Duet
Capítulo 6
Houve uma mudança sutil nos dias que se seguiram ao episódio na sala de música. Elisabeta parara de evitar deliberadamente estar no mesmo ambiente em que Darcy. Não apressava o fim de suas refeições, e em alguns momentos, inclusive permanecia em companhia das irmãs e do inglês após o jantar. Este era um desses dias. Ela estava calada, bastante focada em um livro que tinha em mãos, enquanto as irmãs Benedito planejavam o baile dos próximos dias.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Era interessante observar Darcy com suas irmãs, Elisabeta pensava. Darcy Williamson não era um bruto, mas sua aparência também não denunciaria o cuidado que tinha com cada uma das Benedito. Darcy era alto, forte, tinha um olhar observador, e sua beleza não passava despercebida. Apesar disso, Elisabeta via-se cada vez mais intrigada por tudo o que não estava na superfície: suas composições e a forma como parecia enxergar cada membro de sua família individualmente. Especialmente como parecia enxergá-la tão diretamente.
Mas Darcy tratava suas irmãs de forma diferente, e Elisabeta sentia-se comovida por isso. Pela forma como ele incluía pequenos elogios à Jane, toda vez em que a irmã se mostrava insegura a respeito de Camilo. Como voltava para casa com novos livros para Cecília, e a estimulava a discutir suas leituras e trazê-las para o mundo real. Suas sútis orientações para Lídia a respeito do mundo. E sua total sinceridade com Mariana, a forma como os dois pareciam se entender apenas com o olhar.
Era, inclusive, o que a mantinha um pouco mais afastada. Percebia a admiração que Mariana sentia por Darcy, o quanto valorizava sua opinião e sentia-se livre para expressar seus pensamentos. Talvez houvesse algo mais ali. E essa possibilidade fazia Elisabeta tentar reparar menos no sorriso de Darcy, na cor de seus olhos, e a fazia tentar ignorar a forma como seu coração dava um pulo toda vez que ele chegava ao ambiente.
Apesar disso, não parecia possível ignorá-lo naquele momento. Não quando ele tentava fingir interesse em cada detalhe sobre o baile que suas irmãs tentavam discutir. Quando respondia sobre flores, música e convidados, tentando plantar um sorriso no rosto. Elisabeta mantinha seus olhos no livro, mas já era incapaz de continuar a leitura. E quando Lídia reiniciou a lista de homens solteiros que Darcy precisava convidar, Elisabeta não conteve um sorriso.
— Randolfo, Capitão Otávio, Rômulo, Edmundo... – Lídia dizia. – E você deve...
— Falar pessoalmente com cada um deles. – Darcy assentiu.
— E não esqueça o Coronel. – Mariana disse, distraída, arrancando um olhar surpreso das irmãs. – Bem, não seria de bom tom não convidá-lo. – defendeu-se.
— De bom tom... – Jane abriu um pequeno sorriso. – Acrescente o Coronel Brandão à lista, Lídia.
— Darcy, não esqueça de dizer o quanto somos charmosas. – Lídia levantou-se, rodopiando pela sala.
— E os quitutes? Darcy, você precisa conversar com Dona Agatha. – Cecília disse, em um sobressalto.
— Meninas... – Elisabeta disse, com um sorriso, chamando a atenção de todas. – Talvez fosse melhor vocês distribuírem as tarefas. Tenho certeza de que Lorde Williamson não tem tempo ou interesse nesse tipo de preparativo.
Darcy a encarou, um pouco surpreso. Já estava habituado à presença de Elisabeta entre eles, mas era quase sempre apenas física. Elisabeta não costumava participar das conversas e discussões, muito menos direcionar-se a ele, mesmo que indiretamente. Mas ela tinha um olhar tranquilo, e Darcy agradeceu a oportunidade de poder olhar para ela sem restrições, sem medo de ser inconveniente.
— É tão estranho ouvir você chamá-lo de Lorde, Elisa. – Lídia reclamou. – Darcy está aqui há séculos e...
— É a maneira correta de chamá-lo. – Elisabeta revirou os olhos.
— Darcy deixou que o chamássemos de Darcy. – Mariana também revirou os olhos. – Não seja desagradável.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!— Não, não está sendo desagradável. – Darcy apressou-se em dizer, ao observar a testa de Elisabeta franzir.
O olhar dela voltou-se para ele, rapidamente, e os dois sentiram um formigamento diferente. Elisabeta engoliu em seco, com a intensidade do azul dele, e Darcy respirou fundo. Refreou o impulso de levantar-se e ir até Elisabeta. O silêncio se tornou quase desconfortável, e por isso Darcy procurou as palavras.
— Pode me chamar de Darcy. – ele tentou um sorriso. – Lorde Williamson lembra o meu pai.
Elisabeta o fitou por alguns segundos a mais, e então um pequeno sorriso surgiu em seus lábios. Passou despercebido por suas irmãs, mas para Darcy aquela troca era lotada de significados. Não demorou para que ela voltasse a atenção à seu livro, e Darcy precisasse fingir ainda mais seu interesse pelo baile. E viu-se, de repente, cogitando a ideia de convida-la para uma dança.
##
No dia seguinte Darcy precisou sair de casa muito cedo, e não encontrou nenhum dos Benedito no café da manhã. Também não conseguiu voltar para casa no horário de almoço, e ao entrar em casa, naquela noite, o som dos talheres e da voz alta de Ofélia preenchiam o ambiente. Ofélia falava sobre o baile, e por isso Darcy não viu motivos para não apresentar-se à sala de jantar, sendo recebido com olhares de alívio de quatro das Benedito.
— Senhor Williamson. – Ofélia sorriu, irônica. – Estávamos justamente falando sobre o seu baile.
— Ótimo. – Darcy abriu um sorriso forçado. – Trago boas notícias. Lídia, minha querida, saiba que estive com sua seleta lista hoje, e todos eles confirmaram presença.
— Verdade? – a mais nova levantou-se, eufórica. – Inclusive Ranran?
— Se Ranran for o Sargento Randolfo, isso o inclui.
— Ai, meu Deus. Mamãe, precisamos dos melhores vestidos. – Lídia sorriu abertamente. – Preciso dos melhores tecidos.
— Eu quero o meu em tons de verde. – Cecília sorriu, sem surpreender ninguém. – Darcy, você acha que Rômulo estará lá?
— Certamente. – Darcy deu uma pequena piscadela. – Pediu, inclusive, que a senhorita reservasse uma dança para ele.
— Ótimo! – Ofélia bateu palmas, finalmente sorrindo abertamente. – Meninas, teremos muito trabalho a fazer nos próximos dias. Este baile tem que ser impecável e espero todas comprometidas ao final dele.
Elisabeta remexeu-se na cadeira, atraindo o olhar de Darcy. Nos últimos dias Ofélia insistia em falar sobre Augusto, e Darcy percebia o quanto abalava Elisabeta falar sobre o homem. Sentia sua irritação crescer apenas ao pensar sobre ele, e sobre tudo o que estava convencido que Elisabeta não tinha conhecimento.
— Inclusive a senhorita. – Ofélia virou-se para Elisabeta.
— Mamãe... – Elisabeta suspirou.
— Não adianta argumentar, Elisabeta... – Ofélia começou a dizer, mas foi interrompida por Darcy.
— Senhora Benedito, temo não ser capaz de organizar a decoração e quitutes do baile. A senhora poderia indicar alguém para o serviço? – o inglês ergueu a sobrancelha.
— Ora, eu indico a mim mesma. Não há, em todo o Vale do Café, alguém com tanta habilidade para organizar um baile.
— Ótimo, será que poderíamos conversar após o jantar sobre os detalhes?
— É claro. Tenho em mente uma série de detalhes que precisam estar impecáveis. – Ofélia sorriu.
Então os Benedito iniciaram uma conversa a respeito do futuro baile, e de todos os detalhes memoráveis de bailes anteriores. Elisabeta, entretanto, observava Darcy com um olhar intrigado. Não passara despercebido à ela que o inglês tentava desviar o assunto das refeições, sempre que Ofélia voltava suas atenções a ela. Não sabia suas intenções, mas nos últimos dias Darcy evitara que Ofélia discursasse a respeito de Augusto ou de sua incapacidade de manter o noivo.
E sentia-se grata, imensamente grata. Não ter discussões com Ofélia ou suas irmãs fazia com que seu humor melhorasse. Nos últimos dias, sentia seu peito menos pesado, e as lágrimas eram menos frequentes. O olhar de Darcy encontrou o dela, e Elisabeta percebeu, de repente, que o estava encarando. Ela ergueu a sobrancelha, e Darcy fingiu não entender. Mas um sorriso brotou nos lábios dele, e Elisabeta não evitou sorrir.
##
Ofélia e Darcy discutiam os detalhes do baile. Os custos não importavam, ele dissera. A matriarca dos Benedito poderia usar os recursos como bem entendesse. A realidade era que as meninas estavam empolgadas com o baile, e Darcy já duvidava que houvesse algo no mundo que não faria por elas. Embora Ofélia quisesse casá-las a todo custo, seu coração ficava alegre ao perceber que as quatro tinham sonhos e planos parecidos com os da mãe.
Mas, após uma conversa casual sobre flores, quarteto de cordas e convidados, Darcy percebeu a expressão de Ofélia mudar. Ela era, sem dúvidas, uma mulher muito difícil de lidar. Gostava de suas filhas, mas era severa e geniosa. Felisberto evitava enfrenta-la, e Darcy suspeitava que esse fosse o motivo de Elisabeta precisar fazê-lo. Ofélia não aceitava ser contrariada.
— O senhor sabe que tivemos uma mudança... – ela começou, séria.
— Mudança? – Darcy ergueu a sobrancelha.
— Elisabeta. – Ofélia suspirou. – Eu estive tranquila acerca do relacionamento dela com Augusto. Elisabeta genuinamente gostava do rapaz, e Augusto é de uma boa família.
— Augusto não é digno de sua filha. – Darcy disse, sem perceber.
— O que disse? – Ofélia ergueu a sobrancelha.
— É um patife. Viciado em jogos e em bebida. Não seria um bom marido, a senhora deveria estar aliviada.
Ofélia o observou, séria. E de repente suspirou, mostrando uma fragilidade que Darcy não recordava-se de ver naquela mulher, mesmo após tantos dias de convívio.
— Isso complica as coisas. – ela disse, por fim. – Augusto estará de volta e eu pretendia que o senhor intercedesse, buscando reaproxima-lo de Elisabeta.
— Eu não faria tal coisa. – Darcy respondeu, sério. – Faço muito gosto do relacionamento de Jane com Camilo, ou do interesse de Cecília por Rômulo. Mas Augusto, de forma alguma, e a senhora não irá me convencer do contrário.
— Senhor Williamson, o senhor me toma de uma forma que não é inteiramente correta. – Ofélia levantou-se. – Eu quero genuinamente a felicidade de minhas meninas. Mas conheço minhas filhas.
Darcy a observou, impaciente.
— Nenhuma delas estaria preparada para a pobreza. Nasceram, como eu nasci, cercadas pelos luxos e pela proteção de uma família afortunada. Sei que sou dura, por vezes, mas busco sempre o melhor.
— A senhora é dura demais com Elisabeta. – Darcy viu-se dizendo, para o espanto de Ofélia.
— Elisabeta é a mais forte delas. – Ofélia respondeu, tranquila. – Resiliente, desde pequena. Mas, se o que o senhor me diz é verdade, Augusto a condenaria a uma vida de infelicidade.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Ofélia sentou-se novamente, e novamente respirou fundo. Darcy não conseguia tirar conclusões daquela conversa.
— Minha filha precisa de um homem digno e honrado. E precisarei de sua ajuda para encontrá-lo. – disse, por fim.
— Eu mantenho minha condição. – Darcy suspirou. – Eu a ajudarei, mas suas filhas decidirão com quem e quando querem se casar.
— Elisabeta será uma tarefa mais difícil do que minhas outras filhas. – Ofélia abriu um pequeno sorriso.
Darcy assentiu, levantando-se. Seu coração estava acelerado, sua mente repleta de pensamentos. Aquela conversa fora o suficiente para que Darcy percebesse a realidade. Não queria encontrar um pretendente para Elisabeta. Não queria vê-la nos braços de Augusto, ou de qualquer outro homem. Nenhum deles seria digno o bastante, e Deus, sequer sabia se ele era digno.
Seria, sem dúvidas, a tarefa mais difícil entre todas. Não era como dizer à qualquer um dos cavalheiros escolhidos pelas irmãs o quanto elas eram merecedoras de qualquer cortejo. Era muito maior do que isso. Precisaria convencer Elisabeta de que ele, Darcy, era merecedor de seu afeto. E não fazia ideia de como faria algo do tipo. Não fora capaz sequer de trocar meia dúzia de palavras diretamente com a moça.
E o surpreendia a intensidade dos sentimentos que brotavam naquele momento. A forma como parecia conhece-la, como parecia ser capaz de ver sua alma. Linda, ferida, intensa. Percebeu, então, que nada mais importaria. Seria sua missão fazer Elisabeta feliz, e, se tivesse sorte, seria o escolhido dela para dividir tal felicidade.
##
Havia mais um pedaço de partitura no piano, na noite seguinte. E a cada duas noites, um novo surgia. Toda vez que abria o piano, uma nova parte da música havia sido adicionada. A que ouvia na noite anterior, a que ela completava sempre que sentava-se naquele local. Aos poucos as notas faziam sentido, a música ganhava forma. Era uma mistura diferente, totalmente nova.
Era parte dela, com seus momentos densos, e parte dele, com alívio. Não falavam sobre aquela composição. Continuavam trocando poucos olhares durante o dia, alguns sorrisos que faziam o ar faltar, o coração bater mais forte. Mas era quase como se tivessem medo de quebrar aquela conexão, tão forte e poderosa. Darcy não tinha dúvidas de que, apesar de conversar com cada uma das Benedito por horas a fio, Elisabeta era quem melhor o conhecia.
E ela via-se ansiando por aqueles momentos. Os momentos em que a música dele invadia sua alma, como suas escolhas pareciam sempre refletir o dia dela. As músicas alegres nos dias em que o jantar era repleto de discussões, as escolhas de qualquer compositor que ela mencionasse durante o dia. Não havia dúvidas em seu coração de que Darcy pensava nela, tanto quanto ela pensava nele.
O baile se aproximava, e as meninas Benedito entraram em consenso de que um baile de máscaras era o mais apropriado. Elisabeta percebeu, tardiamente, que escolhera seu vestido e sua máscara pensando em Darcy. Não costumava sentir-se confortável em eventos sociais, mas, de repente, queria sentir-se bonita, desejável. E, na noite anterior ao baile, parecia ansiosa demais para a música.
Suas irmãs também estavam em polvorosa, e por isso todas se reuniram para experimentar seus vestidos. Elisabeta ainda temia o interesse de Mariana por Darcy, e por isso não pode evitar abordar a irmã.
— Mariana, o seu vestido é lindo. – Elisabeta disse, sorrindo verdadeiramente. – Pensou em alguém em especial?
Mariana ergueu a sobrancelha, um sorriso travesso surgindo em seus lábios.
— Não conte para as outras. – ela aproximou-se de Elisabeta. – Brandão pediu para dançar comigo.
Elisabeta suspirou, quase aliviada.
— Brandão? Você não o achava sem graça? – Elisabeta manteve o sorriso.
— Não depois que descobri que ele tem uma motocicleta. – Mariana disse, baixinho. – Agora venha, coloque sua máscara.
Elisabeta completou sua vestimenta, e as irmãs olharam para ela. O vestido vinho tinha pedrarias por toda sua extensão, e moldava seu corpo com perfeição. A máscara dava um toque misterioso, e fazia com que seus olhos brilhassem em contraste. Pela primeira vez, em muito tempo, Elisabeta sentiu-se genuinamente bonita.
— Você está linda! – Cecília suspirou, sorrindo.
— Parece uma rainha. – Lídia se aproximou, tocando o vestido.
— É tão bom vê-la fazer algo conosco. – Jane disse, de repente. – Você está sempre tão distante.
Elisabeta aproximou-se da irmã, a puxando para seus braços. E logo todas as outras se uniram a elas, causando risos entre as irmãs.
— Minhas irmãs, não há ninguém que eu ame mais no mundo do que vocês. Me perdoem por não ser sempre a irmã que vocês merecem. – Elisa sorriu, triste.
— Não foi o que dissemos. – Mariana passou a mão no rosto de Elisabeta. – Apenas sentimos sua falta.
— Então eu proponho que este seja um baile tipicamente das irmãs Benedito. – Lídia disse, alto.
— Com danças coletivas, para o desespero de mamãe? – Cecília sorriu.
— Combinado! – as outras três disseram, ao mesmo tempo.
Quando Elisabeta finalmente chegou à sala de música, naquela noite, seu coração estava leve. Era como se as últimas duas semanas fossem um alívio em sua angústia. Conseguira espaço para respirar, evitara brigas maiores com a mãe, e principalmente, com as irmãs. Passava mais tempo com elas, e estava animada com o baile. Animada como não lembrava-se de estar há muito tempo.
Surpreendeu-se, porém, quando abriu o piano. Não havia nenhum pedaço de partitura naquele dia. Em seu lugar, uma rosa branca, solitária, com um papel amarrado a ela. Elisabeta sentiu seu coração acelerado, e desenrolou rapidamente o pequeno pedaço.
“Me daria a honra de uma dança no baile de amanhã?”
Um sorriso brotou em seus lábios.
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