— Eu preciso de dinheiro.

Buongiorno, Nicolas. A minha manhã foi ótima, obrigado por perguntar. Como foi a escola?

Nico largou a mochila em cima da mesa da cozinha e olhou para o pai, que estava picando legumes na bancada.

— A mesma coisa de sempre. Tenho uma prova de biologia amanhã e minha professora de física continua olhando pro meu piercing como se eu fosse um drogado e tivesse uma arma escondida. Eu preciso de dinheiro. O que você está cozinhando?

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Hades continuou o que estava fazendo, concentrado, sem olhar para o filho. Nico reparou no avental que usava e no pequeno coque no topo de sua cabeça. Fazia tempo que ele não cortava o cabelo.

Gostava da vibe "dono de casa" que seu pai tinha desde que vieram para a América.

Quando estavam na Itália, Hades trabalhava em uma loja chique de instrumentos musicais e discos raros, além de dar aulas particulares de química. Ele basicamente não tinha tempo para nada. Depois que se casou com Perséfone — Nico ainda tinha dificuldade de a ver como madrasta — e fez seus dois filhos se mudarem com ele para a América, Hades estava apenas se empenhando em uma loja online. Perséfone era dona de uma floricultura muito importante no centro da cidade, além de organizar decorações de eventos. Hades era quem passava a maior parte do tempo em casa, fazendo os deveres domésticos.

— É isso que você ganha por colocar um piercing escondido. — o pai resmungou. Nico não deu atenção. Já tinham superado aquele tópico depois de Nico ter ficado duas semanas de castigo. — É surpresa, aliás. O que eu estou cozinhando, digo. Você vai gostar.

Nico grunhiu em frustração, mas estava feliz ao mesmo tempo, sabia que surpresa significava alguma comida italiana e seu pai era um ótimo cozinheiro.

— Para quê você quer dinheiro, mesmo? — Hades perguntou.

— Minha nova tatuagem.

— Outra!?

— Não fale como se você não fosse cheio de tatuagens... — Nico deu um pequeno sorriso malandro. Era bom ter aquela carta para usar. Hades tinha o braço esquerdo totalmente tatuado. Era até difícil de encontrar um pedaço de pele não desenhada. Nico queria estar igual dali a alguns anos.

— Nicolas, você tem... Argh, quer saber? Vamos conversar sobre isso depois. Antes que eu esqueça... Você recebeu cartas. Muitas cartas. É do seu namorado?

— Quê?

Nico achou que não tinha ouvido certo. Aquelas frases não faziam muito sentido. Cartas e Namorado eram duas coisas surreais demais, ainda mais na mesma frase.

Hades apontou para um montinho de cartas em cima da mesa que Nico não tinha tomado consciência da presença até então.

Eram muitas mesmo. Nico leu o que estava escrito na parte de fora do envelope. É. Realmente era pra ele.

E quem mandou foi Will Solace.

Nico piscou, confuso.

Sabia quem era Will Solace, mas quem é que mandava cartas hoje em dia? E ainda mais tantas delas?

Era um tipo de jogo ou algo assim?

— É do seu namorado? — Hades repetiu.

Nico sentiu suas bochechas ficarem levemente vermelhas. Aquilo era estranho. Não costumava conversar sobre esse tipo de coisa com o pai.

Na verdade, eles raramente conversavam sobre qualquer coisa que não fosse meio superficial como tatuagens ou discografias de bandas, ou documentários de astros do rock.

Não é que Hades tivesse qualquer coisa contra o fato de Nico ser gay, é que namorados raramente era tópico para conversas entre eles.

Quando Nico tinha treze anos, Hades perguntou se uma amiga de Nico da escola era sua namorada.

— Não. Que nojo. Ela é minha amiga.

— Mas você quer uma namorada?

— Não.

— Mas você vai ter uma namorada um dia.

— Uh, provavelmente não, na verdade.

— Um namorado, então?

— É, seria legal.

Quando Nico tinha quinze, Hades viu uma marca de um chupão no pescoço de Nico, então falou:

— Você está usando proteção? Tem tido uma onde de DST e sinceramente a juventude hoje...

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— Não preciso ter a conversa, pai. — Nico o interrompeu antes que tudo ficasse mais constrangedor. — Eu estou bem.

E foi isso. Os únicos momentos em que Nico lembrava que os dois chegaram o mais perto de ter uma conversa do tipo.

Nico nunca teve nenhum namorado, apenas garotos com quem saía as vezes, então não tinha realmente necessidade de conversar sobre.

— Eu não tenho um namorado. — ele falou. Era estranho que precisasse deixar isso claro. Parecia óbvio demais.

— Willian Solace sabe disso? Ou é apenas uma coisa que os jovens estão fazendo? Enviar cartas é a nova moda?

Nico riu, mesmo que ainda estivesse muito confuso.

— Não. Não sei. E a minha tatuagem?

O pai parou no meio do caminho de cortar uma cenoura em rodelas e encarou o filho.

— Nicolas, por mais que isso te surpreenda, dinheiro não nasce em árvore. Já falei, vamos conversar sobre isso depois. Aliás, você já está cheio de tatuagens pra alguém que tem dezessete anos.

Fottiti. — Nico resmungou.

— Ei! O que eu disse sobre xingar em italiano?

Nico revirou os olhos.

Scusi.

— Fale inglês, Nico.

Nico bufou.

— Que droga, eu estou até perdendo meu sotaque já.

— Isso não é ruim

— É, sim.

Hades suspirou.

— Possiamo parlare italiano una volta ogni tanto. — nós podemos falar italiano de vez em quando. Nico deu um pequeno sorriso. Sentia falta daquilo. O pai era a única pessoa por perto que falava italiano fluente. Bem, havia Perséfone, mas ela estava quase sempre trabalhando. — Mas só às vezes. Eu ainda preciso melhorar a minha pronúncia. E Perséfone fica irritada quando não entende o que falamos. Ela diz que eu falo italiano muito rápido. Agora me diga sobre o que é isso. — ele apontou para as cartas sobre a mesa.

— Bem, — Nico disse, pegando todas elas e as apertando contra o peito. — Quando eu descobrir te conto. Me chame quando o almoço estiver pronto... E eu preciso da sua ajuda pra um troço de química depois.

Nico saiu da cozinha, ansioso para ler o que quer que estivesse dentro daqueles envelopes.

Subiu para o quarto e encostou a porta. Antes de se sentar na cadeira da escrivaninha e espalhar as cartas em cima da mesa, Nico deu um demorado olhar para a fotografia colada na parede.

Ali estava Nico, aos dez anos, abraçando a irmã mais velha. Bianca sorria para a mãe que tirava a foto.

O coração de Nico se apertou, como se o peito dele fosse um lugar pequeno demais para se estar.

Estava cansado daquele sentimento. Saudades era algo horrível

Sentia falta da Itália. Sentia falta da mãe. Sentia falta da irmã. Sentia falta de pertencer à algum lugar.

Tirando os momentos em que estava com a irmã mais nova, quando conversava com o pai ou quando as vezes ou apenas saía escondido com Jason, Nico via a si mesmo mais como um intruso do que qualquer coisa.

Ele suspirou antes de voltar a dar atenção para os envelopes.

Nico os contou. Eram treze. Quem é que enviaria treze cartas para ele?

Willian Solace, aparentemente.

Ele hesitou antes de abrir uma carta qualquer (teria uma ordem certa ou podia muito bem ler aleatoriamente?). Sabia quem era Will, mas nunca tinha trocado mais do que umas cinco palavras com o garoto. Não fazia o menor sentido aquilo tudo.

A sua lembrança mais recente envolvendo Will era de um ou duas semanas atrás. Nico estava dividindo uma garrafa de cerveja com Jason, tendo mais uma das conversas bobas que os dois tinham.

— Três pessoas da nossa escola que você passaria uma ótima noite. — Jason havia dito. Eles estavam jogando um jogo qualquer, só pra passar o tempo.

— Isso é injusto. — Nico respondeu na ocasião. — Você é bissexual. Tem muito mais alternativas.

— A única coisa que eu ganho em ser bissexual é mais chances de levar um fora. E também ser chamado de vetor de DST.

— Tá bem. Responda primeiro. Preciso pensar.

Ao contrário de Nico, Jason não precisou pensar:

— Piper, Leo e Percy.

— Percy?! Que merda, Jason?

— Qual é! Não me diga que você não pensa o mesmo. Ele pode ser seu primo, mas também tem um abdomen.

— Argh, tá. Então, Percy... Will e o professor de geometria.

— O professor?! E depois o errado sou eu, meu Deus do céu.

Nico deu de ombros.

— Que foi? Ele é bem bonitinho.

— Ele é velho e casado. E espera aí, Will tipo o Solace? Ele não é da sua turma? Ele é todo quieto e nerd.

— Ele é fofinho. E é mais bonito que o Percy.

— Ok, você está doido.

— Me desculpa se a verdade de incomoda.

Você me incomoda. E Will não tem nada a ver com você. Você provavelmente dá medo no garoto.

— Os opostos se atraem.

— Ele é todo envergonhado. Aposto que ainda nem beijou na boca.

— Bem, eu posso resolver isso.

— Jesus, você é um pervertido.

— Foi você quem começou!

Depois disso, Nico passou a ouvir quase todos os dias piadas de Jason sobre o tipo de Nico ser nerds como Will ou héteros casados como o professor de geometria.

Não era mentira, de qualquer forma.

Nico pegou o celular e buscou o contato de Jason. Ele era seu melhor amigo ali nos Estados Unidos. Talvez o único, também. Confiava nele. O conheceu através de Percy e não esperava que se tornassem tão íntimos assim. Nico não era tão próximo de alguém dessa maneira desde que a irmã se foi.

tem alguma coisa estranha acontecendo. acabei de receber treze cartas!!?!?!?!?

mensagem para: Superman.

Parecia uma informação importante para compartilhar com Jason. Já tinham quebrado qualquer barreira de intimidade desde que Jason enviou para Nico uma mensagem dizendo "LEO VALDEZ ACABOU DE DAR O MELHOR BOQUETE DA MINHA VIDA!!!!!!!!" assim, em caixa alta mesmo, cheio de pontos de exclamação.

Na semana seguinte Nico enviou uma mensagem contando em detalhes sobre com estava no banheiro há horas por culpa de uma comida estragada que comeu.

Depois disso Jason contou como não conseguia parar de vomitar por ter bebido tanto na noite anterior.

Então Nico devolveu com uma história sobre como havia beijado um garoto logo depois de vomitar, sem nem lavar a boca.

Intimidade às vezes é uma merda.

Nico não esperou uma resposta de Jason antes de abrir uma carta. Estava um pouco nervoso. Do que se tratava aquilo, afinal?

A primeira coisa que Nico processou em sua mente é que a carta estava toda escrita em italiano. Isso o fez sorrir. Amava a sua língua nativa.

A segunda coisa foi que a letra de Will era muito bonita, assim como o próprio Will.

A terceira coisa foi o que estava escrito nas primeiras linhas.

Querido Nico, eu tenho pensado como seria a melhor forma de juntar os nossos sobrenomes. Willian Solace di Angelo fica ótimo, mas como será o nome dos nossos filhos? Eles vão levar apenas o meu sobrenome, ou o seu? Ou os dois? Eu acho o seu sobrenome muito lindo. Deveria ser apenas o seu...

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Nico ficou estático.

Ele não poderia ter lido aquilo certo.

Releu algumas palavras.

É, era isso mesmo.

Ok, aquilo era estranho.

Muito estranho.