim engasgar com o café quente.

- O que!? – perguntamos juntos e tia Beth sorri.

- Você não ia fazer nada hoje mesmo, Theo, só esperar pelo Hugo, poder facilmente dar uma carona a Cordélia.

- Mas e o Hugo? – Theo pergunta e tia Beth revira os olhos impaciente.

- Seu pai pode levá-lo quando eles terminarem. Agora vão logo que parece que vai chover e voltem antes do jantar.

- Mãe!

- Tia Beth!

- Crianças! – ela nos repreendeu como quando éramos pequenos e foi a minha vez de suspirar. – Deixem de birra e vão logo.

- Theo, cuide da Lilly. E Cordélia, é só ser corajosa que vai dar tudo certo, amo vocês e não demorem – depois da minha tia praticamente nos expulsar da cozinha, Theo e eu seguimos lentamente até a varanda.

A caminhonete está no lugar de sempre e não sei se nenhum de nós sabe o que fazer, ou dizer. Eu prefiro ficar calada por que se eu olhar para Theo provavelmente vou xingá-lo até não aguentar mais, aquele idiota!

- Você vem ou não? – ele pergunta seguindo até a caminhonete sem nem se dar ao trabalho de virar para me olhar.

- Você vai mesmo fazer isso? Por quê?

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- Por que se não levá-la, mamãe vai ficar uma fera comigo – é sua última resposta antes de entrar na caminhonete caindo aos pedaços que ainda conheço tão bem.

Limito-me a segui-lo, não por que quero, mas por que não tenho escolha. Só espero que esse nosso pequeno passeio não termine em nenhuma confusão, ou pior, em lágrimas.