Pela Paz

Capítulo 1


Não havia dono e não havia clientes, mas as bebidas estavam ali, algumas garrafas quebradas, mas muitas ainda intactas. Estavam, afinal de contas, longe do raio de explosão.

Jonas e seu irmão, Harward, estavam no balcão, cabeças baixas. Nos últimos dias raramente erguiam a cabeça e estufavam o peito. Era como se a glória tivesse passado, tivesse sobrado apenas a vergonha.

— Você acha que valeu a pena? — Haw perguntou para o irmão. Ali não usavam mais os nomes de heróis, sozinhos e desacreditados Setmu e Cadmo voltavam a ser Jonas e Harward.

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Haw era mais novo, pele branca e cabelos lisos até os ombros, o rosto com uma barba volumosa de quem havia desistido de se cuidar. Vestia xadrez e moletom com um chinelo de dedo.

— Nós tentamos Haw. — Jonas era mais velho, negro e tinha engordado. Usava seu blazer (agora desgastado e puído) com calças jeans e um sapato casual.

— E falhamos, repetidamente. Acabou, mas valeu a pena?

— Não dê ouvidos, não somos nem nunca fomos heróis!

— Eu vi ela se desfazer na minha frente. — Harward virou a garrafa de uísque e bebeu longos goles. — Eu vi tudo se desfazer...

— Nós tentamos...

— E Falhamos, Jonas. Falhamos! — Harward então apertou a garrafa até o vidro se partir em seus dedos, faíscas amareladas escaparam de sua pele enquanto ele tremia frustrado. Fazia dias, mas a dor não passava.

Jonas havia transformado o DNA deles, havia concedido poderes inimagináveis, mas o único poder que Haw queria era o de não sentir. Trocaria tudo pelo esquecimento.

Por três décadas foram heróis. Enfrentaram robôs, invasores, magos, mortos-vivos, enfrentaram o governo e o limparam, enfrentaram a própria espécie, criaturas modificadas, melhoradas... Por tantos anos foram heróis. E agora não eram nada.

Jonas olhou para o irmão e pensou antes de falar, sabia que não era isso que ajudaria Harward, mas o que ajudaria? Eles estavam no fundo do poço e lá em cima não existia mais luz. Haviam mergulhado o país em trevas, e quem queriam enganar? A culpa era deles.

— Eu criei isso tudo, nós... Essa loucura. Nunca lutamos para salvar outros, sempre foi sobre nós mesmos, queríamos o fim de Ernesto pelo risco que ele impunha para nós por sua ganancia descabida. Keyla nos ameaçava com restrições como se fossemos propriedade do governo por isso destruímos a organização do pai dela. A Jahan-ko queria a nós como cobaias para desenvolver suas próprias armas. César queria de nós o impossível para salvar um amanhã que nunca vai existir. E agora isso... Desde o começo fomos nós, por nós.

— Se você não tivesse criado o maldito soro nada disso teria acontecido.

— E milhares teriam morrido...

— Milhões morreram, Jonas. Por sua culpa, minha. Você estava no espaço e depois debaixo da terra, ignorante e cego para entender o que estava acontecendo aqui. — Harward fechou os olhos, cheios de lágrimas. Ainda podia ver o rosto sumindo no vazio. Se levantou, seus pés não tocavam o chão, ia avançar contra Jonas, mas este o agarrou e jogou contra o chão.

Harward caiu sobre as pernas e socou a madeira do chão, quebrando-a em dezenas de lascas.

— E bilhões foram salvos. — Jonas continuou, de pé se impondo na frente do irmão caído. — Eu criei a cura para tudo, eu salvei o mundo, mas foram eles quem destruíram, não nós...

— É reconfortante se ausentar?

— Nunca pedi para ser aclamado como herói...

— Essa responsabilidade não vem por escolha. — Harward se levantou, então tirou de sua cintura um jornal. — É um fardo que você nos fez carregar. Que fez Fausto carregar até a tumba dele. Foi por isso que te chamei.

Jogou o papel dobrado em cima do balcão.

— Pessoas morrem todos os dias, Haw. Vai tomar a dor de cada uma delas?

— Você não estava lá... — Harward passou pelo irmão indo até a porta. Parou e olhou para Jonas uma última vez. — Antes eu olhava para você e via o meu pai, sentia orgulho de você. Agora eu vejo o Ernesto você fala como ele falava, pensei que tínhamos matado ele aquele dia, mas parece que Ernesto de fato viverá para sempre, em você!

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E com isso saiu.

Jonas ficou sozinho no bar, podia ouvir a água nos canos, os passos de Harward rumo ao desolado estado de Brasília, podia ouvir o vento lá fora, podia sentir o cheiro de cada coisa no ambiente. Encostou no papel do jornal sentindo a textura da celulose, desdobrou e a primeira página trazia a foto da cratera no meio da cidade, o palácio do planalto ao fundo, destruído com a explosão, apenas metade de uma das duas torres de pé. Todos os ministérios demolidos e seus escombros resumidos e não mais que poeira.

A cidade plana estava plana e radioativa.

Harward estava certo, Jonas não estava lá quando explodiu, não sabia como era ver sua filha ser desintegrada na frente de seus olhos e você impotente, sem ser afetado pela explosão, apenas assistindo a ruína de milhares de inocentes. Então Jonas pensava em quantas vidas não foram perdidas quando Hiroshima sucumbiu a fúria dos Estado Unidos, e Nagasaki em seguida.

— E chamaram Truman de herói. — Jonas murmurou.

O que importava não era as vidas perdidas no processo, mas as ganhas como resultado, e Harward ainda sofria pelo dano colateral, mas Jonas via o amanhã de paz que a raça humana ganhava com aquilo... não com a Explosão, pois isso fora uma derrota, a maior que eles tiveram. Mas foi a derrota que abriu os olhos dele para uma necessidade que o mundo tinha; a necessidade de não haver mais heróis.

Quando não houver mais guerras

Quando não houver mais inimigos

Quando os heróis forem esquecidos

Sobrará apenas paz.

E quem se perguntará como ela foi alcançada?

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.