Ignorância

A ignorância pode ser uma bênção


Os olhos escuros de Moira percorriam cada página sem de fato querer encontrar nada. Como se dentro de si ainda ardesse a chama da esperança que lhe permitiria alimentar um pouquinho que fosse a vontade de que, estivesse onde estivesse, Odette pudesse estar bem. Segura. Viva.

Assim como Luke sustentava-se em um fio de esperança a respeito de June e Hannah.

Mas ao invés de permanecer na ignorância que, por muitas vezes, é bênção, mergulhou naquelas páginas plastificadas, passando uma a uma. Imaginando que tipo de mortes aquelas mulheres teriam sofrido. As chacinas. As dores. A violência. Vítimas de um sistema falho que as colocava como material de reprodução para aqueles que se consideravam superiores e nada mais.

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Lembrou-se de Gavin e do casal que os adotou. Lembrou-se do sorriso de Odette ao entregar-lhe aquele vinho sem conhecimento algum. E de como o nome dela soava bem saído de seus lábios, e de como a boca dela tinha sabor de cereja recém-colhida da árvore.

O choro escapou de seus lábios, como um grito gutural e silencioso do desespero que sentia. O coração batia violentamente contra a caixa torácica, embora tudo o que Moira desejasse naquele momento fosse se encolher até o tamanho de uma bolinha de gude ou algo ainda menor.

Queria sumir.

E queria que junto consigo, a dor fosse embora.

Havia sido uma sobrevivente até agora, mas por qual motivo? Qual era a razão se Odette não estava mais naquele mundo?

Se seu olhar perdido naquela fotografia sequer a encarava de volta? Sozinha. Alvejada por balas. Sem direito a nenhuma defesa. Mais uma vítima que havia se perdido.

Exceto que para Moira ela significava o mundo.

E quantas outras pessoas não haviam perdido seus mundos entre os milhares de nomes perdidos por ali? Estaria Gavin entre elas? Poderia Moira suportar a culpa e o peso de saber que o nome do filho que decidira dar em prol de algum dinheiro estaria impregnado sobre as fotografias de alguma daquelas páginas?

Apertou os olhos, sentindo as lágrimas quentes nele. Pensando no nome de cada vítima, e de cada vítima que sequer tinha um nome. Agarrou-se às fotografias de Odette, tentando recordar-se dos bons momentos. Do som de sua gargalhada, das covinhas em seu rosto quando sorria. Da pele alva contrastante contra o tom ébano da sua. De como seus dedos se entrelaçavam tão perfeitamente quanto seus corpos se encaixavam quando estavam juntas.

Pensou em cada coisa que conseguiu se lembrar. E de como tudo havia sido tirado de si com um único solavanco. Com uma única confirmação.

Mordeu o lábio inferior para conter o grito que queria escapar por sua garganta, permanecendo em torpor diante da situação. Era tanta dor que sequer podia expressar. Era tanta dor, que tudo o que desejava era encolher-se em posição fetal, deixando-a extravasar através dos poros de seu corpo até que não restasse nada. Até que ela própria entrasse tanto dentro de si que mergulharia em um oceano escuro e letal que carregaria junto consigo a sua sanidade.

Respirou fundo, entreabrindo os olhos, as lágrimas ainda presentes que corriam seu rosto enquanto acariciava a lembrança congelada com as pontas dos dedos.

Moira encarou o olhar vazio de Odette naquela fotografia. Sozinha. Refletindo sobre sua descoberta. Era melhor não saber.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.