Mama

Capítulo Único


Medo.

Medo era o que guiava qualquer ser vivo daquele lado do mundo.

Medo da morte, medo de se tornar alimento, medo da privação total; tudo se resumia ao medo que a dor trazia em suas várias formas. Era tudo o que Isabella sentia, muita angústia ao temer o amanhã, sempre sofrendo por suas perdas.

Era assim desde que descobrira a verdade. Houve um tempo em que ela lutou contra seu destino, um tempo em que almejou conquistar a sua liberdade, e realmente acreditou que fosse possível, com todo seu espírito indomável.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Mas não era, e o terror de descobrir isso quase a corroeu.

Quando perdeu Leslie, seu melhor amigo, pensou ter perdido seu coração também. Saber que ele fora jogado na goela de um demônio por sua própria mãe a tirou dos eixos, a deixou desmotivada.

Os pesadelos tornaram-se mais frequentes, aqueles em que ela era a janta, a próxima a ser enviada; os demônios se deliciando com sua carne em um banquete macabro a deixava gélida. E era tão real que despertava nauseada, ainda com a sensação dos dentes afiados e fedidos em sua pele.

Viver naquela gaiola, aguardando por sua morte, era uma tortura.

Dia após dia, o seu fim tornava-se mais próximo, e Isabella não pensou que fosse aguentar toda a pressão daquele desespero, poderia arrancar sua própria vida antes de ser atirada em um banquete, mas no fim não possuía essa coragem.

Por isso que, quando lhe foi dada a chance de sobreviver, ela não pensou em hesitar, o instinto por sobrevivência ainda queimava vivo em suas veias. O posto de mama, definitivamente, era o melhor que poderia conseguir ali; representava o máximo de poder e bem-estar que uma humana poderia alcançar em um mundo inteiramente dos demônios.

Isabella aceitou, em nome de sua própria vida, ser a mulher que guardava o gado antes do abate, que o engordava e o dava falsas ilusões de felicidade. Eram humanos, assim como ela, mas era a única forma de escapar daqueles dentes que a espreitavam desde o seu nascimento, e acreditou que fosse o certo.

Ali, em sua própria dor, ela se perguntava se era mesmo o correto. Como poderia viver com aquilo? Aquele era o preço de ainda estar viva mesmo que seus doze anos já tivessem se passado? Era o que um humano deveria suportar para sobreviver no mundo dos demônios?

Isabella deu amor àquelas crianças, ainda que soubesse que, no fim, eles seriam apenas comida para seres muito mais fortes. Ela os amou de todo coração, como teria amado seu próprio filho se ainda estivesse em seus braços, mas julgou ser fria o suficiente para ver a justificativa no bem maior. Eles não sofriam, viviam muito melhor que qualquer humano fora daquela fazenda, e tinham uma casa confortável e cheia de amor.

Até o último instante viviam no ideal de felicidade que qualquer criança gostaria de ter, ela guiava a utopia deles como a figura materna e perfeita de carinho e proteção.

Mas porque não conseguia ver as justificativas naquele momento?

Porque seu peito doía?

A lágrima quente escorreu pela sua bochecha, e Isabella percebeu que chorava. Chorava porque tinha enviado sua primeira criança para os demônios, a culpa a invadindo ao se lembrar de sua voz doce a chamando de mama, dizendo que a amava e que ela era a melhor mãe do mundo.

Mas que tipo de mãe envia seus próprios filhos para o abate?

Quando percebeu, outra lágrima caiu pesada sobre seu colo. Suas mãos tremiam, ela constatou surpresa. Ela, 73584, aquela que acabara de cometer seu primeiro ato contra sua própria humanidade: guiou uma criança para a morte. Sentia que jamais optaria por aquele caminho grotesco se tivesse escolha, mas diante as circunstâncias, aquela era a única forma de livrar seu próprio pescoço daqueles dentes grotescos.

Tinha se tornado uma covarde, afinal.

Uma covarde que chorava pela morte que ela mesma causou, pela criança que ela criou com tanto carinho e atenção enquanto apontava uma faca para seu coração, tendo em suas mãos o destino bárbaro que a esperava.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Então sua vista borrou-se, nublada pelas lágrimas que banhavam seu rosto em tristeza; com os dedos tocando os números tatuados em seu pescoço, ela caiu em um pranto que não se permitia desde a infância, tão intenso que seu corpo arquejava e tremia, enquanto tentava não emitir qualquer som que fosse capaz de acordar as crianças.

A lembrança de seus rostos felizes a chamando de mama estava marcada a ferro em sua consciência.

No fim, ela sempre seria a 73584, um pedaço de carne que sofria em agonia nas mãos deles enquanto jogava suas amadas crianças direto na garganta do demônio.

— Me perdoem, queridos. Mas a mama.... a mama precisa sobreviver.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.