À Procura de Adeline Legrand

Hábitos de Psicólogo


— Então... gostaria de me acompanhar? — Nathaniel perguntou, cortês, com uma leve ansiedade no tom de voz. — Adoraria conversar mais com a senhorita.

Um psicólogo... Ou ele vai me achar uma louca, ou... sei lá. Bom, preciso ficar em algum lugar para esperar.

— Juro que não farei nada. Tenho total respeito pela senhorita — disse, talvez achando que eu estava com medo.

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— Não me preocupo com isso... Mas tudo bem, aceito seu convite.

— Ótimo! — Ele sorriu, parecendo feliz. — É por aqui. — Indicou a frente, começando a andar.

Peguei o mapa no bolso da calça e a caneta, e risquei para a rua que viramos, para a esquerda. Nathaniel diminuiu o passo para andar ao meu lado, e olhou curioso para o papel.

— Onde... conseguiu isso?

— Era... do meu pai. Não sei onde ele conseguiu.

— Me permite? — Tampei a caneta e entreguei o mapa a ele, que analisou até a textura do papel. — Por que a padaria dos Riviere está circulada? Precisa ir até lá?

— Não. Eu estava usando de referência, para saber onde ir...

Ele dobrou o papel e me entregou. — Seu pai conhecia bem esta região, então.

— É... Por acaso o senhor sabe onde esse Legrand mora?

— Hm, não, não sei, mas posso descobrir para a senhorita

— Eu ficaria muito grata.

Continuamos andando mais um pouco e Nathaniel parou em frente a uma porta de vidro, que imitava a estreita vitrine ao lado. Ele abriu a porta com uma chave e entrou, e fez um gesto para que eu fosse na frente. Subi o pequeno degrau e entrei, já observando tudo.

Era uma pequena recepção, com uma mesa de escritório próxima a parede da frente. Na mesma parede da vitrine, havia um sofá de dois lugares e na parede da esquerda, uma estante com diversos livros. De frente a porta de entrada, a uns dois metros de distância, havia outra porta, fechada, e outra que seguia para a direita, da qual saiu uma mulher loura platinada.

— Bom dia, senhor Berger. — Ela sorriu, colocando um bloco de papeis na mesa.

— Bom dia, Rosa. — Fechou a porta da frente e virou a pequena placa, indicando que o lugar estava aberto. — Algum recado?

— Sim, a senhora Adrien cancelou a consulta de hoje, disse que sua irmã faleceu e não poderá vir.

— Ah... que pena. Ela remarcou?

— Sim, para semana que vem.

— Ótimo. Deixe-me apresentar... Esta é Heloise Dumas — indicou a mim com um gesto. — Esta é Rosalya, minha assistente e secretária.

— Muito prazer. — Ela abriu um sorriso gentil.

— Igualmente.

— Já que a senhora Adrien não virá, vou atendê-la no lugar — informou, andando para a porta fechada.

— Claro, senhor.

A secretária estava com os cabelos presos e vestia um vestido longo azul claro, marcado na cintura, de mangas abaixo dos cotovelos e fechado quase até o pescoço. Ela tinha um ar jovial e alegre, além de ser extremamente bonita.

— Senhorita Dumas? — Nathaniel chamou, aparecendo novamente. — Pode vir até aqui.

Rosalya me lançou um sorriso incentivador, e acabei por entrar na sala espaçosa onde Nathaniel havia entrado. Havia uma mesa grande na parede do fundo, estantes de livros nas paredes laterais e quase no centro, um sofá e em sua frente uma poltrona, com uma mesa de centro, entre eles. Atrás da mesa tinha uma janela enorme, com cortinas azuis escuras e pesadas. Dava para ver que havia um jardim lá fora.

— Fique à vontade. — Nathaniel falou, indo em direção à mesa. Tirou o casaco e o pendurou nas costas da cadeira à frente da janela.

Meio sem graça, andei até o sofá e deixei minhas coisas ali, me sentando ao lado delas.

Pelo menos enquanto estiver aqui não preciso me preocupar em ter que trocar de roupa.

— Sua assistente não parecia estranhar minhas roupas — comentei.

— Bom, digamos que ela está acostumada a... modas extravagantes dos meus pacientes. — Se aproximou e sentou-se na ponta da poltrona, dobrando as mangas da camisa. — Ah... Rosa? — chamou em voz alta.

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— Sim? — Ela respondeu, logo aparecendo na porta.

— Poderia me fazer um favor? Pode descobrir onde o senhor Filinto Legrand mora ou trabalha?

— Claro, senhor. Assim que descobrir te informarei.

— Obrigado. Feche a porta, por favor. — E assim ela fechou, nos deixando a sós.

E eu comecei a lembrar dos livros de romance que li. Aqueles clássicos de chefe e secretária.... Será que rola algo entre eles? Não é possível que com uma mulher linda dessa, e um chefe bonitão assim, não tenha rolado um climinha aqui...

— O que está pensando? — Nathaniel perguntou, me olhando.

Me assustei, pensando se ele poderia perceber que eu estava pensando besteira.

— Ah... Só pensando em como sua assistente é bonita. — Resolvi falar uma meia verdade.

Ele pareceu considerar, sem desviar o olhar de mim. — Sim, ela é. Me permite dizer que estava pensando em como e se não temos um romance?

Caramba, ele sabe mesmo ler as pessoas. — Ah... Mais ou menos.

Nathaniel sorriu. — Não precisa se envergonhar, todos que passam por aqui pensam isso. Rosalya é irmã de um amigo e já é casada.

Eita. — Nossa. Quantos anos ela tem?

— Dezoito. — Arregalei os olhos de leve, apesar de já saber que as mulheres se casavam cedo naquela época. Mesmo assim ainda era um fato chocante.

— As moças não se casam novas onde a senhorita vive?

— Hm... depende. Só se elas quiserem. Há quem case por “obrigação”, há quem case por desespero... Depende muito da situação. Os casamentos de lá não são iguais aos de antigamente... — E parei, lembrando que eu estava no “antigamente”.

Falando besteira de novo, Heloise!

Nathaniel me olhava fascinado, e como se tivesse acordado do transe, piscou e pigarreou. — Se importaria se eu escrevesse nossa conversa? Hábitos de psicólogo.

Bem, acho que não teria problema, e pelo menos o deixaria feliz.

Neguei com um aceno de cabeça, e ele levantou, indo até sua mesa. Abriu uma gaveta e pegou um caderno e uma caneta. Voltou a se sentar e cruzou as pernas, apoiando o caderno na coxa direita e pôs-se a escrever.

— O que a senhorita quis dizer com casamentos de antigamente? Como funciona os casamentos onde mora?

— Foi... Foi modo de falar. Funcionam da mesma forma que em qualquer lugar. Acredito que só não seja tão... obrigatório.

— Como as famílias que escolhem o rapaz para moça e resolvem para que se casem?

— Sim.

— Não existe isso onde vive?

— Existe, só não é... tão comum.

Ele escreveu. — E por um acaso a senhorita passou por algum desses casos incomuns?

— Se eu fui obrigada a me casar? — Ele afirmou. — Não, não fui. — Acabei sorrindo, lembrando de algumas coisas.

— O que foi? — Ficou intrigado, mas divertido pela minha reação.

Neguei em um gesto. — Bom, eu quase me casei uma vez. A maior besteira que eu fiz na vida.

— Poderia me contar mais sobre o caso?

Não sei o porquê, mas comecei a ficar mais à vontade. Descansei o braço esquerdo no encosto do sofá e cruzei as pernas.

— Eu estava apaixonada e fui pedida em casamento. Aceitei, apesar de achar estranho o pedido repentino. Uns meses antes do casamento descobri que meu noivo estava me traindo com uma “amiga”. — Dei um sorriso nostálgico.

— Me parece que... gostou de ter descoberto isso? Indagou, contrariado.

— Em partes, sim. Eu não estava pronta para casar, e também não gostava tanto assim daquele traste. Eu fiquei com muita raiva, sim, mas não me senti triste. Na verdade, me senti livre quando terminei tudo e coloquei fogo nas roupas dele. Foi uma das melhores sensações que tive na vida.

Nathaniel pareceu chocado, e com razão. — E como ele reagiu?

— Ficou com raiva, fez drama... Depois sumiu da minha vida, felizmente.

— Mas... e seus pais?

— Eles não queriam que eu casasse. Foram contra desde o começo, mas é como eles diziam: “o que vale é sua felicidade”. — Ele ainda parecia muito surpreso, e eu acabei rindo. Era muita modernidade para ele entender.

— Realmente, as coisas funcionam de formas diferentes... — comentou, escrevendo. — Pelo jeito a senhorita tem uma boa relação com seus pais.

— Sim, tenho. Eles são ótimos.

— Tem irmãos?

— Sim, uma irmã mais nova.

— Quantos anos ela tem?

— Vinte.

— Não perguntei sua idade, perguntei?

— Não. Tenho vinte e cinco.

Dois toques na porta o fizeram parar de escrever e olhar na direção dela. — Entre.

Rosalya apareceu. — Senhor, aqui a informação que pediu. — Entrou e entregou um pedaço de papel para ele.

— Obrigado, Rosa.

— Não há de quê. — E saiu, voltando a fechar a porta.

— E aí? — questionei.

— Ele tem uma loja de roupas próximo daquela padaria que tinhas marcado em seu mapa...

— Ótimo! Exatamente por isso que eu tinha marcado. — Levantei, na emoção do momento. — Preciso ir até lá.

— Mas se lembra que eu disse que ele está viajando?

— Não tem problema, preciso pelo menos saber quando ele vai voltar. Vai me acompanhar?

Nathaniel hesitou um instante. — Tudo bem, irei junto. — Levantou, deixando seu caderno ali na mesinha, e foi até sua mesa.

— Eu só preciso me trocar primeiro, acho que vai ser melhor. — Peguei as roupas logo ali.

— Claro, pergunte a Rosa que ela te mostrará o banheiro. — Desdobrou as mangas da camisa e colocou seu casaco. — Vamos assim que ficar pronta.