Plot? What Plot?

Capítulo I




Era pra ser um Domingo normal.

Por Deus, Otabek havia rezado para ser um Domingo normal. Era tudo que ele queria depois de uma temporada de sucesso e algumas loucuras na República Tcheca e Lillehammer. Digamos apenas que eles não colocariam os pés em Ostrava tão cedo. Pobre Emil.

Agora ele e seu melhor amigo, Yuri Plisetsky, medalhista olímpico, maior de idade, adulto (ir)responsável e um doce de pessoa nas horas vagas; estavam jogados cada um em um sofá no apartamento cinco estrelas de Otabek em Almaty. Porque eles podiam. Oh, ser adulto era tão bom.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

(Ha.)

E então, como sempre, alguém resolve estragar tudo. Nesse caso, alguém era uma pessoa aleatória na Internet que plantou a semente da dúvida em Yuri.

— O que é fanfiction? - o loiro perguntou com o cenho franzido olhando para o celular.

Otabek, que estava trabalhando no seu mais recente remix, congelou com a palavra. Fanfiction. Taí uma coisa que assombrou seus dias em Detroit, há muitos anos. Dias negros, aqueles.

E Yuri aparentemente não sabia o que era.

— Oi? - ele perguntou só pra ter certeza.

— Fanfiction. Tem um monte de Angels perguntando se eu leio isso. - ele revirou os olhos - Não dá pra responder se eu não sei o que é.

Oh, Yura, ele pensou com um sorriso, quanta inocência para uma pessoa só.

— São histórias escritas por fãs. - ele disse tentando esconder o sorriso olhando para o computador.

— Que tipo de histórias?

— Qualquer uma que use os personagens que eles gostam. JJ escrevia fanfic de Senhor dos Anéis até os 15 anos. - e ele era o beta, mas ninguém precisa saber disso - Não tem nada a ver com o material original.

— Ugh, parece vergonhoso. Igual a ele. - Yuri voltou para seu celular.

Certo, Otabek se sentia minimamente ofendido agora. Na época, eles tinham conseguido um número razoável de leitores no Fanfiction.net e se mandassem Jean listar as dez coisas de que ele tinha mais orgulho, ele nomearia o AU sci-fi Legolas x Gimli que lhe rendeu mais de mil reviews em 2009. Boas memórias.

Otabek jurava que Yuri esqueceria o assunto e ele poderia continuar com sua vida, mas o destino tinha outros planos.

— Espera aí. - o loiro se sentou parecendo chocado com a tela do smartphone - Eles escrevem sobre a gente?

Oh, não.

— A gente...? - Isso, faça-se de desentendido, uma estratégia muito boa.

— Patinadores, Altin, não seja idiota. - ele disse sem nem tirar os olhos do que lia - Que, merda, é, essa. Tem mais de 28 mil fanfictions sobre patinação nesse tal de AO3. São pessoas reais escrevendo sobre a vida de outras pessoas reais. Isso não é ilegal?

— Não. - ele disse ainda torcendo para que Yuri esquecesse aquilo - A maioria tem juízo pra saber a diferença entre o real e o fictício.

É, a maioria.

Yuri parecia ficar com mais nojo a cada vez que rolava a página.

— Essa gente tem uma obsessão pouco saudável por Victor e Yuuri. Quer dizer, tudo aqui tem eles como casal principal. O que eles têm de tão especial?

O cazaque arqueou uma sobrancelha. Sério que Yuri não via a grandeza e poder de Victuuri?

— Yuri, acho que quando dois homens se beijam no gelo na frente de câmeras internacionais, eles têm sim alguma coisa especial.

— Ainda são nojentos. - ele disse com a careta aumentando - O que é AU?

— É Universo Alternativo. Significa que é uma história em que eles não são patinadores.

— Máfia AU, Colegial AU, Cafeteria AU... Esse povo não tem vida? Por que gastar tanto tempo escrevendo algo que não vai dar retorno?

— Pela arte, pela diversão... - era até nostálgica essa conversa. Ele, Jean e Isabella já tiveram longas discussões com os adolescentes normais sobre os pontos positivos de escrever por diversão. Se eles conseguiam adeptos? Não. Eles eram um bando de nerds.

Yuri ficou em silêncio por mais um tempo e Otabek se deu conta, com pena, de que ele estava lendo as fanfics. Pobre Yuri, foi bom enquanto durou. A partir de hoje ele seria uma pessoa diferente. Para melhor ou pior.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Isso é tão clichê. - Yuri disse deitado com mais uma careta para o celular - "Victor com seus olhos da cor do céu profundo num dia de primavera." É azul, mulher, por favor.

E não parou por aí.

...

— Cara, esse Yuuri consegue ser mais burro do que o real. Victor já te levou pra jantar cinco vezes, Katsuki. Ele não quer só sua ajuda no projeto da Runaway.

...

— Esse povo sabe que é impossível um ser humano fazer um quintuple flip?

...

— E morreu.

...

— Como assim não é atualizado desde 2016?!

...

— Se eu ver mais um título com 'Stammi Vicino', eu me mato.

...

— ...Isso é um fetiche muito específico.

...

— Homens engravidam?

...

— E engravidaram o Yuuri.

...

— Engravidaram o Victor.

...

— ...Me engravidaram.

...

E Otabek poderia viver bem só com aquilo. Ele não tinha problemas em explicar as dinâmicas de um Omegaverse, ou um genderbender, ou os mil e um fetiches que os ficwriters inventavam. Ele estava bem com isso.

Mas ele nunca conseguiria explicar Otayuri.

— Opa, o que temos aqui? - Yuri disse com um sorriso muito maléfico para quem tinha achado o que ele achou - "Otabek Altin/Yuri Plisetsky". Agora as coisas ficaram interessantes.

— Yuri, não. - Otabek disse horrorizado.

— Yuri, sim. Eu quero ver o quão idiotas nós pareceríamos se fôssemos um casal. - Yuri estava animado demais para quem veria a si mesmo passando vergonha numa história escrita - Ah, essa sinopse é ótima. "Otabek Altin já estava prestando atenção no aluno novo do 1° ano. Ele até estava considerando a possibilidade de chamá-lo pra sair. Isso foi antes do aluno roubar sua moto." Que feio, Beka, olhando para meninos que acabaram de sair do fundamental. Pelo menos espere até eu fazer 18.

O mais velho prendeu a respiração por um segundo. Yuri já tinha 18. Isso foi uma indireta? Será que ele estava falando especificamente da fanfic? Puta merda, se Yuri Plisetsky estivesse mandando uma indireta de que sim, ele estava disponível para algo mais que amizade, Otabek iria morrer. De felicidade ou de medo, ele não sabia dizer.

— Meu Deus, Beka, esse seu eu alternativo é muito idiota. - ele riu finalmente olhando para Otabek após horas de leitura - Ele tá com medo de contar a verdade sobre o que sente com medo da reação do Yuri. Você não faria isso, né?

Ele engoliu em seco.

— Eu vou fazer pipoca. - ele falou numa voz mínima, se levantando para ir à cozinha. Isso, covarde, fuja da realidade.

Yuri não se contentou em ler sozinho e seguiu o rapaz com o celular amaldiçoado. E ele não parava de falar.

— Aww, olha esse título! - Yuri disse com uma voz muito fofa para alguém tão alto - "Half of my heart is in Astana". Como ninguém pensou nisso antes? Você deveria fazer uma música assim. Astana, oh na na.

— Mas eu moro em Almaty. - ele disse pegando o milho de pipoca no armário.

— Pela arte, Beka. Pela arte. - ele disse com um último sorriso antes de ser sugado novamente pela literatura online.

Altin gostaria de dizer que ficou aliviado por Yuri parar de compartilhar suas impressões constrangedoras sobre as versões alternativas dos dois. Mas a cada vez que olhava pro mais novo, sua expressão se tornava menos divertida e mais séria. Até triste. Quem sabe ele escolhera uma fanfic angst? Era difícil dizer.

Quando já era hora do jantar, Yuri finalmente deixou o celular de lado e olhou para o teto como se estivesse avaliando sua existência. E não de um jeito bom.

— Tá tudo bem? - Otabek disse antes de dar uma garfada no seu pote de comida indiana.

— Tá. Só tô pensando numas coisas. Ás vezes fanfics são reais demais. - ele tentou rir, mas foi numa tentativa sem humor. Ele olhou para o outro com uma certa hesitação no olhar - Beka, você não mentiria pra mim, certo?

E de repente, ele perdeu a fome.

— Eu nunca menti pra você até hoje. - ele disse sincero - Mas eu não posso garantir o futuro. Eu pretendo fazer o meu melhor.

— Seu melhor o caralho, Otabek, eu preciso de algo concreto. - ele disse com clara irritação, mudando sua postura no sofá - Me diz: se eu fizesse algo de errado, se eu te machucasse, se seus sentimentos por mim mudassem, você me diria?

Wow, por que o universo resolveu rir da cara de Otabek Altin neste belo Domingo?

Porque a verdade é que Otabek tinha medo. Tinha medo de confundir as coisas, de estragar talvez a amizade mais bonita que já tivera desde os tempos de escola, de decepcionar uma das pessoas mais importante em sua vida, no momento. E o medo nos mantém vivos, mas presos. Era o preço que ele tinha que pagar.

Mas ele não queria viver no medo pra sempre. E no dia que ele superasse isso, Yuri saberia.

— Quando eu estiver pronto. - ele respondeu quase sem pensar - Quando eu estivesse pronto, quero dizer. Eu precisaria de um tempo para entender o que eu estou sentindo. E quando eu tivesse certeza, eu diria. Assim, menos pessoas saem machucadas no final.

Os dois ficaram num silêncio mortal. O cazaque sentia-se exposto sob o olhar analítico das orbes esverdeadas que marcaram sua infância. Os olhos de um soldado. Será que Yuri entenderia a mensagem escondida em suas palavras? E se entendesse, será que se chatearia por ele não admitir ali e agora?

Tudo isso por causa de uma fanfic.

Após um tempo, Yuri suspirou e deu de ombros, murmurando:

— Acho que terei que confiar no meu melhor amigo, então. - ele se levantou como se nada tivesse acontecido e saiu da sala - Tô com fome. Tem alguma coisa aqui que não tenha curry?

Altin soltou o fôlego que inconscientemente estava segurando e esboçou um sorriso pequeno. Ah, Yuri. Ele realmente podia levar qualquer um à loucura.

Quem sabe Otabek leria o tal "Half of my heart is in Astana" depois.