As flores que habitam tua alma

Vinte e quatro horas


26 de dezembro. 3h27.

O vulto enegrecido pela escuridão da noite, intocado pela luz pálida da lua minguante, contorna o carro para dirigir-se ao porta-malas. As mãos trêmulas tatearam os bolsos da calça, retiraram a chave e, sem precisão alguma, o homem destrancou o compartimento traseiro do veículo. Ao fitar o rosto desfigurado do corpo inerte o homem ofegou uma mescla entre um palavrão e uma prece

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

A mulher devia ter por volta dos seus quarenta anos, mas isso seria impossível deduzir à primeira vista, pois as entranhas expostas e ensanguentadas transformavam o corpo, anteriormente elegante e esguio, em algo asqueroso e aterrorizante. O desconhecido enfiou seus braços por baixo do corpo, erguendo-o com dificuldade e retirando-o por completo do bagageiro. Levou o corpo até a margem da estrada, onde havia um barranco íngreme e bastante ressecado pelo verão agressivo brasileiro. O corpo rolou de modo silencioso e lento, quase cinematográfico.

Houve um suspiro de alívio e, sequencialmente, o desconhecido retirou uma caixa de fósforo do bolso, riscou um e o atirou no barranco que, em poucos segundos, tornou-se uma massa alaranjada e quente. O homem fitou o resultado de seu crime por alguns poucos segundos, depois disso entrou no carro e seguiu pela estrada, tentando se acalmar. Conforme prosseguia o percurso, ignorava tudo o que passasse nas laterais da via, até que um letreiro néon, com algumas letras parcialmente apagadas, lhe chamou a atenção: "Lava-jato 24h".