Questão de Sorte
Os Contrabandistas
— Olha seu policial, eu estava fazendo uma corrida noturna pela cidade… por coincidência eu acabei na mesma calçada que esses dois. — Ryu contava sua versão da história.
— Mentiroso… — Josh resmungou.
— Você vai ter muito tempo para explicar isso pro delegado. — O oficial estava desconfiado.
Depois de uma pequena caminhada, eles finalmente chegaram até a delegacia.
O policial soube por uma atendente que o delegado havia saído para resolver assuntos sigilosos e por isso os detentos ficariam nas celas até que ele voltasse.
— O que? — Ryu estava incrédulo. — Eu tenho uma criança em casa me esperando.
— Eu não sou criança!
Uma voz conhecida ecoou da área das celas.
— Cat? — O guardião caminhou até a ala dos prisioneiros.
Na terceira cela, Catherine estava encostadas nas grades com um semblante irritado.
— CATHERINE!
O som estrondoso da voz de Ryu fez a garota tremer o corpo inteiro.
— Conhece essa pirralha? — O policial empurrava Ryu até a cela dele — Ela teima em dizer que é maior de idade. As coisas vão se resolver quando algum pai ou responsável por ela aparecer por aqui.
— Mas eu sou maior de idade! — Catherine descontava sua frustração nas grades da cela — E eu posso responder por mim mesmo!
— O que ela fez para acabar aqui? — Ryu se dirigiu ao policial, ignorando completamente os protestos da menina.
— Estava roubando uns caras em frente a uma casa de jogos no centro.
Ao ouvir as palavras do policial, a revolta em Catherine se intensificou:
— Eu já disse que não estava roubando ninguém! EU FUI ROUBADA!
— Três testemunhas confirmaram a acusação das vítimas, a sua por outro lado só tem você como testemunha.
— É só nisso que você se baseia? Onde estão as câmera de segurança? Essas testemunhas foram compradas! — A bruxa reclamava sem pausa.
— Tá, tá pirralha! — O policial dizia com desdém — Soube que você tem parentes em Otium, amanhã vou mandar um comunicado para os responsáveis por você.
— ISSO É UM ABSURDO! — Catherine se balançava nas grades como um animal selvagem — EU VOU PROCESSAR ESSA ESPELUNCA! EU VOU PROCESSAR VOCÊ! EU VOU PROCESSAR TODO MUNDO QUE VOCÊ CONHECE! EU VOU PROCESSAR SEUS ANCESTRAIS…
Todo o alvoroço pôs fim ao sono da bruxa de vento que havia sido capturada.
— Onde eu estou?— Ao se dar conta das grades que a prendiam a expressão confusa foi substituída por ódio — Eu não acredito…
— É… — Josh suspirou — Não tá fácil pra ninguém.
— Seus imbecis! — A bruxa desconhecida berrou como um urso.
— Imbecis? Para início de conversa você causou todo o alvoroço no centro! — Ryu protestou.
Era claro que a estranha não tinha interesse em continuar a conversa, por isso apenas se sentou de costas para os demais prisioneiros.
— Qual o seu nome? — Ciente que a confusão havia acabado, Catherine tentou se aproximar da garota com quem dividia a cela.
— Mirian. — A garota respondeu depois de um suspiro.
— Você é bruxa, não é?
A garota acenou positivamente com a cabeça.
Mirian era uma garota muito bonita, tinha pele negra e cabelos encaracolados. Seus olhos eram castanhos escuros e seu semblante delicado. Ela vestia roupas simples, como se fosse um garoto com poucas posses.
— Ela estava roubando. — Ryu informou a Catherine.
— Isso explica o motivo de ela estar na cadeia, já você ainda é um mistério! — A bruxa do azar disse com mau humor.
— Não haja como se pudesse me julgar, afinal de contas, o que você está fazendo aqui? — O guardião retrucou.
— Não haja como se pudesse me julgar. — Catherine disse de forma irônica.
Um olhar pesado vindo de Ryu foi suficiente para a garota confessar tudo.
— Eu saí de casa logo depois de você ir comprar suprimentos. Fui a uma casa de jogos e…
— Uma casa de jogos? Depois de eu pedir para você se comportar, você decide ir a uma casa de jogos? — O guardião estava indignado.
— Ei! As coisas estavam ruins para gente… você reclamou disso desde que saímos de Vanitas… Eu só queria ajudar… — A bruxa desanimou um pouco — Eu estava indo bem sabe? Consegui bastante dinheiro, mas quando eu estava voltando para casa, alguns caras que me viram jogar me assaltaram no caminho. E ainda tiveram a cara de pau de me acusar de roubo.
— Eu preciso sair desse lugar.
Ignorando tudo a sua volta, Mirian tentava usar algum feitiço para se livrar das grades que a prendiam. Depois de algumas tentativas sem sucesso, ela entendeu que o que havia sido aplicado nela, não era um tranquilizante comum e sim algum tipo de neutralizante mágico.
— Raiz de laranjeira? — A bruxa do vento conversava sozinha.
— Se fosse esse o caso, você estaria morta — Josh se intrometeu — As raízes são feitas para prender bruxas poderosas, o contato sobre a pele já é extremamente prejudicial, aplicar isso na sua corrente sanguínea seria morte instantânea.
— Como sabe de tanta coisa? — Mirian encarou Josh.
— Eu sou um caçador.
— Ah que maravilha! — A mulher estapeou o próprio rosto — Além de ter que fugir desses malditos contrabandistas eu ainda tenho que me preocupar com um caçador de bruxas.
— Contrabandistas? — Ryu estava confuso.
— É, eles controlam a cidade — O caçador explicou — Vendem qualquer bruxa que aparece na cidade para o Minus.
— Isso é ilegal né? — Catherine perguntou, após Josh confirmar com a cabeça ela continuou — Se um membro do Statera está ciente desse processo criminoso, por que ele ainda acontece? Quer dizer, o Minus deveria responder por esses crimes.
— É uma boa pergunta, Cat — Ryu tinha um tom desconfiado.
— É necessário provas — Josh estava nervoso.
— É engraçado pensar que por muitas vezes, apenas a palavra de um membro foi suficiente para iniciar uma investigação minuciosa — O guardião pressionou.
Josh engoliu a seco.
— Eles estão com o meu noivo — O desabafo desesperado de Mirian foi suficiente para mudar o rumo da conversa.
— Eu sinto muito… — Catherine se sentou ao lado da companheira de cela.
— E a culpa é toda minha… — A bruxa deixou escapar algumas lágrimas.
— Claro que não! — Cat tentava afastar os pensamentos deprimidos da garota — Vamos dar um jeito de resgatá-lo antes que os Minus ponham as mãos nele.
— Não prometa o que você não pode cumprir — Ryu resmungou da outra cela.
Catherine fez uma careta para ele.
— Os Minus não querem nada com ele — A garota limpava o rosto — Os contrabandistas o usaram para me atrair, sabiam que eu ia querer salvá-lo e por isso o está mantendo em cativeiro.
— Mas… ele não é um bruxo? — Cat estava confusa.
— Não, é um humano. Eu deveria protegê-lo… mas fugi quando nos atacaram… — Mirian se abateu novamente.
— Seu noivo é um humano? — Ryu estava surpreso — Isso é bem diferente.
— Não só diferente — Catherine acrescentou — Isso é biologicamente incompatível e socialmente inaceitável.
— Minha família disse a mesma coisa. — Mirian sorriu de forma irônica.
— Acho que você está sendo dura demais com a situação. — Josh protestou — É incomum, mas não é tão impossível como você faz parecer.
— Vocês não entendem... é como se um cão e um gato acordassem um dia e decidissem que são um casal — A bruxa do azar estava nervosa — Não dá para se tornar uma grande bruxa se escolher esse caminho.
— Eu não quero ser uma grande bruxa! — Mirian estava claramente incomodada — Quero apenas viver em paz com o homem que eu amo.
Houve um silêncio dramático no pavilhão.
— Me desculpe — Catherine finalmente sentiu o peso das suas palavras.
Ela não estava preocupada com Mirian e seu noivo humano, estava preocupada com a sua própria situação.
— Você deveria conter melhor as suas emoções — Josh sussurrou para o seu companheiro de cela.
— O que? — Ryu, que até aquele momento estava calado, não entendeu o que o caçador queria dizer.
— “Biologicamente incompatível e socialmente inaceitável” — Josh recitou baixinho.
O semblante de Ryu antes confuso, agora havia se fechado por completo.
— Deu para ouvir o seu coração quebrando daqui — Josh completou.
— Idiota — O guardião murmurou enquanto evitava olhar nos olhos do caçador.
Um som vindo da porta do corredor, denunciava que ela estava sendo destrancada.
Dois homens entraram e caminharam até as celas.
Um dos homens era um velho que vestia um uniforme da polícia. O outro tinha pouco mais de 30 anos, cabelo preto bem cortado, barba feita, usava óculos escuros e vestia uma roupa preta bem justa ao corpo.
— Olha só você… — O homem se dirigiu a Mirian com um sorriso estampado em seu rosto — Correu tanto e acabou nas minhas mãos.
Mirian permaneceu em silêncio, mas encarava o homem com todo o ódio que podia transparecer.
— Obrigada por me comunicar delegado, é sempre bom fazer negócios com você. — O homem sorriu para o velho.
— Você é nojento — Josh encarava o homem com desprezo.
— Boa noite! — O homem sorriu para Josh de forma animada.
Em seguida ele retirou uma pistola do bolso e atirou um dardo em Mirian, que perdeu a consciência imediatamente.
Não demorou muito para que dois homens entrassem no pavilhão e após o delegado destrancar a cela, um deles pôs Mirian nos ombros.
Enquanto observava o trabalho de seus subordinados, o homem respirou fundo como se apreciasse o perfume do local.
Após alguns segundos preso naquela ação, ele virou para o delegado e perguntou:
— Quanto fica pra levar aquela outra ali?
Catherine, que até então estava encolhida no canto da cela sentiu seu coração acelerar.
— Essa pirralha também é uma bruxa? — O delegado estava surpreso — Hoje é meu dia de sorte.
— O nosso Paul! O nosso dia de sorte. — O recém chegado sorriu.
— Um caçador…— Josh estava incrédulo — Como um caçador se sujeita a algo assim?
Diante da identificação quase imediata de Catherine, Josh se deu conta da identidade do estranho.
— Tempos difíceis, escolhas difíceis — O homem sorriu mais uma vez.
Sem dar mais atenção ao prisioneiro, o contrabandista atirou contra Catherine.
— Ai! — A bruxa retirou imediatamente o dardo que havia atingido seu ombro — Isso machuca sabia?
Catherine arremessou o dardo na direção do homem, o arremesso impecável fez com que o nariz dele fosse atingido.
Ele retirou dardo, não escondendo a sua irritação, mas sorriu em seguida.
— Interessante. Uma bruxa imune a neutralizantes deve ser mais valiosa para o Minus.
O contrabandista caminhou na direção de Catherine calmamente.
— Ei! — Ryu gritou alto o suficiente para fazê-lo parar — Eu não tenho nada a ver com seus trabalhos sujos, mas se você tocar nessa bruxa… eu vou fazer com que você tenha problemas maiores do que poderá lidar.
— Tocar nela? Assim? — O homem se aproximou de Catherine e a segurou pelos cabelos.
Enquanto a bruxa se debatia, ele bateu a cabeça dela com força contra uma parede. Catherine perdeu a consciência imediatamente.
— Ou assim? — Ele encarava Ryu enquanto entregava a garota desacordada para um dos seus subordinados.
O guardião segurava as grades com tanta força, que o sangue preso em suas mãos a deixavam com um vermelho vívido.
— O que há rapaz? — O homem se aproximou da cela de Ryu, mas longe o suficiente para que não pudesse ser alcançado — Eu estou com a bruxa e você continua aí dentro. Onde estão os meus problemas?
Naquele momento Ryu esmurrou as grades, o movimento fez com que um punhado de terra se desprendesse da base de concreto.
— Que rapaz saudável! — O contrabandista comentou de forma irônica.
Apesar da aparência despreocupada, era claro para ele que se o garoto aplicasse um pouco mais de força, aquelas barras de ferro viriam abaixo. Por essa razão ele saiu, da delegacia de imediato.
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