Colors

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COLORS


I.

Ele era filho de pescador, e todo seu mundo era aquela praia: areia, céu, mar. Nunca havia se considerado muito de um artista, e nunca tivera o tempo para dar a atenção necessária a toda a beleza a sua volta. Havia as ondas esverdeadas, e as cristas muito brancas, o tom mais escuro de que se tingia a areia quando molhada. O céu era por vezes muito azul, por vezes cinzento de tempestade, e ele sabia que existiam peixes de todos os tons, por mais que os que pescasse fossem sempre os mesmos e sem muita graça.

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Foi sem seu décimo sétimo verão que a viu pela primeira vez: em seu vestido comprido, os cabelos loiros — dourados como ouro na luz do sol — caindo soltos sobre seus ombros, e não era possível que ela pertencesse àquele lugar. Se sentava de pernas cruzadas sobre um banquinho, a tela em branco à sua frente, uma coleção de tintas ao seu lado, e ele observava de longe a maravilha em que ela transformava o que para ele sempre fora muito mundano.


II.

Se falaram pela primeira vez meses depois, quando já estava claro que ela viera para a pequena cidade para morar, quando ele já sentia que a conhecia bem, só por observá-la de longe de novo e de novo. Sabia, ao ver seu porte, que era de uma família rica, mas imaginava também que houvessem perdido algum dinheiro; ninguém se mudaria para um lugar tão pequeno por escolha. Sabia que ela favorecia vestidos longos e sandálias baixas, e que boa parte de suas roupas estava manchada de tinta. Sabia que ela usava um colar muito delicado, mas só pôde examiná-lo de perto naquele dia no mercado, quando ela parou de frente a ele com uma cesta no braço e um chapéu branco na cabeça e pediu por alguns peixes.

Seus olhos pareciam cinzentos na sombra do chapéu, gentis, mas decididos, e ele suspeitava que houvesse um quê de azul neles também. Seu colar era uma flor de ouro muito delicadas, brilhos transparentes a decorando. Ela era muito bonita e muito distante, e a certeza que ele teve era de que ela não deveria nunca ter nada a ver com peixes.


III.

Depois, ela veio a ele de novo e de novo, e em suas conversas breves ele percebeu que acertara algumas coisas. Ela lhe contara que viera de uma cidade grande e cinzenta, e que sua família perdera a maior parte de sua riqueza quando seu pai adoecera e falecera. Ela gostava de estudar, e ficava triste ao saber que não havia lugar para ela na universidade, mas que poderia se contentar em viver pintando na praia também.

(Ele não era artista, mas ela era, e maravilhosa).


IV.

Ele já completara dezenove quando finalmente a beijou, fios de ouro entre seus dedos e olhos azuis se abrindo para encará-lo num inverno muito frio. O vento tornara suas bochechas rosadas, mas ele gostava de acreditar que poderia tomar crédito por um pouco daquela cor, também.

Ela era a melhor coisa que ele já provara, e no entanto a ansiedade embrulhava seu estômago; ela era boa demais para ele, inalcançável devido à sua virtude e sua classe, e ele temia perder o que mal conhecera.


V.

Mais alguns meses, e eles dormiram juntos sob as estrelas. Na falta de luz, seus olhos perdiam toda a cor, e sob o brilho da lua seu cabelo era prata. Ela tinha a pele muito clara, a dele já era mais morena. Ela era suspiros leves e murmúrios macios, ele se encontrou incapaz de conter as palavras que lhe escaparam dos lábios.


VI.

Havia aço naqueles olhos, toda a força de uma espada ou mil guerreiros, e de novo ela provou seu valor ao desafiar todos — não por ele, ela afirmava, mas por si mesma e tudo o que desejava, por tudo o que era. Ela não precisava erguer a voz para se fazer ouvir, e ele descobriu que a batalha por seu futuro era uma que ele não poderia travar por ela.

Mas mais tarde ele secou de suas bochechas as lágrimas que restaram de sua briga com seu avô, e ela ainda era muito bonita com os olhos vermelhos.

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VII.

Ele nunca se considerara um artista, e era ela quem criava mundos com tinta e pincel, mas em momentos como aquele ele gostaria de saber pintar. Havia o mar esverdeado, o céu azul, a areia clara. Ela estava inteira em branco, os pés descalços, os cabelos brilhando à luz do sol. A coroa de flores em sua cabeça era rosa como seus lábios, o buquê em suas mãos muito amarelo.

Ele gostaria de guardá-la para sempre em um quadro, para que gerações depois outros mil pudessem vê-la e se maravilhar, mas a verdade era ele que podia se satisfazer, também, sabendo ela era sua.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.