Charlie sumiu

Capítulo 3


Arthur Slugworth sabia, muito bem, como orientar e ordenar, mas colocar a mão na massa nunca fora seu objetivo. Desde muito cedo, sua aptidão para ensinar doces se mostrou presente, quando com, apenas uma lista de ingredientes, conseguira calcular perfeitamente a quantidade de materiais que deveriam ser usados para fazer um punhado de cookies.

Por isto, aos vinte e seis anos, ele já tinha a maior fábrica de doces de seu país e conquistou os países vizinhos em pouco menos de três anos. Não bastando isto, todo o dinheiro para a criação da fábrica foi adquirido em programas de jovens talentos e concursos de culinária, em que ele levava sua irmã junto, para que ela lhe fosse suas mãos.

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Seis meses após a morte de Amanda Slugworth, irmã de Arthur, houve o primeiro encontro entre Willy Wonka e Arthur. O cheiro do talento estava escapando da pequena lojinha de esquina e os olhos castanhos de Willy brilhavam junto com a receita que era preparada sem nenhuma lista de ingredientes ou medidas guiando o chocolateiro.

Um gênio nato, com isto exalando pelo ar da lojinha que entupia-se de clientes ansiosos pelos doces que eram, diariamente, preparados.

A pergunta de Arthur Slugworth, aquela que ele faria apenas duas vezes, seria respondida negativamente em seis dias.

Com os pés aquecidos

A água que caíra sobre Charlie estava parada naquele balde há cerca de dois dias, roubando o ar gélido do final do outono para si e congelando os ossos do pupilo. A garganta do herdeiro estava fechada, ressecada pelos dias em que não havia comido ou bebido algo, ele nem mesmo conseguia se forçar a falar. Os braços finos não se mexeram para limpar a água que escorria pelo rosto, mas o estômago estava saltando em sua barriga, implorando para que pudesse colocar algo ali dentro.

O outro riu um riso entupido, roncado e entrecortado por tosses e durante todo este tempo, fez-se ouvir, aos ouvidos apurados, o ronronar de passos sobre a escada.

Ploc, ploc, plum.

O capanga ria abobalhadamente, como se estivesse vendo a piada mais incrível da vida dele e fora por isto que não escutou o aproximar-se de alguém, mas Charlie havia escutado e estava preparado. Se haviam deixado um capanga tão violento para o vigiar, então algo muito pior poderia estar por vir.

— Prodnose!

O baixinho estremeceu de forma visível e engasgou-se no riso que dava forjando uma tosse forte.

Quem havia surgido era um homem alto e magro, aparentava estar cansado e suas sobrancelhas grossas caiam sobre os olhos com tamanho peso, que Charlie entendeu a aparência de cansado que o homem tinha.

Ele usava um chapéu panamá surrado e gostava daquele adorno por lembra-lo de que se trabalhasse direito, poderia tirar umas férias longas e fluidas em uma praia calorosa e acolhedora, saindo do frio que ele tanto detestava.

Prodnose, o baixinho de nariz entupido virou-se no eixo. Parecia ainda menor, pois estava encolhido de medo.

— Senhor. – Gaguejou. – Em que posso lhe ajudar, senhor Fickelgruber?

— Eu não pedi que você cuidasse de nosso visitante com zelo?

Novamente, Charlie percebeu, Prodnose tremeu ante a voz suave, mas forte, como um cantor de voz macia e potente, que Fickelgruber tinha.

— E eu cuidei. – Mentiu o mais baixo. – Oh, senhor Fickelgruber, eu cuidei sim. Só que tropecei ao levar água para o nosso convidado e ele se molhou.

Enquanto Prodnose mentia, o mais alto rolou os olhos e cruzou os braços. Suas mãos esqueléticas e brancas apertaram os braços com um pouco de força, como se ele estivesse se controlando para não explodir em uma torrente de ira.

— Você está me dizendo que cuidou dele com zelo, mas me explique aquele prato mofado. – Prodnose roncou alto. – E também aproveite para me explicar o motivo de você ter oferecido água do balde de limpeza, sim?

— Eu... – Gaguejou o mais baixo.

Prodnose continuou gaguejando por duas ou três vezes e cada vez que isto acontecia ele dava um passo para trás, como quem busca uma fuga. Em seus olhos havia um pavor líquido que Charlie não conseguia ver, afinal só via as costas de Prodnose, que se aproximavam desajeitadamente.

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O único problema de Fickelgruber era que ele nunca se mexia até que a necessidade se comprovasse. Ele também não era muito bom em analisar as pessoas, afinal, a preguiça que sentia era bem maior do que a necessidade em ir buscar aquele conhecimento mais profundo. Este hábito de subestimar as pessoas e acreditar que elas eram o que se mostravam ser era algo que Prodnose conhecia, e o fazia muito bem.

Isto queria dizer que, enquanto Fickelgruber acreditava que Prodnose recuava de medo, o mais baixo estava irritado por ter sido pego e por ter que dar explicações para um cara que estava acima dele apenas por ter se tornado capanga do chefe deles um pouco antes de Prodnose.

Em uma dança desajeitada de pés, a raiva do baixinho se mostrou. Ele girou no eixo enquanto a cintura dobrava para frente. O pulso direito fechou-se para cravar as unhas na palma da mão e o alivio veio quando o cheiro de sangue surgiu em suas narinas e o sussurrar do gemido de Charlie Bucket, o herdeiro da maldita fábrica Wonka.

Charlie só percebeu o golpe que sofreria quando lhe era tarde demais. Ele só conseguiu virar um pouco da cabeça, deixando que a maçã do rosto fosse a receptora do golpe que Prodnose distribuiu. Um corte nasceu na região no mesmo instante do impacto, isto porque um anel estava adornando o dedo do meio do capanga.

O herdeiro gemeu de olhos fechados. Queria chorar.

— Prodnose! – Rosnou o mais alto.

O mais baixo roncou, barulhos estranhos de corpos batendo e objetos rolando permeou o ambiente. Charlie abriu os olhos e girou a cabeça para o outro lado.

Prodnose estava com um corte na sobrancelha e o corpo jogado na parede. Flickelgruber nem se quer tinha a respiração alterada, mas seu corpo estava colada ao do baixinho, o rosto estava rasgado em escárnio e seu lábio superior tremia no lado esquerdo.

— Vá buscar uma roupa ao nosso convidado. – Rosnou o mais alto. – E se eu escutar um ruído seu, não irei só lhe advertir.

Prodnose escapou de seu companheiro e sumiu sem, ao menos, gemer durante seus passos.

W.W.

Slugworth agradeceu a moça jovem e sem o mínimo de habilidade pelo saco de pãezinhos que ela havia lhe entregue. O dia estava com um vento ameno, mas a previsão meteorológica dizia que nevaria durante toda a noite, trazendo o inverno ainda no outono.

Ele amava a neve e a morte que ela carregava. Só os mais fortes deveriam sobreviver e a neve deixava isto bem claro. E como nevaria, ele prepararia uma bela sopinha para tomar antes de dormir, quando estaria com meias aquecendo seu pé e a lareira perfumando o quarto.

Sorrindo, o vilão caminhou de volta para sua casa. Estava pensando em escrever uma carta e a noite fria seria um ótimo motivo para isto.

W.W

Fickelgruber olhou para o garoto que estava molhado. Lá fora o ar do meio dia era ameno, mas esfriaria e muito. Aquele menino sofreria com as roupas molhadas e poderia pegar alguma doença grave.

— Quando Prodnose voltar, pedirei que busque comida e água fresca, mas seu machucado terá que ficar para outro dia.

— Por que você está cuidando de mim?

— É meu trabalho te manter vivo até amanhã, mas não sei se é possível.

Charlie se encolheu um pouco. Seu corpo estava tremendo de frio e a cabeça latejava por culpa da fome.

— Me manter vivo? – Um riso triste escapou do herdeiro.

Era uma moeda de troca. Machucá-lo era algo viável, pois fariam com que Willy aceitasse o que quer que fossem pedir, mas precisava ser algo calculável ou perderiam a barganha.

— Eu posso saber o que vocês vão querer em troca?

— Você tem que ser burro para não saber. – O alto disse.

W.W.

Dóris continuou espionando Willy. Ele estava encolhido na cama, com a coberta jogada no chão e os olhos pregados na neve escassa que caia trazendo em sua bagagem um inverno adiantado. Em sua mão direita, que não estava enluvada, uma carta era amassada.

A Umpa Lumpa estava muito preocupada. Willy não comia nada desde o final daquela tarde, quando a carta chegara. Charlie estava sob as garras de um dos maiores inimigos que Wonka já teve e nada poderia ser feito, pois mesmo que a policia fosse colocada naquela jogada, não teriam tempo hábil para achar o herdeiro e, visando os feitos de Slugworth, algo pior poderia ser feito ao Charlie.

Willy não dormiria naquela noite, assim como Dóris o acompanharia naquela tristeza solitária até o nascer do sol.

Meu caro e velho amigo Willy Wonka,

Como está?
Eu estava vendo a previsão do tempo e soube que o inverno poderá chegar hoje mesmo, com uma leve neve que não aquecerá o corpo dos despreparados.
Eu deveria dizer que sou um bom anfitrião, mas isto seria uma grande mentira. Seu amado não terá uma boa noite.
Infelizmente esta tragédia se dá por um ato errôneo do passado que há anos era nosso presente, não é mesmo?
Amar é uma fragilidade, meu caro amigo.

Com os pés aquecidos em frente à lareira,

A.S.