O velho cemitério se mantinha intacto mesmo sobre o temporal que caía naquela noite. Algumas lápides - as mais antigas - estavam aos destroços, enquanto outras eram cobertas pela lama.
Mesmo com a pesada chuva que caía, o velho coveiro saía aos tropeços, lutando contra toda lama para checar o barulho que ouvira minutos antes. Apertando os olhos para enxergar além das gotas de chuva, viu uma sombra debruçada sobre uma lápide.

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— Ei você aí! — competindo com o barulho da chuva, ele gritou o mais alto que pôde — Saia agora.

A sombra continuou onde estava, levando o velho a tomar alguns passos em direção a ela, segurando a velha espingarda de caça sobre o ombro.
Tremendo contra o frio, preparou a arma enquanto avançava.

— Já mandei sair! Ou sai agora ou atiro.

O portão da entrada do cemitério rangeu, assustando o velho que gritou palavrões levando o dedo até o gatilho da arma.
A chuva não deu trégua enquanto o homem via a sombra sair do escuro. O portão rangeu com mais força e o velho berrou com o que viu.
Ali em sua frente estava uma menina, imunda com a lama se misturando a água que escorria por seu corpo. O mesmo tremia incontrolavelmente enquanto seus olhos arregalados o fitavam. Sua boca que estava roxa se abriu.

— Senhor Scott?

O velho sentiu a arma escorregar de suas mãos ao perceber o que estava acontecendo. Em sua frente estava Gwendolyn Davis. A mesma Gwendolyn Davis que enterrara a pouco mais de um ano. A mesma que agora aparecia em sua visão. Viva.
A arma foi retirada do chão e com as mãos tremendo, o velho Scott deu passos para trás.

— Fique longe de mim demônio! Fique longe de mim!

A menina avançou para frente e a arma disparou. Olhando para baixo, Gwendolyn viu que um buraco havia sido feito em sua blusa, no ombro onde sangue escorria. Em choque ela deu outro passo e novamente a arma disparou. Outro buraco se abriu e o sangue escorreu do braço.
Estranhamente aguentou a dor, conseguindo avançar cada vez mais. Queria que ele a ouvisse, que pudesse ajudar a entender o que estava fazendo naquele cemitério.
Mas o velho não queria ouvir, muito pelo contrário. Com as mãos tremendo cada vez mais, ele largou a arma no chão e saiu correndo pelo cemitério gritando repetidas vezes a palavra demônio e fazendo o sinal da cruz com as mãos.
Gwendolyn se encontrou parada na chuva, sangrando e tremendo de frio. Mas o pior era não se lembrar o que havia acontecido, e não saber por que acordara em um cemitério.
Voltando para onde despertara, a menina se inclinou sobre a lápide tentando ver de quem era. Talvez tivesse ido visitar alguém querido que perdera. Ou então um amigo, ou...
Seus pensamentos pararam quando seus olhos se grudaram na inscrição na pedra. Tudo pareceu parar.
A lápide era dedicada a Gwendolyn Davis 1998 - 2017. " A pessoa mais querida, a filha mais atenciosa e a amiga mais fiel que alguém poderia ter".
Os raios cortavam o céu quando ela entendeu o que aquilo significava, ela havia morrido. Naquela noite ela acreditou na expressão que uma vez alguém usara. Os mortos estavam gritando. Ela gritou.