—Esse é o terceiro corpo do mês, o que acha disso? Um surto psicótico em Tóquio ou algum serial killer com gostos peculiares?

Ele não respondeu. A noite fria combinava com a frieza com a qual Daniel West tratava o caso, sem trocar palavras, apenas fazendo o que viera fazer. Isso irritava profundamente o jovem Takeyomi Matsuda que, apesar de a poucos meses no cargo, sentia bastante orgulho da posição que carregava na divisão investigativa da polícia japonesa. Acreditava ser bem mais experiente e apto a atuar como comandante do caso do que aquele imigrante estados unidense.

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—Não é muito comum, não é? - finalmente quebrou o gelo.

—O quê? - perguntou Matsuda um pouco mais interessado do que queria demonstrar ao colega.

—Lidar com alguém que matou violentamente várias pessoas bem em frente a câmeras de segurança, mas, que não há registro de suas ações. Sabe como costumo chamar isso, Matsuda? - perguntou ainda concentrado nos restos mortais da vítima caída a seus pés. Takeyomi realmente desejava que West voltasse para casa, nos EUA, antes que a falta de respeito dele o tirasse do sério. O cheiro de sangue e a bagunça no local também não ajudavam o oficial a pensar calmamente, o restaurante antes glamoroso e respeitado parecia ter sido palco de uma guerra. Mesas reviradas, cacos de vidro e talheres, em grande parte com manchas do rubro liquido das vitima, para todos os lados. Com exceção das pinturas que retratavam o vilarejo inunake, uma velha cidade fantasma que povoava antigas lendas nipônicas, tudo havia sido manchado mesmo que minimante pelo sangue. Em tons cinzas e tristes que teimavam em contrastar com o sorriso das pessoas representadas nele as imagens perturbavam o investigador de uma forma tão intensa que chegou a surpreendê-lo quando deu-se conta disso.

—Crime perfeito? - arriscou o jovem policial sem entender aonde o parceiro queria chegar.

—Não, eu costumo chamar de ´´Alguém está mentindo``. A história toda, desde o início, não faz o menor sentido. Precisamos realizar um novo interrogatório, mais detalhado dessa vez, com o proprietário e seus funcionários. Checar câmeras externas e lojas vizinhas. O laudo da perícia também vai ser bem útil, mas, a resposta está em quem entrou e saiu durante o dia do assassinato. Das outras duas vezes não tínhamos tantos meios de descobri-lo, não podemos desperdiçar essa chance Matsuda.

—E sobre o corpo? Segue ou não o padrão…

—Desde quando houve um padrão, Matsuda? Primeiro apenas deixou para trás a pele, na segunda vez os músculos e agora os ossos e uma quantidade enorme de sangue. Nenhuma das pessoas que foram mortas tinham qualquer ligação, locais que frequentam, amigos, nada. - cortou West aparentando leve incomodo. - Parece uma matança aleatória…

—Não, todos eram imigrantes, assim como você. - disse Takeyomi. O veterano deu um sorriso e Matsuda percebeu outra coisa de extrema importância. Eles eram os únicos ali, nenhuma ambulância, sem viaturas e até onde sabia ninguém havia emitido um boletim de ocorrência ou denunciado o acontecido a polícia, Daniel simplesmente o chamará para investigar a cena que ele nem deveria saber que existia. E o ponto principal: o detetive que conhecia jamais esqueceria de algo que ele mesmo apontará quando surgiu o segundo corpo, ´´parece que ambos eram imigrantes assim como eu, pode haver um padrão aqui``.

Afastou-se calmamente do colega, enquanto este com a mão empapada de sangue esfregava os cabelos longos e negros, agarrou a tranca da porta que para sua infelicidade não estava abrindo. Medo definia o estado de espírito do investigador naquele momento e não tinha como não ser assim. Apalpou o sobretudo em busca da pistola calibre 25 mas não a encontrou, desarmado e encurralado manteve o olhar fixo no que acreditava não ser o detetive West.

—O que foi, Matsuda-kun, não quer dar uma olhada mais de perto? Não verá o assassino direito se ficar tão longe… dele. O que West-kun diria? Sabe, se ele não estivesse morto. - o veterano falou numa voz que definitivamente não era dele e pôs-se de pé – Vocês dois conseguiram chamar minha atenção, não é algo fácil, parabéns. Quando já tenho as presas determinadas, sentir o desejo pelo sangue de outras quatro é bem raro, sabia?

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Suor escorria pelo rosto do jovem oficial. A morte tinha uma presença tão forte que quase podia senti-la se contorcendo entorno dele, subindo pelo torso e enrolando-se no pescoço como um cachecol vivo. Ele não queria morrer.

As palavras morriam na sua garganta, não podia pronunciar nada além de gemidos e sons incompreensíveis. O seu ex companheiro, ou ao menos o corpo dele, ficava cada vez mais próximo. Tinha os cabelos tingidos do vermelho liquido da pessoa que…´´ Sabe, se ele não estivesse morto.``, ´´ Vocês dois conseguiram chamar minha atenção`` e ´´sentir o desejo pelo sangue de outras quatro é bem raro`` as peças começavam a se encaixar na cabeça do apavorado detetive. O corpo, os ossos que virá, pertenciam a seu companheiro. Não queria acreditar, levou as mãos a cabeça e ficou em posição fetal, lágrimas escorriam junto ao suor, West havia sido morto talvez uma ou duas horas atrás e acabará no chão daquele restaurante. Agora seria o próximo e nem mesmo tinha se despedido da esposa Takeyomi Sayu, a deixaria logo no momento em que esta mais precisaria dele, já que aguardava o resultado do ultrassom. Teria um filho que jamais teria um pai. Queimava, doía, Takeyomi não aguentava o peso dos próprios pensamentos. Teria um filho que jamais teria um pai. O investigador contorcia-se em agonia enquanto seu assassino sorria satisfeito com o trabalho que realizava com sua pseudopresa. A capacidade de instaurar um medo psicótico sempre fora seu forte, aquilo que o diferenciava dos demais, sua maior arma para caçar.

—Pobre Sayu, talvez eu devesse visitá-la também! - zombou a criatura de frente a Matsuda. Foi a gota d'água, o policial deixou o medo de lado e num pulo acertou uma cabeçada no adversário a sua frente. Desnorteado o assassino recuou alguns passos ferindo o pé num caco de vidro e amaldiçoando sua maldita excentricidade esquivou de um soco proferido pela presa que a poucos instantes subestimava.

O oficial gritava e atacava tentando a todo custo reverter a mare, transformar presa em predador, transformar vitima em agressor. Não queria morrer.

—Engraçado, Takeyomi Matsuda, não se esqueceu de nada?! - perguntou sorrindo ao jovem policial sem deixar de desviar dos golpes deste. - Então deixe-me refrescar sua memória! Quem você acha que o chamou até aqui?!

Um estrondo soou e a presa do misterioso assassino voltou ao chão. Caindo sobre restos de mesas e talheres gritou novamente, mas dessa vez, devido a dor que latejava em seu ombro direito. Seu sangue esvaindo lenta e dolorosamente para o piso de mármore o fazia ter alucinações estranhas com uma terra cinza de casas tristes e pessoas, que contrariando o contexto do local, sorriam como se não pudessem estar mais satisfeitas. Matsuda encontrava seu fim.

—Não tenha pressa Matsuda-kun, tenho diversas diversões aguardando por você! E não vai ter graça sem seus adoráveis gritos de desespero! - ria triunfante sobre sua nova conquista.

Para o desagrado do assassino, Takeyomi já não ouvia ruído algum proveniente dos lábios dele ou de qualquer um. A única coisa que seus sentidos captavam era a cinzenta cidade e sua placa com os dizeres ´´As leis constituintes do Japão não se aplicam aqui``.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.