Ametista

É impressão minha ou todo mundo tá muito sensível?


Uma semana se passou e as coisas melhoraram um pouco. John não voltou a aparecer. Jack estava sendo bem atencioso comigo, assim como o Doutor.

Eu não me sentia cem por cento bem, ainda afetada por toda a confusão com as Waspdusts, e o Senhor do Tempo tentava a todo momento ser uma distração leve e divertida. Ele era o único, além de mim, que sabia o que tinha acontecido. E não fez nenhuma pergunta sobre o que eu tinha visto, ou comentários sobre o ocorrido.

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—Isso ia ficar uma graça em você. -O Doutor disse, colocando uma tiara de flores cor de rosa no meu cabelo. Eu não sabia se ele estava brincando ou não.

—Claro, por que eu super uso o visual fada.

—Não seria tão ruim abandonar esse estilo rainha das trevas. -Peguei uma tiara de flores e azuis e coloquei na cabeça dele. -Ei, isso ficou legal, olha só... A gente devia sair por aí com roupas combinando. -Ri.

—Você definitivamente não tem nenhum senso de moda.

Estávamos em Beldoria, a maior nave praça da galáxia. Ninguém morava lá, apenas vendiam e compravam coisas nas feiras, e havia peças e concertos na Praça Central.

Seres de todo o Universo iam a Beldoria. Dava para ver a diversidade dos aliens pelas ruas, e as línguas faladas se enrolavam, às vezes tornando-se uma só.

—Ah, eu adoro isso aqui!-O Doutor exclamou, atrás de mim. Larguei o bracelete que segurava e me virei, apenas para encontrar o Senhor do Tempo com um chapéu de caubói na cabeça.

—Você tá de brincadeira.

—Chapéus de caubóis são legais. -Tirei o chapéu dele, deixando na bancada que ele pertencia.

—Nem pense em colocar isso na cabeça de novo.

—Estraga prazer. -Se virou para o vendedor. -Você não teria um fez, teria?

E foi assim que ele arrumou um fez e saiu com ele na cabeça, todo sorridente.

Continuamos caminhando, parando em algumas barracas, conversando e parando para fazer alguns lanches.

Beldoria me lembrava muito de Eldamar, e seu estilo tinha sido inspirado no continente pacífico.

Eu estava acostumada a entrar em confusão, mas um pouco de paz era muito bom. Okay, acabei arrumando encrenca com um alien que perguntou ao Doutor quantas peças de ouro ele queria pra me vender. Se o Senhor do Tempo não tivesse me puxado para longe, eu teria entrado numa luta corporal.

—Qual é? Ele que começou!

—Mas você não precisava partir para violência. -O Doutor retrucou.

—Eu sempre parto pra violência. Pode querer não admitir, mas às vezes violência é o que resolve as coisas.

—Você é muito estranha. -Sorri.

—Você é estranho também, por isso nos damos tão bem. Ah, você tem que provar isso.

Paramos em frente à uma barraca que vendia comida de alguns planetas distantes que eu já tinha visitado.

Pedi uma porção de Hasski e entreguei para o Doutor.

—O que seria isso?-Perguntou, olhando a comida de perto.

—Apenas prove.

—Não é venenoso ou algo assim, é?-Sorri.

—Só vai saber depois que provar.

Encarou ao fiozinhos marrons, deu de ombros, então comeu um pouco. Segurei o riso, vendo a cara de espanto dele.

—Ei, isso é muito bom! O que é?

—Larvas de Hasskiatore. -Respondi.

—O que? Larvas?-Largou a tigela na bancada da barraca e esfregou a língua. -Ametista!

—Eu devia ter gravado isso. -Ri.

—Essas coisas são venenosas!

—Apenas se ingeridas cruas. Qual é, Doutor? Ainda não tenho motivos pra te matar. -Arregalou os olhos.

—Ainda?

—Nunca se sabe.

Apontou dois dedos para os olhos, pra mim, e se afastou até outra barraca, atrás de algum líquido.

Uma garotinha verde se aproximou, puxando a barra do meu casaco até que eu olhasse pra ela.

—Tudo bem?-Perguntei, me abaixando para ficar na altura dela. Ela assentiu e me entregou um folheto.

—Festival do Tempo. Você pode vir com seu amigo engraçado.

—Nós iremos.

Sorriu e se afastou, entregando os outros folhetos para as pessoas que ia encontrando pelo caminho.

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Fiquei de pé, olhando o folheto.

FESTIVAL DO TEMPO.

UMA HOMENAGEM ANUAL AO HERÓI DO UNIVERSO, O DOUTOR.

HORÁRIO: QUANDO OS DOIS SÓIS ESTIVEREM ALINHADOS.

LOCAL: PRAÇA AZUL MARINHO (PRAÇA CENTRAL).

Olhei para cima, os sóis estavam quase se alinhando.

Enfiei o folheto no bolso e fui até o Doutor, puxando-o comigo em direção à praça central, fazendo-o quase derrubar seu copo de chá.

—O que houve?-Perguntou, agitado. -É uma invasão Dalek? São Cybermans? O Mestre está tentando explodir a nave?

—Você é bem paranoico. Não tem nada acontecendo. Nós apenas vamos assistir uma apresentação. -Jogou o copo vazio no lixo.

—Apresentação? Sobre o que? -Sorri.

—Sobre um herói.

***

O Doutor e eu nos ajeitamos na arquibancada, no ponto mais alto, de onde dava pra se ter uma visão ótima do palco. Dezenas de seres estavam lá, falando em línguas diferentes, esperando a homenagem começar.

A garotinha verde, que me entregou o folheto, saiu dentre as cortinas e encarou a multidão.

—Sejam bem vindos ao Festival do Tempo! Hoje, como todos os anos, iremos homenagear um herói. Ele tem muitos nomes e é conhecido em todo o Universo. Seu nome significa “homem sábio” e “curandeiro”. Ele é o Doutor.

Aplausos por toda a arquibancada. O Senhor do Tempo ao meu lado parecia espantado. Olhou pra mim e para o palco algumas vezes, sem entender.

—Você sabia disso?-Perguntou.

—Sabia. Aproveite sua homenagem.

Então, no palco, cantaram, dançaram, declamaram e atuaram em nome do Doutor. Foi uma das homenagens mais lindas que eu já vi.

Contaram sobre como ele começou, roubando uma TARDIS e correndo por aí, sobre aventuras, companheiros e planetas que ele salvou.

Canções sobre sua bondade e coragem foram cantadas por adultos e crianças. Uma garota declarou que The Long Song costumava ser para um falso deus, e agora para seu povo e muitos outros, era para o Doutor. Então ela cantou e cantou, arrancando lágrimas e sorrisos pela arquibancada toda, inclusive do Senhor do Tempo ao meu lado.

Declamaram poemas escritos para o herói homenageado, um deles sendo supostamente o poema perdido de Shakespeare, que falava sobre o fascinante homem que ele conheceu, chamado Doutor.

No fim da homenagem, a pequena menina verde voltou ao palco.

—Agradecemos a todos por terem vindo. Esperamos que retornem no próximo ano. Por favor, uma salva de palmas para o nosso herói, onde quer que ele esteja.

Me juntei às diversas formas de vida que aplaudiram, olhando para o Doutor, que tinha a cabeça baixa enquanto aplaudia.

—Foi uma bela homenagem. -Comentei. Os alienígenas estavam saindo da arquibancada, falando animadamente. -Doutor?-Olhou pra mim, limpando o rosto com as mãos. -Ei, tudo bem, tudo bem. -O abracei de lado. -Não está acostumado com isso?

—Eu não sabia... Não sabia que faziam isso. É um incentivo e tanto. Nunca espero agradecimentos ou reconhecimento. E todas essas pessoas fizeram isso tudo por serem gratas pelo que eu faço.

—Somos todos gratos. Todos nós. Você não é só um maluco que sai por aí em sua caixa azul. Você é o homem que salva o Universo. E nós todos te amamos por isso.

—Nunca deixe ninguém te dizer que você é insensível, Ametista. Nunca.

—Eu era. Não tanto quando conheci você, mas era. Você entra na vida das pessoas e muda tudo. Fez isso comigo e... E não foi ruim.

—Você sempre foi assim, só precisava de alguém que te fizesse ver que isso estava lá o tempo todo. E foi uma honra te ajudar nisso.

—Se me fizer chorar, eu vou te bater. -Riu.

—Desculpe. -Ficou de pé, estendendo a mão para me ajudar a levantar. -Você é muito agressiva às vezes. -Bati meu ombro no dele.

—Eu sei.

Começamos a caminhar de volta para a TARDIS, observando os arredores e fazendo comentários aleatórios.

—Percebeu que não tivemos p...

—Não diga!-Pediu, fazendo um gesto com as mãos. -Não diga a palavra com “P”. É como ir ao hospital e dizer que está tudo muito tranquilo. Dá azar.

—Como sabe disso?

—Já arrumei muita encrenca em hospitais. Principalmente se as enfermeiras tiverem cara de gato. -Ri de novo.

—Alguma vez sua vida já foi normal?

—Acredito que não.

—Ei, olha só!

—O que?

Agarrei o braço dele, puxando-o para uma grande tenda azul. Havia coisas familiares ali, e outras bem interessantes: miniaturas da TARDIS feitas com diferentes materiais; fotos e desenhos do Doutor (com rostos diferentes); vários livros; algumas fitas cassete... E mais uma pá de coisas.

—É tudo sobre o Doutor. -Nos viramos, encarando o velhinho simpático que sorria para nós. -Pesquiso sobre ele, e vou juntando o que posso.

—Gosta dele?-Perguntei, pegando uma das mini TARDIS, feita de gesso.

—É uma figura e tanto, o herói que o Universo precisa. E há muito para saber sobre ele. Meu pai costumava me contar as histórias dele, e eu as contei para os meus filhos e netos.

—São histórias realmente fantásticas. Há quanto tempo faz isso, senhor...

—Owens.

—Certo. Há quanto tempo estuda o Doutor, senhor Owens?

—Acredito que venha fazendo isso desde os catorze anos.

—Alguma vez já o encontrou?-O Doutor perguntou. -Desculpe, sou John Smith, essa é Ametista. -Apertou a mão dele.

—John Smith? Curioso. É um dos nomes que ele usa. Sim. Já encontrei o Doutor, mas era jovem demais para guardar a lembrança. Acho que isso apenas aumentou minha curiosidade sobre ele.

—A minha até hoje não diminuiu. -Comentei, o Doutor olhou pra mim, tentando esconder um sorriso.

—Nós temos que ir, mas foi um prazer conhecê-lo, senhor Owens. -O Doutor disse, apertando a mão do outro mais uma vez. -Espero vê-lo de novo. Tis?

—Hã... Certo. Vamos. -Larguei a mini TARDIS no lugar. -Tenha um bom dia, senhor Owens.

—Igualmente, meus jovens. -Desejou. -Igualmente.

Saímos da tenda, voltando para o nosso caminho até a TARDIS. O Doutor parecia pensativo.

—No que está pensando?-Perguntei.

—Tentando lembrar se alguma vez já o vi antes, mas nada se passa pela minha cabeça. -Começou a gesticular de modo agitado, quase me acertando. -Ele disse que me conheceu, e eu sou bom em lembrar das pessoas. Por que eu não lembro?

—Você está pensando nele como o velhinho simpático de agora. Ele devia ser uma criança quando o conheceu.

—Tem razão. Mas conheci muitas crianças e... E estou perdendo a linha de pensamento aqui. -Abriu a porta da TARDIS.

—Por que não disse a ele que você é o Doutor?-Parou, olhando pra mim.

—Por que quando as pessoas sabem quem eu sou, isso pode gerar problemas. -Cobriu a boca com a mão. -Eu disse.

—O que?

—A palavra com “P”. -Revirei os olhos.

—Não seja ridículo. -Passei por ele, entrando na TARDIS... Apenas para dar de cara com uma intrusa. O Doutor fechou a porta e parou ao meu lado.

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—Viu? É só dizer a palavra com “P”.

A intrusa tirou os olhos do livro que segurava e sorriu. Estava encostada nos consoles, como se estivesse em casa.

—Olá, docinho. -A loira saudou.

—River. Olá. O que faz na minha TARDIS?-Ela riu.

—Apenas de passagem. Estava por aí e decidi dar um “oi”. -Olhou pra mim. -Olá, Ametista.

—Como sabe o meu nome?-Perguntei.

—Spoilers. -Encarei o Doutor, que deu de ombros. -Esse livro da Kali é muito bom. Consegui um autógrafo no dia do lançamento. Ela estava tão nervosa. -Fechou o livro. O título era “O Caçador da Tempestade”. -É interessante ver como ela lidou com a paixonite que tinha por você.

—Não está com ciúmes, está?-O Senhor do Tempo perguntou.

—Ah, por favor, eu não sei o que é isso.

—Acho que estou perdendo alguma coisa aqui. -Comentei. -Quem é você?

—Eu?-Se desencostou do console. -Eu sou River Song, a esposa dele.

—Como é que é?-Virei para o Doutor. -Você é casado? Por que nunca me disse?

—É uma excelente pergunta. -River parecia entretida com a situação, já o Doutor... Encurralado.

—Eu... Eu... -Começou. -Bom... Você não sai me contando tudo, por que eu contaria?

—Não seja bobo, você sabe que ela não gosta de falar sobre seu passado.

—Desculpa, mas como raios você sabe disso?-Perguntei.

—Eu já disse: spoilers.

—Olha só, se não me der uma resposta que não seja “spoilers”, vou ser obrigada a agarrar esses seus cachos e te bater. -Riu.

—Linhas do tempo. Pra mim, nós nos conhecemos bem. Pra você, ainda não aconteceu. -Assenti.

—Faz sentido.

***

River e o Doutor tinham coisas a fazer, então o Senhor do Tempo me deixou na frente da Torchwood, a meu pedido. Foi difícil resistir e não perguntar para a loira como nos conhecemos e tudo mais, mas eu sabia que ela responderia “spoilers” e ficaria por isso mesmo.

Entrei na base. Aparentemente não havia mais ninguém (Jack dormia na base, mas talvez não estivesse lá agora).

Peguei meu celular, na gaveta onde tinha esquecido, e me virei pra sair.

—Tis?

—Hey, oi. -Olhei pra cima, Jack estava na porta da sala dele. -Tudo bem?

—Não.

Caminhei até ele, puxando-o para dentro da sala e o fazendo sentar ao meu lado em cima da mesa.

—Quer falar sobre isso, ou só encher a cara?

—Se eu falar, vai me ouvir?

—Sempre. -Respirou fundo.

—Acho... Acho que a minha vida é como uma bola de neve. As coisas vão se acumulando e acumulando... Talvez tenha vivido demais.

—Jack...

—Devia ter te escutado sobre o John. Mas nunca pensei... Nós éramos como uma família, e agora só tem você. E... E um dia você não estará mais aqui. Como todas as outras pessoas na minha vida, você também se vai. -Fez uma pausa. -Há muito tempo as coisas têm dado errado. Estrago tudo o que toco. Minha filha nem quer que eu vá visitá-la. Meu melhor amigo quis vender minha melhor amiga e... Acho que estou afastando você.

—Eu ainda estou aqui. -Segurei a mão dele. -Vai precisar de mais que isso pra me afastar, Jack Harkness. Você tem sido minha família há muito tempo.

—E talvez você devesse cair fora antes que acabe pior ainda...

—Cair fora? Fala sério, Jack. Passei por tanta coisa... Nada do que você possa fazer vai me colocar pra correr. Nada. A gente pode brigar, você pode dormir com metade do planeta e eu com a outra metade... Mas no fim do dia, seremos só eu e você. -Fiquei de pé. -Você precisa de uma boa noite de sono, e precisa ser mimado pela sua melhor amiga. -Sorriu.

—E quanto isso vai me custar?

—Dessa vez? Nada. Na próxima... Posso pensar em algum preço. -Sorri e comecei a me afastar, mas Jack me puxou de volta.

—Acho que sua fase sentimental está me contagiando.

—Contanto que saia de mim, eu não ligo nem um pouco.