Câncer

A dor de te deixar


Sede.

Minha boca está seca dificultando a minha respiração, a ardência em minha glote é latente o que me faz tossir incontrolavelmente. Samantha me observa atentamente, mas nada diz, não há o que dizer. Não mais.

Meu corpo está fraco e meu coração falhando, mas eu estou tentando, eu tenho que tentar, preciso continuar tentando lutar por ela. Minha namorada, a mulher que me deu forças, a razão de todo o esforço que eu nem sabia que tinha. Foram meses de agonia, meses lutando contra o inevitável e a cada quimioterapia que injetavam em meu corpo eu sentia toda a minha força se esvair aos poucos, mas logo se regenera quando Samantha apertava forte minha mão e sorria para mim. Ela sempre dizia que ficaria tudo bem, que isso era só um pequeno obstáculo em minha vida e que passaríamos por isso juntos, ela ainda faz isso quando injetam quantidades absurdas de morfina em mim para que eu possa resistir à dor por mais algum tempo.

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Passo a língua sobre os meus lábios e sinto a pele ressecada, o gosto metálico das fissuras em minha pele preenche a minha boca aguçando levemente as fracas papilas gustativas. Não consigo me lembrar da ultima vez que senti o gosto de comida de verdade, os médicos só me dão uma porcaria sem gosto que entra pela sonda e cai direto em meu estômago debilitado. Gostaria de sentir o sabor de um suculento bife com fritas do Moon´s, o restaurante do meu tio.

Sinto falta de pegar a Samantha de surpresa no trabalho e viajar sem rumo para longe de tudo, fazíamos isso com frequência e sempre tivemos as noites mais incríveis juntos.

Passo os meus olhos pelo quarto branco sem graça e vejo Sam limpar uma lágrima involuntária que escorre pelo seu lindo rosto, odeio vê-la chorar por mim. Ela não merece passar por isso, tínhamos tantos planos juntos. Nunca disse a ela, mas o meu sonho era vê-la com um vestido de noiva, a cada dia que passamos juntos eu a imaginava subindo no altar e me dando o sorriso que só ela tem. Pode ser meio idiota um homem pensar nessas coisas, mas eu gostava de imaginar o meu futuro ao lado da mulher que mudou minha vida para melhor.

— Sam... — chamo por ela e me assusto com a rouquidão de minha voz. — Poderia me dar um copo de água? — peço em forma de súplica.

Ela avança em minha direção e senta-se na beirada da cama hospitalar, seus olhos azuis, um pouco avermelhados pelo choro, me fitam com pena.

— Kalel, você sabe que não posso. — ela desliza seus dedos quentes em minha pele pálida e fria. — Mas eu posso fazer outra coisa... — ela diz sorrindo de um jeito estranho.

Eu sei o que aquele sorriso quer dizer, ela se aproxima do meu rosto e tenta beijar os meus lábios, mas recuo. Não posso beijá-la assim, meus lábios estão rachados e provavelmente com um gosto amargo do veneno que me injetam, óbvio que eu morro de vontade de sentir o doce sabor do beijo de minha Sam, mas não quero que seja desse jeito, não pode ser desse jeito. Ela suspira exausta e também recua depois da minha reação.

— Kalel, eu estou tentando aqui... Eu juro que estou tentando. — ela sussurra cansada.

Seu olhar torna-se mais triste quando ela o fixa no acesso em minha mão. Eu quero permanecer calado, mas a raiva de não poder tocá-la, beijá-la e amá-la do jeito certo me corrói por dentro fazendo-me sentir uma fúria avassaladora.

— E o que você acha que eu estou fazendo? Eu estou morrendo, Samantha! — grito usando o resto de minha limitada força.

Ela levanta-se e põe as mãos sobre a cabeça, suas costas sobem e desce tão rapidamente que penso que ela irá explodir a qualquer momento. O silêncio preenche o ambiente de forma desconfortável, ela permanece de costas e eu consigo ouvir o som dos seus soluços baixinhos. Eu a magoei, talvez assim seja mais fácil, talvez assim ela consiga superar a dor de me perder.

Você é um idiota, Kalel.

Samantha continua em silêncio até que de repente ela sai do quarto como um furacão.

É, você é realmente um idiota, Kalel.

Ajeitei-me melhor na cama e recosto minha cabeça lisa sobre o travesseiro, à porta do quartou se abriu de novo, revelando minha tia Marie e meus primos que viajaram de Austin só para se despedirem.

— Olá meu bem. — tia Marie diz e caminha em minha direção.

Seus cabelos grisalhos e lisos lhe dão certo charme, ela não é tão velha, mas é “natureba”. Lembro-me dos muffins de chocolate que ela fazia na minha infância, ela pedia para poder fazer muffins mais saudáveis com beterraba, mas pedíamos para que ela fizesse de chocolate e ela sempre cedia a nossas vontades. Era uma época mais fácil, gostaria de voltar no tempo.

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— Como se sente, querido? — ela pergunta enquanto acaricia minha bochecha do mesmo jeito que ela fazia quando eu era criança.

Minha vontade de dizer “Estou ótimo! Nem consigo sentir a morte chegando, titia.” Mas não podia fazer isso com a pobre titia Marie então apenas esboço um sorriso fraco e permaneço em silêncio.

— Desculpe-me. — ela sussurra e baixa levemente a cabeça.

Seguro sua mão e aperto levemente meus dedos envoltos nos seus.

— Tia Marie, preciso que me faça um favor. — começo e ela levanta o olhar para me olhar melhor. — Eu sei... — minha garganta falha e começo a tossir, tia Marie apoia minhas costas e limpa os meus lábios com um fino pano branco. — Eu sei que a Sam não vai conseguir e nem a mamãe então peço que junte as minhas coisas e me enterre com a minha core favorita. Você sabe qual é...

— Eu sei... — ela diz por mim, pois percebe o qual difícil está sendo para eu dizer essas palavras. — Azul céu profundo, a cor dos olhos da Samantha.

Esboço um sorriso para ela que me devolve um sorriso tímido em meio às lágrimas.

— Pode ficar tranquilo, farei o que pede. — ela aperta levemente a minha mão.

Despeço-me dos meus primos com um sútil aceno de cabeça e deixo que tia Marie beije minha testa antes de sair pela porta do quarto branco sem graça.

Arrumo o respiradouro de silicone preso firmemente em meu rosto, olho para o lado e observo o cilindro de oxigênio, aquilo era o símbolo de toda a minha dor, câncer de pulmão em um não fumante, sabe como isso soa idiota? Eu era um atleta, fazia academia e cuidava do meu corpo até sentir os primeiros sintomas. As dores no peito eram as piores, sempre achei que poderia ser algum problema cardíaco, mas o meu coração estava bem, não entendia o que o meu corpo queria dizer até as tosses carregadas com sangue.

Lembro-me como se fosse hoje, eu estava com a Sam e alguns amigos, era uma noite agradável de sábado até sentir as dores no peito, achei que poderia ser qualquer outra coisa, mas eu fiquei muito assustado quando vi o sangue em minhas mãos após uma crise agressiva de tosses. Samantha quase teve um treco e não pensou duas vezes até me arrastar para um hospital. Foram momentos tensos entre raios-X e tomografias do peito e voilà, o meu raios-X acendeu como uma maldita árvore de natal, os carcinomas de pulmão de pequenas células estavam lá me dando “oi”. Lembro-me das lágrimas que Sam derramou enquanto tentava conversar com o médico e eu, bom... Eu não conseguia parar de encarar o meu futuro que desaparecia diante de meus olhos.

Inferno!

— Kalel? — uma voz fina tira-me de meus devaneios.

Os cabelos ruivos de Milla aparecem atrás da porta, seu olhar é triste e tímido, atrás dela está Kyle com o mesmo ar tímido e triste. Os dois entram no quarto, e fecham a porta atrás de si.

— Samantha saiu daqui muito nervosa... — ela comenta sentando-se na beirada da cama. — Aconteceu alguma coisa, irmãozão? — Milla segura a minha mão mostrando-se preocupada.

Encaro o verde dos olhos de minha irmã e me perco nas lembranças. Milla não parecia ser a minha irmã mais nova, com dezenove anos e ela é a pessoa mais séria e centrada que conheço. Diplomática, ela sempre apaziguava as brigas entre eu e Kyle quando éramos crianças. Normalmente, irmãs mais novas sempre tinham o estereotipo de encrenqueiras, mas Milla sempre nos unia, arranja programas em que os três mosqueteiros pudesse fazer juntos. Sentirei falta dos cafunes que minha ruivinha favorita adorava fazer em meus cabelos, minha pequena Milla será a base que minha família precisará, ela saberá o que fazer quando eu partir.

— Eu fui um babaca com ela, disse uma coisa idiota e a magoei. — finalmente respondo e engulo em seco.

Milla olha de relance para Kyle que devolve um olhar preocupado.

— Tenho certeza que não foi sua intenção magoá-la. — Milla diz e sorri gentilmente.

— A pior parte é que foi minha intenção sim, Milla. — fixo meus olhos nos meus dedos pálidos que brincam com o tubo de silicone que transporta o soro para o meu corpo. — O idiota aqui pensou que se eu a afastasse seria mais fácil para ela poder me esquecer e seguir em frente.

— Você acha que é fácil esquecer-se de alguém desse jeito, Kalel? — Kyle diz meio exaltado. — Como você pode ser egoísta dessa forma? Não é fácil seguir em frente e agir como se nada tivesse acontecido, principalmente quando aquele que amamos se foi! — ele grita entre lágrimas.

Não consigo dizer nada, nunca vi meu irmão mais velho desse jeito, tão... Desesperado.

Kyle é totalmente ao inverso de Milla, mulherengo e extrovertido. Um moleque no corpo de um homem, apesar de tudo ele é o melhor irmão mais velho do mundo. Vê-lo chorar despertou em mim algo estranho, uma sensação ruim que assola o meu peito, se eu morrer causará tanto sofrimento então eu não quero morrer.

Mas o que eu posso fazer contra isso? A escolha entre viver ou morrer não está em minhas mãos e cabe apenas ao destino responder essa questão.

Ver meus dois irmãos chorando incontrolavelmente fez com que uma raiva arrasadora sufocasse o meu coração, minha garganta se fecha ao ponto que se torna impossível de soltar o ar que está preso em meu peito. Desde o fatídico dia da descoberta da minha doença eu simplesmente não consegui chorar mais, como se algo dentro de mim estivesse bloqueado ou em choque como a psicóloga disse em uma das sessões da qual que tive que participar. Senti algo molhado e quente cair sobre o meu rosto, demorei um tempo para perceber que lágrimas escorriam. Milla subiu na cama e deitou-se ao meu lado, puxei a mão de Kyle e o fiz deitar-se do outro lado, passo os meus braços envolta deles e os aproximo de mim. Uma sinfonia triste substitui o silêncio, três choros diferente ecoam pelo quarto.

— Eu não quero morrer. — sussurro para mim mesmo.

Eu realmente não quero morrer, eu já tinha me acostumado com a ideia de não vencer essa batalha, mas depois de sentir a dor que a minha família está sentido fez com que o medo voltasse a me atormentar.

— Vai ficar tudo bem. — é a única coisa que consigo dizer em uma tentativa frustrada de consolá-los.

Fiquei um tempo abraçado a eles, eu tentei ao máximo passar tranquilidade e a certeza que tudo ficaria bem. Não deixei que o meu medo da morte transparecesse para eles, eles não merecem se preocupar com mais nada.

As horas passam e eu consigo sentir que está cada vez mais difícil de respirar, mesmo com o respiradouro me auxiliando meus pulmões não conseguem mais aguentar. Eles estão cansados assim como eu. A cada respiração é como milhares de grandes agulhas perfurando o meu peito, evito ao máximo a vontade de tossir já que não sei se aguentaria mais uma onda violenta de dor.

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Por que doer tanto? Já não basta estar morrendo por que ser sofrido e doloroso?

Mais e mais parentes me visitam para se despedir e nada da Sam voltar, tento sorrir e tranquilizá-los de que eu estou “em paz” com o meu destino, mas só eu sei como estou tremendo por dentro. Morrer não estava em meus planos, não por agora com vinte e sete anos, novo demais para poder dizer adeus ao mundo. Queria ter aproveitado mais, ter abraçado mais minha família, ter vivido cada dia como se fosse o meu ultimo.

A pior parte foi ter que ver o meu pai chorar, o homem mais rústico e bruto que conheço, nunca tinha o visto chorar em toda a minha vida até hoje. Ele se aproxima de mim meio receoso, não consigo evitar as lágrimas e levanto minha mão me esforçando ao máximo para tocar-lhe o rosto. Sinto suas lágrimas quentes sob as pontas dos meus dedos frios e de repente ele desmorona sobre mim, seus braços passam envoltos da minha cintura e ele esconde seu rosto no lençol branco, suas costas sobem e desce com a intensidade de seus soluços. Minha mãe me olha catatónicamente, ela está imóvel perto da porta, seus punhos se fecham e seu lábio inferior treme como se ela quisesse gritar, não posso imaginar sua dor. Perder um filho deve ser a pior sensação do mundo e eu nunca quis que ela passasse por isso.

— Eu sinto muito, mãe. — repouso minha mão direita sobre a cabeça de meu pai e acaricio seus cabelos.

Mamãe avança e me abraça, ela repousa seu queixo sobre a minha cabeça e me aninha em seus braços como quando eu era criança.

Ouvi dizer que nem todo mundo consegue curar um coração ferido pela dor de perder um filho, mas eu espero que minha mãe se agarre a Milla e a Kyle, pois eles podem amenizar a dor de me ver partir.

— Mãe, você sabe onde está a Sam? — pergunto ainda com o rosto escondido em seu ombro.

— A vi indo em direção ao terraço. — minha mãe diz enquanto seca seu rosto inundado por lágrimas.

— Mãe... Pai... — começo a falar, mas uma fadiga estranha toma conta do meu corpo. Está chegando a hora. — Preciso... Preciso que me ajudem a levantar.

— Não acho que isso seja uma boa ideia, filho. — meu pai se recompõe e me alerta dos riscos.

Olho para minha mãe e tento fazê-la entender o que eu quero fazer, sua expressão confusa suaviza-se e ela segura a minha mão.

— Meu amor, me ajude aqui. — ela pede para que meu pai me ajude a levantar.

Meu pai não disse nada apenas suspirou exausto demais para poder discutir e me levantou da cama, senti o chão frio sob meus pés e depois de alguns segundos consigo manter o equilíbrio. Puxo o acesso preso em meu braço e não sinto dor alguma ao tirar a grande agulha de dentro da minha frágil veia. O mais difícil vem agora, apoio uma das minhas mãos sobre a proteção da cama e com minha mão livre tiro o respiradouro. Meus pulmões sentem a diferença, os respiradouros praticamente faziam todo o trabalho mecânico dos meus órgãos defeituoso e uma leve tontura me atinge como uma onda agressiva.

— Eu estou bem. — tranquilizo meus pais que se entreolham preocupados.

— Vamos... Eu não tenho muito tempo. — digo caminhando lentamente em direção à porta.

Todo parece estar em câmera lenta, todos os meus parentes ocupam o corredor e me encaram com os olhos arregalados e um expressão assustada. Minha mãe faz um gesto sutil com a cabeça demostrando que está tudo bem e continuamos a passar por eles, meu objetivo é o terraço, preciso dizer algo a Samantha antes que seja tarde demais. Eles abrem o caminho facilitando a minha pequena jornada, meu peito arde e minhas pernas querem falhar, mas eu não me permito desistir tão facilmente.

Não posso... Devo continuar por ela, minha Sam.

Graças a Deus que meu quarto fica no ultimo andar e só preciso subir um lance de escadas de doze degraus. Paramos em frente à porta de emergência.

— Eu sigo sozinho aqui, mãe. — digo a ela que me fita assustada.

— Você tem certeza, meu filho? — ela indaga preocupadíssima.

Aceno com a cabeça e enrosco minha mão em seu pescoço a trazendo para mais perto, deposito um beijo terno em sua testa e sorrio para ela.

— Eu te amo. — sussurro e sigo em direção à escada.

Olho para o topo e me parece cada vez mais longe o meu objetivo, como se a distancia dobrasse de tamanho. Suspiro cansado e seguro firmemente no corrimão e subo o primeiro degrau.

Pronto! Só falta mais onze.

Reviro os olhos com o meu próprio pensamento e tento focar no topo da escadaria. Subo mais dois e paro, meus pulmões gritam para que eu pare e volte para o oxigênio artificial, mas a minha vontade de ver Samantha fala mais alto e me obrigo a subir mais três. Respiro ofegante e sinto um mal estar tomar meu corpo, por um momento penso em chamar por Sam, mas não admito ser derrotado por uma escada velha e idiota.

Vamos lá, Kalel... Eu sei que você consegue.

Reúno o resto de minhas forças e subo os seis degraus que falta, a ardência aumenta de intensidade de modo que não consigo mais me manter de pé e acabo me desequilibrando e caindo de joelhos contra o concreto frio. Sinto a primeira brisa em tempos, o vento atravessa meu corpo e preenche os meus pulmões doentes de oxigênio puro. Por um momento eu sinto alívio acalentar a minha alma, os raios do sol me atinge de forma que uma sensação morna permeia a pele do meu rosto. Senti falta dessa sensação, falta da vitamina D penetrar meus poros e me trazer o mínimo de vigor possível.

A luz resplandecente me cega por alguns segundos.

— Kalel? — a voz doce de Samantha me tira do transe.

Sua silhueta entra na frente da luz brilhante, ela corre em minha direção e me envolve em seus braços.

— Meu Deus, Kalel! O que faz aqui? — ela questiona exasperada.

Ajeito-me em seus braços a fim de poder ver melhor seus lindos olhos cor de céu.

— Vim te ver... — digo ofegante. — Vim... Vim me desculpar com você. — encosto os meus dedos em sua bochecha alva e macia. — Eu não queria... Não queria dizer aquilo, meu amor. — fixo os meus olhos nos seus. — Eu sou um idiota, você sabe... Sabe disso, né? — pergunto com dificuldade.

Tento mascarar a minha agonia com um sorriso, Samantha me observa com uma expressão seria de gelar a espinha.

— É, você é um completo idiota... Mas é o meu idiota. — ela esboça o mais belo sorriso que alivia quase que instantaneamente o aperto em meu peito.

Ela senta-se no chão e apoia às costas no suporte de ar-condicionado, com cuidado ela me puxa e eu sento no meio de suas pernas. Apoio minhas costas em seu peito, ela passa seus braços ao meu redor e entrelaça suas mãos nas minhas. Senti falta de estar em seus braços, falta do calor do seu corpo junto ao meu.

Eu vou sentir falta do seu toque, do seu cheiro, dos seus sorrisos, das suas piadas de “tiozão”, sentir falta de me aninhar em seus braços em noites chuvosas.

— Sam? — chamo por sua atenção.

— O que foi? — ela pergunta de um jeito baixinho.

— Eu sei que você vai querer... Me bater depois disso, mas acho que eu aceito correr o risco. — digo com a voz falha demais e levo uma das minhas mãos no bolso do avental hospitalar e de lá retiro uma pequena caixa de veludo vermelha.

Destravo o fecho e abro a caixinha, ajeito-me em seus braços de modo que eu consiga ver seu rosto angelical. Quando seus olhos encontram com o anel dourado vejo um brilho diferente preencher lhe o olhar. Sua boca se abre formando um pequeno “O”.

— Eu pretendia te dar esse anel daqui um mês... — puxo o ar para os meus pulmões com certa dificuldade. — No seu aniversário. Eu queria que fosse especial esse momento, mas acho que não tenho todo o tempo do mundo agora. — engasgo e sinto um gosto metálico inundar minha boca.

Viro para o lado e despejo todo o líquido escarlate sobre o chão. Não queria que ela me visse assim, que suas ultimas recordações do namorado doente fosse coberto de sangue e saliva.

— Desculpa. — sussurro envergonhado enquanto limpo o canto de minha boca com as costas da mão.

— Shhh. — ela diz entre as lágrimas. — Não precisa se desculpar. — ela acaricia meu rosto.

Por longos cinco segundos eu consegui apreciar seu toque quente e temeroso.

— Quero que saiba que você foi a melhor escolha de toda a minha vida... — ela diz baixinho. — O homem que me fez a mulher mais feliz em todos esses anos juntos, todos os meus dias ao seu lado foram alegres e divertidos. Você conseguiu fazer eu me apaixonar todos os dias durante sete anos. — sua voz começou a ficar longe, como se algo estivesse errado, mas tudo parecia normal.

Um formigamento começa a subir pelas minhas pernas e se alastra tão rapidamente até chegar à ponta dos dedos de minhas mãos.

Está chegando.

Uma moleza estranha tomou conta do meu corpo e senti a necessidade de apoiar meu rosto sobre seu peito. As batidas de seu coração tornaram-se um mantra gostoso de ouvir e me permiti relaxar.

— Você sempre será o meu Kalel. O grande amor da minha vida. — ela sussurra chegando mais perto do meu rosto.

Minha visão se torna turva de modo que apenas consigo enxergar seus olhos cor de céu derramarem lágrimas grossas.

Eu sei o que ela vai fazer e dessa vez eu não me deixo recuar, sua respiração faz cócegas em meu rosto, o que me faz sorrir sutilmente. Seus lábios encostam-se aos meus lábios rachados, a maciez e o calor da sua pele faz com que o meu coração fraco bata por uma ultima vez.

Finalmente eu pude lhe dar o beijo que ela tanto queria.

— Eu te amo, minha Sam. — suspiro por uma ultima vez até ser absorvido pela escuridão.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.