Oclusiva

Land of Confusion


Os funcionários da MutaGenic estavam caídos inconscientes, mas escaneando rapidamente Isabela viu que permaneciam vivos. Com menos uma preocupação, e já fora dos ataques maçantes de Pedro ela tratou de super-acelerar para um dos lados da depressão formada na pista, conseguindo sair da cratera. Sua aceleração continuou constantemente no sentido onde estava Guilherme.

— Seu idiota! Eu falei para ficar na ambulância!

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Ei, eu fiquei preo — ela continuou correndo em direção ao veículo de emergência. Guilherme foi esbaforido atrás.

— Quer ajudar? Acelera de volta para o sentido São Paulo. Precisamos ir atrás daquele maluco. Ele é do tipo que para só quando não aguentar mais, e pelo que parece, isso ainda vai demorar.

— Por que a “menina jato” não faz isso sozinha mesmo? — perguntou o rapaz abrindo a porta da ambulância entre arquejos.

— Não tenho resistência para longas distâncias, já disse! Que foi? Eu posso ir rápido mas ainda sou humana, não aguento correr por tanto tempo assim. — colocava os cintos, já sabendo qual era a dúvida que passava pela cabeça dele — E não, não podia acelerar a ambulância para cá. É muito perigoso para quem está no carro. Só fiz isso porque não tinha alternativa; era isso ou ficava naquela briga eternamente. Agora sem perguntas, vai, acelera, não temos tanto tempo assim! — exclamou preocupada. O carro de Carol estava rápido demais para ser pilotado, com os seres sombrios, mais cedo ou mais tarde, Mello os alcançaria.

O rapaz de franja alourada e pele bronzeada obedeceu prontamente os comandos, mesmo já se sentindo exausto.

Limite de São Paulo - Amanhecer

Em cima de uma moto disputando racha com vários outros playboys pelas ruas finais da metrópole. Assim a loira com cara de anjo passava as madrugadas quando não estava detida.

— Então você foi parar num presídio na Bahia. E eu que achava que já tinha acontecido de tudo contigo. — falou um motoqueiro ao seu lado.

— Você sabe que os negócios do meu pai ficam para lá. — Oirichiro disse revirando os olhos. — O que importa agora é que liberaram meu habeas corpus. Ah, como eu amo o sistema carcerário brasileiro! Sempre acabam me absolvendo! Essa desculpa da baixa de vagas nas penitenciárias pelo acidente em Guararé, então, caiu como uma luva!

Eles estavam a 100 por hora, roncando os motores só para irritar a vizinhança. Passaram por um vendedor ambulante começando a montar sua barraquinha de salgados, e derrubaram tudo com o vento causado pelas motos. O homem xingou bastante mas Oirichiro só deu uma risada, lendo rápido o letreiro da barraca:

— Wesley Salgadão? Que comédia!

De repente, a loirinha foi obrigada a frear bruscamente, com um carro que vinha mais rápido ainda, pela contra-mão. Os motoqueiros foram parando num canto da rua intrigados, os pneus do veículo de quatro rodas cantavam bem alto como se estivessem tentando frear bruscamente, mas ele continuava seguindo a toda velocidade. Aquilo acordou a vizinhança toda.

A patricinha decidiu seguir o carro.

— Oirichiro, ficou doida de vez? — perguntou outro dos rapazes que lhe acompanhavam no racha noturno.

— Isso sim é adrenalina, meu querido. Os bofes que tiverem nesse carro são bem mais corajosos que vocês. Beijinhos, fui.

E foi mesmo. Seguiu por alguns minutos em sua scooter, até ser engolfada por uma sombra negra junto de alguns outros moradores da região, que correram para a rua curiosos.

— Saiam do caminho! — ordenou uma voz disforme e macabra. Ninguém por ali conseguiu ver mais o que estava havendo; tudo foi mergulhado num intenso breu.

Quem havia sido suspenso permaneceu agonizantemente ali por bastante tempo, entrando em pânico, mas sem conseguir nem ouvir os próprios gritos. Até que um flash veloz vindo de fora passou rompendo aquele limbo e no tempo de uma piscada, quando deram por si, todos estavam no chão, enxergando e ouvindo novamente. Óbvio que o povo ficou atordoado. Oirichiro sacou seu smartphone caro e começou a gravar uma live nervosa, dando pití sem nem agradecer por estar inteira. Isabela, que fora quem acabara de emitir um bomba de raios em diferentes frequências para conseguir abrir o caminho atrás de Pedro Mello, ouviu os gritinhos. Queria seguir seu caminho, mas sabia que chegando na cidade precisaria evacuar a área. Colocou uma das mãos no quadril, sentindo por baixo da blusa desgastada que usava, as placas metálicas que viviam junto de seu tronco desde que fugira da Mutagenic. Respirou fundo, em sua forma eletrônica irreconhecível. Pôs-se no meio das pessoas afetadas e fez o anúncio que precisava ser feito:

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Voltem para suas casas rápido. Avisem quem estiver para sair também, colegas, qualquer criatura, para evitarem as ruas! Tem muita gente já se empenhando em resolver, mas por enquanto há um… irresponsável extremamente perigoso à solta.

Alguns ficaram ainda mais aterrorizados, mas na verdade, a maioria olhou maravilhada aquela forma feminina transparente e chamuscante que conversava com eles. Demoraram um pouco para processar o que ela disse mas começaram a se mover. Oirichiro, sem a menor noção, aproveitou que estava com o celular e correu para se filmar com ela:

— Olha, só que power essa amiga que eu tenho, povo! Ela veio ME ajudar! Diz seu nome aqui para a galera, nova heroína!

Isabela olhou diretamente para a loira narcisista com um sorriso sarcástico, permitindo que os olhos brilhassem, mas não o suficiente para machucar a outra. Fez questão de pronunciar o nome claramente, com todas as letras:

— Pode me chamar de Oclusiva.

E super-acelerou de novo, atrás de Mello. Oirichiro fechou a live com cara de tacho enquanto uma ambulância mais lenta fechava a perseguição, mandando os que restavam saírem da rua. Esse era o apelido que dera em Isabela na cadeia. Havia sido dado por ser uma palavra uma palavra mais estranha que “introspectiva”, apenas para rebaixar a colega de cela, por quem na realidade sentia temor. E agora tinha acabado de revelá-la como uma heroína para toda a web. O melhor que fazia naquele momento era obedecer a instrução e voltar para casa.

O outro colega de confinamento, enquanto isso, tentava cumprir sua tarefa com resignação, mas estava difícil. Cada clarão que via ficava mais preocupado com a amiga. Assim que passaram de volta pela placa indicando o limite do município de São Paulo, enquanto Guilherme sentia-se estranho por terem rodado tanto sem resolverem nada, Isabela simplesmente abriu a porta e super-acelerou para fora, ficando invisível e chamuscante de novo. Ele sabia que ela precisava fazer isso, pois só de adentrarem na cidade já conseguiram ver muito mais nuvens negras que o normal por ali, mesmo a noite. Mas a cada clarão que visualizava ou trovão estrondoso que ouvia, seu coração apertava.

De qualquer maneira, foi seguindo pelas ruas, na direção das nuvens negras vendo algumas viaturas passarem rápido na mesma direção. Até re-encontrar a figura Oclusiva com seus cabelos flamejantes, parada em frente a um edifício.

— O que houve? Você… tá… bem? Estava preocupado com as suas correrias, mas pensando melhor, te ver parada agora é bem mais aterrorizante.

Ela só apontou para a frente. Embora Guilherme compreendesse o cansaço de sua amiga, ainda não entendeu a verdadeira gravidade do que acontecia. Quer dizer, ficou pasmo com a cena rolando para onde o dedo apontava: o carro desgovernado onde estavam os outros vigilantes, seguindo inutilmente por tantas horas, nitidamente batera feio.

Porém, ele não tinha noção de que aquele era o pior prédio em que poderia bater em toda a cidade: a sede da Mutagenic.

Não foi coincidência ou erro de cálculo: Pedro Mello conseguiu reassumir os volantes e jogou-lhes naquela direção. Sem o controle de Trap mesmo com Jonas lançando o máximo possível de teias nas rodas, para tentá-las parar, a colisão foi inevitável.

Nos instantes anteriores, Isabela tinha conseguido alcançar o carro após super-acelerar para longe de Oirichiro, e lutando o máximo que conseguia contra o tempo, executou uma rajada de energia eletromagnética que se converteu em trabalho resistente às forças aplicadas por Pedro no momento exato do atrito, impedindo que alguém se machucasse seriamente. Contudo, recuou imediatamente ao ver vários enfermeiros da Mutagenic se aproximando. Agora seu sentimento conflitava entre a culpa por sentir medo e um ceticismo quanto a conseguir se virar duas vezes lá dentro em menos de uma semana.

— É assim que tudo acaba?! — desabafou com Guilherme, voltando a assumir o rosto pálido e os olhos negros profundos. — Todo esse esforço, tudo que consegui fazer…. sempre dá errado… continuo sendo… só uma aberração?! — guinchou alto, frustrada. Guilherme reagiu incrédulo:

— Aberração?! Você é a pessoa mais… incrível que eu conheci na vida! Quero dizer, é poderosa, inteligente, tem atitude, corre atrás do que acredita… — Ele dizia olhando nos seus olhos, sem medo. Era um dos únicos que conseguiam encarar ela de volta e até se aproximar, depois de ver o que aquelas íris eram capazes. — E ainda… é linda...— Ele ergueu a mão, num autômato, como se fosse acariciar seu rosto, mas parou no ar, suspirou e abaixou. — Tá, eu vou parar por aqui, você tem outro cara para eletrocutar antes de mim. — completou rápido com um sorriso sem-graça. Isabela contudo permaneceu lhe encarando, fria.

— Ótima maneira de concluir uma declaração para me convencer de que não sou um monstro. — depois de alguns instantes, contudo, ela girou os olhos e deu um sorriso de lado.

Guilherme sorriu mais ainda por ter conseguido arrancar um risinho dela em meio a todo aquele caos. Ele percebeu o quanto estavam próximos, mas deu um passo para trás — Eu espero para concluir essa cena depois de te ajudar a vencer. Agora vai lá e mostra quem é a Isabela para aquele “maluco”!

Ela deu um sorriso mais confiante em direção à Guilherme, como resposta. Ambos trocaram olhares cúmplices. Em seguida ela respirou fundo, se transformou de volta e encarou o prédio.

Guilherme ficou estático encarando as flamas de seus cabelos balançando e os vestígios da silhueta se moverem enquanto ela dava os primeiros passos corajosos em direção ao edifício. Então ela se virou e murmurou, ainda com um meio sorriso:

— Obrigada. Por ter me ajudado mesmo depois de eu ter eletrocutado sua cara. — riu, voltando a olhar para frente. Sussurrou mais baixo ainda — Por acreditar em mim. Antes que o baiano pudesse responder mais alguma coisa, ela voltou e lhe deu um breve selinho no canto dos lábios, mas se afastou tão depressa quanto veio — Beleza, AGORA eu tenho um bom motivo para sair correndo! — Então mirou certeira o caminho a percorrer e, aí sim, acelerou com vontade. O rapaz continuou olhando naquela direção rindo igual um pateta até notar o comboio de repórteres que se formava mais adiante no hall do prédio. Sacudiu a franja determinado. Alguém teria que lidar com eles.

Mutagenic - Área Interna - Gabinete de Chefia

Yuri Ling, trancado em seu escritório, assistia pelas câmeras a confusão que seu ambiente de trabalho se tornara. Havia uma agente atiradora, e dois corrompidos geneticamente se posicionando contra todo o esquadrão de enfermeiros e alguns reféns. Nem sombra dos dois enfermeiros de elite. Olhou trêmulo para o retrato da esposa e da filha. Sabia exatamente o que mandariam ele fazer, se estivessem por perto.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Contudo, continuou só observando o desenrolar da cena. Até que percebeu uma figura furtiva numa das câmeras do quarto andar. Ela usava um traje aprimorado de guerra e atirava sem pena nos enfermeiros que avistava. Seu rosto era extremamente familiar.

Puxou rapidamente o microfone de emergência:

— Parem, parem! Aqui é Yuri Ling. Todos os enfermeiros, ABAIXEM AS ARMAS! Eu sei das ordens que dei. Eu as retiro. Assumi essa empresa com o propósito de ser melhor que o ex-diretor Anthony, e… falhei bruscamente ao tomar minha última decisão. Por isso, peço aos que quiserem continuar nessa empresa, abaixem as armas AGORA.

A mulher no vídeo se atrapalhou ao ouvir a voz. O enfermeiro que restava em seu corredor ainda estava com a arma erguida, mas ela não o atacou. Em vez disso, atirou e invadiu as salas restantes no corredor, libertando centenas dos experimentos humanos. Pelas imagens, eles foram se juntando aturdidos, ao restante das pessoas no hall de entrada onde alguns agora focavam em socorrer os feridos naquela enorme confusão.

Yuri sabia que o laboratório acabara de ruir mais um pouco, só que estava impactado demais para dar qualquer ordem. A figura do vídeo encarou ameaçadoramente a câmera antes de partir.

— Filha…

Térreo

Policiais, bombeiros, enfermeiros da Mutagenic, feridos e pessoas habilidosas, balas nas paredes, escombros. Esse era o cenário caótico no andar de acesso. Nenhum sinal de onde havia ido parar Pedro Mello. Isabela perseguia os enfermeiros que recusavam se entregar, ajudando os policiais que chegavam para prendê-los. Se sentia estranha mandando outras pessoas para a prisão, mas no momento, nem o medo de ser reconhecida pelos agentes importava. Só agia no automático, querendo que aquilo acabasse logo. Enquanto eletrocutava mais alguns e ameaçava queimar outros, precisava de cuidado para não atingir os que tinham se entregado ou o neo-corrompidos que vinham tonteando do andar de cima, numa sala cheia de pessoas mais vulneráveis que ela. Pelo canto de olho, viu alguém de branco pedir espaço com um cardio-desfibrilador em mãos. Um dos reféns jazia estendido no chão. Uma, duas, três tentativas.

Ela se aproximou devagar. Tentou usar a própria voltagem. Nenhum sinal de vida. Mais alguns começavam a estremecer e revirar os olhos agonizando.

Aos poucos, tudo ao seu redor foi congelado. Uma voz profunda começou a chamar seu nome: Isabela de Souza, Isabela, Oclusiva, Assombração. Respirava nervosa. Tinha voltado a ter 9 anos. Encarava o próprio reflexo, mais corado e com menos olheiras num espelho que havia acabado de quebrar. Via um monstro.

— Você achou que podia ser uma super-heroína?

Pedro Mello.

— Achou que podia derrotar… seu criador? Huahuahuahuah

— Onde estamos? Por que sumiu? — Ela perguntou, na defensiva, confusa como nunca estivera antes. Era difícil uma mistura de sentimentos tão ruins quanto os que Isabela tinha agora.

— Ah, então sentiu minha falta! Tudo bem, eu volto. — Se materializou em frente a ela. — Gosto de mostrar quando estou mandando. Mas sabe como é, às vezes muita gente atrapalha. Esse lugar onde estamos é um bônus que meus poderes me dão. Uma dimensão especial, que agora está fechada em nossas mentes. Aqui somos só eu e você. Os dois ferrados que sempre se cruzam. Podemos nos ajudar ou, como diria Darwin… que sobreviva o mais forte!