Demorei a abrir os olhos quando despertei. Tentei raciocinar sobre tudo o que aconteceu, e por um momento achei que estivesse na pensão. Meu coração disparou e eu abri os olhos ao mesmo tempo que me sentava, vendo que estava em casa. Relaxei.

Tom e Jerry ainda dormiam enrolados na coberta e eu voltei a deitar. Peguei o celular, vendo que eram oito horas da manhã e me espreguicei.

Posso dormir mais... Espera. Nathaniel!

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Esfreguei os olhos, tirando os resquícios de remela que poderia ter e levantei. Passei no banheiro e depois fui à sala, entretanto, o psicólogo não estava ali. Por um momento fiquei com medo, mas percebi que as portas da varanda estavam abertas. Fui até lá, o vendo encostado no guarda-corpo de vidro.

— Bonita esta vista, não é? — Imitei a fala que ele havia dito para mim, ontem, em sua casa.

Ele sorriu. — Sim, é uma bela vista. — Virou seus olhos para mim e se demorou em meu rosto.

— Que foi? Está sujo? — Passei as mãos no rosto, com medo de não ter lavado a cara direito.

— Não. — Riu levemente. — Estava apenas a admirando.

— Ah... — Fiquei sem saber o que fazer e desviei o olhar para a vista. — Faz tempo que acordou?

— Uns dez minutos, talvez.

— Eu vou preparar o café. — Voltei à cozinha.

— Eu teria começado, mas não quis mexer em suas coisas sem sua permissão. — Veio atrás de mim.

— Poderia ter mexido, eu não me incomodo.

Meus peludos vieram na hora certa em que a ração foi colocada. Nathaniel encostou na bancada da pia, olhando para eles e cruzou os braços.

— Você tinha dito que... eles são Tom e Jerry, certo?

— Sim. — Coloquei fatias de pão na torradeira.

— Mas me recordo que você tinha dito que seu gato se chamava Jack.

Epa.

— É... Na verdade, eu falei aquilo porque foi o que me veio à mente na hora... É um pouco difícil de explicar, mas... Eu tinha dito Jack porque você falou sobre o Titanic.

— E o que tem?

— Eu não pensei no acidente do Titanic. — Me virei para olhá-lo. — Eu pensei no filme.

— Filme? Fizeram um filme para o navio? — Seu tom era de surpresa.

— Mais ou menos. Acho que posso te mostrar depois, temos tempo para isso. — Sorri, imaginando como seria a reação dele.

— Agora eu fiquei curioso. — Deu um sorrisinho.

E quando você não fica?

Terminei o café e deixei a chaleira na mesa. Peguei a manteiga, geleia, leite e as torradas e coloquei junto. Peguei duas xícaras e dois pratos e me sentei, seguido do loiro a minha frente. Coloquei o café em minha xícara, duas colheres de açúcar e um pouco de leite. Já Nathaniel, apenas colocou o café puro e tomou um gole. Depois, pegou uma torrada e colocou a geleia de morango, dando uma mordida. Fez uma cara estranha.

— O que foi? — indaguei, passando manteiga na minha torrada.

Ele engoliu. — Está... gelado.

— Sim... A geladeira ainda não existe naquela época... Quer dizer, acho que está sendo desenvolvida.

— Geladeira?

— Aquilo é uma geladeira. — Indiquei o eletrodoméstico. — Ela deixa as coisas geladas, serve para conservar os alimentos por mais tempo.

O loiro olhou para ela, curiosamente. — Uau... Posso... olhá-la?

— Claro. — Aproveitei que o meu notebook estava no canto da mesa e o liguei.

Ele levantou e foi até lá. Abriu a porta e olhou para dentro. — Eu achei que era apenas um armário diferente... Está realmente mais frio aqui... — comentou impressionado.

— Pois é. Acho que logo você terá uma na sua casa. — Pesquisei sobre a história da geladeira. — O primeiro refrigerador doméstico foi produzido em 1913, chamado Domelre... — Li na página em voz alta. — Mas não fez muito sucesso, e outra empresa aperfeiçoou o aparelho em 1916, o chamando de Kelvinator. Que nome, hein... É, vai demorar um pouquinho até você conseguir uma, imagino.

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Nathaniel me olhava surpreso, e voltou a se sentar. — O que exatamente é isso?

— Isso? — Virei o notebook para ele. — É como se fosse... Ah, lembra que eu comentei sobre a internet? Então, é isso. É por esse aparelho que eu acesso à internet.

— Mas você tinha dito que era uma assembleia — apontou, confuso.

— É, não é exatamente uma assembleia. Eu não consegui pensar em outra palavra para descrever. Basicamente, tudo o que existe aqui foram pessoas que colocaram. É como uma biblioteca, onde tem diversos livros de diversos assuntos. Você pode pesquisar tudo o que quiser por aqui.

— Mas como funciona? Como pode ter tantos assuntos se é um aparelho tão pequeno?

— Bom... aí eu já não sei explicar. O que você precisa saber é que uma grande quantidade de informações cabe em um microcartão. — Sua cara de surpresa não desaparecia. — Eu sei, as coisas mudaram muito. Você só não pode se apegar as coisas daqui, ou estará ferrado quando voltar — brinquei.

Ele concordou e voltou a comer sua torrada. — Eu... estava pensando.

— Sim?

— Ainda... existe a psicologia?

— Claro que existe! Ela é bem importante hoje em dia.

— Sério? — Esboçou um sorriso.

— Sim, mas pode ter certeza que ficou bem diferente do que era na sua época. Quer dizer, acho que não é tão diferente assim do que você começou a fazer.

— Do que eu comecei?

— É... Eu... — Fiz uma careta, sentindo as bochechas corarem. — Eu ouvi sua conversa com o Lysandre no escritório, e sinto muito por isso. Ouvi ele dizendo que você estava fazendo diferente do que era normal.

— Bom, sim... Eu nunca gostei da forma que tratavam as pessoas que precisavam de ajuda... Colocavam todas no mesmo barco, como se todas fossem loucas e simplesmente as largavam em “hospitais”, sem qualquer tratamento ou cuidado. Eu percebi que... grande parte delas só precisava ser ouvida, desabafar sobre os problemas e receber conselhos sobre suas atitudes destrutivas para si e para os que estavam a sua volta. É bem mais complexo do que parece.

— Eu sei. É exatamente assim que funciona hoje em dia. Acho que... você estava bem mais à frente do que todos que trabalhavam na área. — Dei um sorrisinho incentivador.

— Então... meu trabalho faz parte da evolução dessa área — constatou e abriu um sorriso.

— Acredito que sim... — Virei o notebook e comecei a digitar, pesquisei sobre a história da psicologia. — Vamos ver... — Digitei também o nome completo dele e li o que apareceu. — Não achei muito sobre você... Ah, olha, achei que você foi um dos primeiros psicólogos a pensar em tratamentos alternativos para os pacientes, porém, foi duramente criticado por isso...

— Sim, eu fui. Ainda sou, na verdade. Alguns até me chamam de louco por tratar “loucos” como pessoas “normais”. Eu fico bem irritado com isso.

— Bem... você devia ignorar todas essas críticas a partir de agora. Seu trabalho ajuda muita gente... Consigo ver isso no olhar de Oliver, por exemplo.

Nathaniel segurou sua xícara, a olhando e deu um pequeno sorriso. — Obrigado... Acho que eu estava precisando de um incentivo. Muitas vezes me pegava pensando sobre isso antes de dormir... Sobre como os outros médicos não levavam meu trabalho a sério. E em compensação, eu via o brilho voltar aos olhos dos meus pacientes, e me perguntava como aquilo poderia ser errado.

Admirei seu rosto pensativo, vendo como aquilo era importante para ele.

Acabei sorrindo e segurei seu braço, no pulso, e ele me encarou. — Você nunca esteve errado, Nathaniel, nunca. Você faz um trabalho incrível, não se deixe abalar por críticas. Só você sabe o valor que tem, principalmente quando vê seus pacientes melhorando, tudo pelo seu esforço em ajudar.

Com a outra mão, segurou a minha em cima de seu pulso. — Obrigado... É incrível como você apareceu na minha vida no momento certo.

— Irônico, não? Tecnicamente eu que escolhi o dia para ir lá.

Nathaniel riu. — Realmente... — respondeu, pensativo e com um sorriso mínimo no rosto.

Olhei nossas mãos juntas e parei para pensar no que eu tinha feito. Meu rosto corou e eu pigarreei.

— Bom, depois desse discurso motivador, espero que você se sinta renovado no seu trabalho. — Tirei minha mão da dele delicadamente e tomei um gole do meu café.

— Com certeza, e agradeço muito por isso. — Levantou um pouco sua xícara antes de beber também, como se tivesse feito um brinde.

Ouvi um som familiar e reconheci sendo o toque do meu celular. Fui ao quarto buscá-lo e voltei, vendo que havia uma chamada perdida do Castiel. Liguei o wi-fi para falar com ele pelo Messenger, mas novamente ele ligou.

— Alô? — atendi.

Heloise, tudo bem? — Ele perguntou, parecendo preocupado.

— Sim, por quê?

Você não atendeu na primeira chamada. Já estava achando que o loiro tinha feito algo com você.

Dei risada. — É mais fácil eu fazer alguma coisa com ele, não acha?

Tsc, pior que é verdade, não tinha pensado nisso. Enfim... está tudo certo com ele aí?

— Sim, está. E por aí? A máquina está carregando?

Está, pelo menos quando eu a olhei antes de vir trabalhar. Eu realmente quero saber o porquê você trouxe esse cara para cá.

— Não estava se aguentando de curiosidade, né? — Tirei sarro dele.

Dessa vez não.

— Não tem um motivo especifico. Ele estava lá, parecendo que queria passar por uma aventura e eu pensei “por que não?”. E trouxe. Simples assim.

Sei... — disse desconfiado. — Você vai lá para casa mais tarde?

— Sim, vou.

Tá, só queria confirmar. Nos falamos depois.

— Ok, até mais tarde.

Até. — Desliguei e vi Nathaniel terminando de comer.

— O que faremos agora? — Ele questionou.

— Agora... acho que podemos passar o tempo vendo um navio afundar.

O loiro franziu o cenho e me olhou confuso, e eu lembrei que estava brincando com um assunto sério.

— Eu quis dizer o filme.

— Ah... ok.

Recolhi as louças sujas e as deixei na pia. Fomos para a sala e coloquei o filme, enquanto Nathaniel dobrava sua coberta e ajeitava as almofadas no sofá.

Vamos lá... Será que ele vai chorar também?