Tudo de Mim

Capítulo 1


O barulho dos tiros e das bombas era ensurdecedor... Ele teve que se arrastar pelo campo molhado até chegar ao soldado ferido. Sangue escorria por toda parte e ele teve que colocar as mãos sobre a boca do soldado para que seus gritos não denunciassem a posição deles. Estavam em território inimigo e qualquer movimento poderia ser fatal.

—Calma, vai passar. - sussurrou olhando os ferimentos dele. Apesar de não ser nenhum especialista, ele tinha experiência em primeiros socorros e sabia que não havia nada a ser feito naquela situação. Seria preciso uma equipe e instrumentos adequados para tentar salvá-lo.

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—Você precisa dizer a ela. - ele teve que inclinar para ouvir o que o soldado dizia.

—Você mesmo pode dizer. - tentou soar confiante, mas os ferimentos eram graves demais para que ele sobrevivesse e o soldado sabia muito bem disso. Os dois estavam em solo inimigo e provavelmente, nenhum dos dois sobreviveria por muito tempo.

—Não. Estou morrendo, mas você pode sobreviver. - tateou até encontrar o bolso da calça. - Aqui. - apontou erguendo o que parecia ser uma foto.

Ele a pegou das mãos trêmulas dele e abriu a foto dobrada. Ela estava amassada e suja, mas isso não o impediu de ver com nitidez os rostos alegres da família.

— Sua esposa e filhos? - perguntou abaixando a guarda e esquecendo onde estavam para se concentrar apenas no homem a sua frente.

—Sim... Minha família. - gaguejou e fechou os olhos por um instante. Ele estava tão quieto que parecia já estar morto, mas o som de sua respiração ainda mantinha a esperança de que eles pudessem encontrar ajuda.

—Vou te tirar daqui e os verá em breve.

—Eu não vou sair daqui vivo. - lágrimas escorriam por seu rosto e ele esticou as mãos para pegar a foto de volta. - Só quero vê-los uma última vez. - passou o dedo pela foto como se pudesse tocá-los realmente, a última vez que os tinha visto, fora há seis meses e ele não conhecia o pequeno bebê, foi chamado de volta poucos dias antes dela nascer. - Só queria ter a conhecido, é tão linda e se parece com a mãe. - falou admirado e depois, dando um último beijo na foto, a entregou para ele. - Diga a minha esposa que a amo.

—Não se preocupe com isso. – ele olhou em volta calculando as opções deles. Era um excelente estrategista, mas no momento, não conseguia pensar em nada. A cabeça dele latejava e o zumbido irritante não o deixava em paz e muito menos se concentrar.

—Não. - segurou a mão dele. - Você tem que dizer a ela, pessoalmente, por favor. Bella precisa saber que sempre a amei e que ela é a mulher da minha vida. E diga aos meus filhos que lamento não ter sido um pai presente, mas que isso nunca me impediu de amar cada um deles, mesmo a que nunca conheci. Por favor, prometa que dirá a ela. Ela tem que saber que eu acredito nela e que a amo. - ele pensou em mentir, mas não poderia fazer uma promessa a um homem a beira da morte e não cumpri-la.

—Eu juro que direi a eles. - prometeu apertando firme a mão dele, aquele era o mínimo que poderia fazer por ele: ficar ao lado dele. Sentou e manteve uma das mãos segurando a dele. Olhou para alto, enquanto no céu era pura paz, na terra era literalmente pura guerra.

— Qual o seu nome? – tentou ver a patente dele, mas os olhos dele não conseguiam mais focar com nitidez.

—Cullen. Edward Cullen. – respondeu pressionado o sangramento com mais força. Ele não poderia morrer agora. Ele não havia deixado um soldado para trás e não seria agora que isso aconteceria. Levantou e calculou o tempo que levaria para chegar a um lugar seguro.

—Salve-se Edward. E muito obrigado. Foi um prazer servir ao seu lado. – bateu continência e sorriu aliviado. Olhou para o céu estrelado, era uma linda noite e merecia muito mais do que a guerra que se desenrolava. Passou dias se lamentando, mas agora não era mais hora para isso. Fez tudo o que pode e sabia que a família ficaria bem. Bella saberia que ele a amou e que acreditava nela. Ela era forte e sobreviveria, assim como os filhos.

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—Descanse em paz, soldado. – Edward sabia que eles não poderiam atravessar o campo e sobreviver. Suspirou derrotado e voltou a sentar. Agora só restava esperar...

[...]

1 ano depois...

Ele não imaginou que levaria tanto tempo para cumprir sua promessa, mas finalmente tinha encontrado a casa certa, pelo menos torcia para que fosse. Ela era pequena e havia duas bicicletas de crianças jogadas no jardim, além de vários outros brinquedos. Desordem foi o primeiro pensamento que lhe veio à mente.

Tomando cuidado para não pisar em nada, ele caminhou com lentidão até a varanda e ouviu gritos vindo de dentro da casa, seus instintos diziam para que ele avançasse e corresse para ajudar quem quer que estivesse lá dentro. Mas foi freado ao perceber que não eram gritos gerados por perigo real. Aproximou-se da porta e tocou a campainha três vezes e já estava a ponto de desistir quando a porta foi aberta por uma mulher morena, completamente despenteada e com as roupas sujas e amassadas.

—Graças a Deus você chegou. - a mulher ofegou e ele a olhou confuso.

—Estava esperando por mim? - balbuciou olhando em volta. Como ela poderia saber que ele estava indo vê-la? Ele mesmo só soube que estava indo para a pequena cidade de Forks, na manhã anterior. Havia desistido de cumprir sua promessa há muito tempo.

—É claro que sim. Liguei faz horas. Vocês não sabem o significado da palavra urgente? - resmungou dando as costas para ele. Meio hesitante, ele a seguiu pelos corredores.

Se o lado de fora era uma bagunça, a palavra mais próxima que ele encontrou para descrever o interior da casa era caos. Havia mais brinquedos espalhados e várias roupas empilhadas e jogadas pelo sofá e cadeiras. Ele teve que sufocar um grunhido de choque ao ver o estado da cozinha.

—Eu sei, está uma bagunça, mas só ignore e foque no seu trabalho. Seja rápido, por favor. Tenho que dar banho nas crianças. - ele a olhou ainda sem entender do que ela estava falando. - O vazamento da pia. - ela estalou os dedos, próximo ao rosto dele para chamar sua atenção.

—Acho que está me confundindo, senhora. - murmurou olhando com nojo para o cômodo em que estavam. Aquele lugar o lembrava dos precários alojamentos em que ele ficou durante o tempo de guerra.

—Você não é da empresa de encanamento? - gemeu ao constatar que seu problema não seria resolvido tão cedo. - Que merda, e agora? - cruzou os braços frustrada.

—Posso dar uma olhada para você. Onde é o vazamento? - ele não poderia deixar que aquela situação se prolongasse e ela parecia tão perdida que ele se compadeceu do sofrimento dela.

—Por favor. Preciso da água para arrumar as crianças para irem à escola.

—Tem alguma ferramenta? - pediu dobrando as mangas da camisa.

—Tem uma caixa no porão, meu marido que usava, mas não faço a mínima ideia do que tem lá. Vou pegar para você. - avisou saindo correndo e o deixando sozinho na cozinha. Ele balançou a cabeça, como ela podia ser tão ingênua e o deixar sozinho na casa? E se ele fosse um maníaco? Ou um estuprador? Ela tinha filhos pequenos, deveria ser mais cuidadosa.

—Quem é você? - ele se virou e deu de cara com um garoto que arrastava uma manta pelo chão. Os olhos dele estavam inchados, provavelmente de tanto chorar, já que seu rosto estava manchado.

—Ele vai consertar a água, querido. - ela avisou colocando a pesada maleta em cima da mesa.

—Estou com fome, mamãe. - choramingou estendendo as mãos para que ela o pegasse no colo.

—Vou preparar cereal, o que acha? - ela fez cócegas nele o fazendo soltar gritinhos animados. - Vai levar muito tempo? - perguntou o tirando do transe.

—Vamos ver. - ele procurou na maleta até achar a ferramenta certa e depois com cuidado, se enfiou debaixo da pia. - Que bom que fechou o registro ou estaria tudo inundado aqui. Vou colocar uma venda aqui para resolver o problema por hora, mas vai precisar trocar todas as peças aqui debaixo.

—Droga, lá se vai o dinheiro para seu casaco novo. - cutucou o filho e ele fez um bico de desapontamento. – Mas a mamãe vai fazer um para você, vai ficar lindo.

—Não deve ficar muito caro. - tentou tranquiliza lá. - Posso trocar para você, é só comprar as peças que dou um jeito.

—Obrigada, você é um anjo, sabia? - sorriu para ele e colocou o menino na cadeira. - A propósito, se não é da empresa de encanamento, o que faz aqui?

Ele se mexeu desconfortável no lugar e passou as mãos no cabelo sem saber como começar aquela conversa. Imaginou aquele momento por diversas vezes, mas agora, de frente para ela, não sabia o que dizer.

—Mamãe. - foram interrompidos pelo choro de uma criança menor. Era uma menina que trazia em seus braços um ursinho esfarrapado.

—Oi amorzinho. - ela o pegou no colo e começou a balança- lá pela cozinha, até que ela se acalmasse. - Então, o que faz aqui? - perguntou o encarando.

—Tenho um recado do seu marido para vocês.

Ela colocou a criança no chão e se apoiou na cadeira para não cair.

—Do meu marido? - gaguejou respirando com dificuldade.

—Sim. Ele pediu para que dissesse algo a vocês.

—Como? Ele morreu tem um ano. - puxou a cadeira para se sentar. Aquilo deveria de ser algum tipo de brincadeira de muito mau gosto.

—Estava ao lado dele quando ele morreu. – revelou e ela teve que segurar na mesa ou acabaria desmaiando.