Segredos: verão 1974

Os irmãos Black, naquilo que se poderia descrever como uma cena surreal, entraram no salão de jantar do hotel conversando animados.

— Nada como alguns dias longe de casa para aproximar os irmãos... O que foi que eu te disse, Orion?! – falou Walburga, sorrindo para o marido, enquanto pegava em sua mão para chamar-lhe a atenção aos garotos que se aproximavam.

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Imediatamente o sorriso sumiu do rosto de Sirius. Então aquilo tudo era um plano de sua mãe para aproximá-los?! Sirius detestou a ideia de estar sendo manipulado pela mãe e tomou um lugar na mesa longe do irmão, entre o pai e o avô. Regulus sentou-se ao lado da mãe, revirando os olhos, lamentando em pensamento o quanto Sirius era birrento. Não que ele tenha gostado da sensação de estar sendo manipulado, apenas não achou que isso era tão grave assim e ele estava gostando de ter o irmão “de volta”.

O jantar transcorreu como em todos os outros dias: as mulheres conversando sobre futilidades ou comentando a respeito de algum equívoco da garçonete. A garota era a vítima predileta de Walburga, que logo supôs que a garçonete era uma nascida-trouxa, já que suas suspeitas iniciais de que ela era uma aborto foram caladas quando a viu acenando a varinha para equilibrar a louça suja já no primeiro dia. Mas ela mantinha a teoria de que a garota tinha uma mágica fraca e, portanto, era nascida-trouxa – isso sem ter nenhuma evidência a respeito, nem sequer memorizara seu primeiro nome, quanto mais o sobrenome para analisar sua linhagem.

— Vocês viram como é desajeitada? Mal consegue dar conta de segurar a bandeja! – dizia Walburga sem que ninguém tivesse notado a presença da garota no salão até então.

A cada novo comentário, a garota parecia se atrapalhar ainda mais e cometer mais erros, o que fazia com que Sirius, extremamente irritado com a mãe, passasse a defende-la e até mesmo tentasse, quando não corrigir seus erros com acenos discretos de varinha, encobrir seus erros, dizendo: “eu pedi mesmo mais um copo de suco”, quando era evidente que ele não aguentaria tomar mais nem um gole daquele que era o quinto ou sexto copo de suco que ela trazia para a mesa no lugar de outra coisa que havia sido pedida. Regulus achava a garota idiota demais para ser defendida, mas divertia-se junto com seu pai e o avô, observando o desespero de Sirius em tentar encobrir seus erros. As refeições tornaram-se bastante estressantes para Sirius e ele só não estava mais magro pois andava socando goela abaixo quantidades exageradas de comida todos os dias, frutos dos erros da garota. De alguma forma, a garota parecia bastante agradecida a ele e sorria toda a vez que o avistava.

— Essa aí gamou em você! – disse Regulus após o jantar quando os dois saíam pela porta da frente, descendo as escadas para o caminho de pedras que levava à orla.

— É meu charme natural... – brincou Sirius, sacudindo os cabelos negros, enquanto olhava para a janela do salão de jantar, de onde a garota os observava.

Regulus seguiu o olhar do irmão:

— É, não tem como negar, ela te ama... pena que vai te matar com tanta comida antes que possa descobrir que seu coração pertence à Florence...

— Não diga asneiras, Reg!

— Será que o papai vai demorar? – perguntou Regulus, rindo.

— Ele disse que iria acompanhar Dona Walburga até o quarto e desceria em seguida.

— Papai anda tão romântico esses dias...

— É, chega a me dar enjoo. – disse Sirius, torcendo o nariz.

— Sir, me conta melhor a história do cachorro? Tinha ou não um cachorro no seu quarto?

Sirius arregalou os olhos, jogou a cabeça para trás e riu:

— Aí vem você com essa história ridícula de novo! Claro que não! Você escuta um barulho vindo de não sei onde e logo pensa que foi no meu quarto! Que coisa mais besta! Lógico que não havia cachorro algum! Onde eu iria conseguir um cachorro nesta ilha? Você viu algum? Você está imaginando coisas, como sempre... – finalizou, sacudindo a cabeça para os lados.

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Regulus olhou para ele, desconfiado. Se Sirius não estivesse escondendo nada, não teria negado tantas vezes. Ele estava abrindo a boca para retrucar quando seu pai chegou.

— Prontos, meninos?

Os garotos mostraram as varinhas em resposta. Orion sorriu.

— Então vamos. A baía fica daquele lado.

Regulus franziu a testa. Já havia caminhado por tudo e não tinha notado a tal baía que o pai estava mencionando.

Caminharam durante quarenta minutos até que o caminho de pedras do hotel acabou, então Orion indicou uma trilha morro acima, que também não demorou a ter seu fim. Foi quando eles começaram a descer novamente, o caminho iluminado pelo luar. Chegaram a uma pequena parede de pedras. O pai o ajudou a descer usando magia para que flutuassem até o nível da areia.

— Não era necessário, pai. – disse Sirius – eu poderia ter transfigurado a pedra para que ela se transformasse em um escorregador.

— E eu, numa escada. – disse Regulus, também querendo mostrar seu conhecimento, embora tivesse dúvidas se se lembraria de como fazer o feitiço corretamente.

— Às vezes me esqueço do quanto estão aprendendo na escola. Pois muito bem, chegamos.

A baía era um lugar diferente de qualquer outro da ilha. Tinha grandes árvores retorcidas que se entrelaçavam no alto, formando uma espécie de túnel que desembocava no mar, com uma pequena faixa de areia grossa onde as ondas batiam forte. Regulus pensou que aquele lugar realmente não pertencia à ilha e tentou lembrar de quando o pai havia os ajudado a descer o barranco – talvez seu pai os tivesse transportado para fora da ilha naquele momento.

— Ainda estamos na ilha, pai?

Orion olhou para Regulus e riu.

— O que você acha, Sirius? Estamos na ilha?

Sirius franziu a testa. Ele não conhecia a ilha tão bem quanto Regulus, pois passara a maior parte de suas férias estudando transfiguração no quarto do hotel.

— Porque não estaríamos?

— Aqui é bem diferente de tudo o que eu vi na ilha... – respondeu Regulus, olhando para o pai com um olhar indagador.

— E porque esta é uma réplica de um lugar que eu e sua tia Lucretia costumávamos usar para praticar magia quando estávamos em férias de Hogwarts, escondidos dos seus avós... Hei, não me olhem desse jeito como se eu fosse de outro planeta: eu e sua tia já fomos adolescentes como vocês e também tivemos nossos momentos... Mas não foi para falar de mim que eu os trouxe até aqui. Vocês vieram duelar comigo, suponho... – terminou Orion, sorrindo para os filhos.

— Qualquer coisa para matar o tempo... – disse Sirius num tom mal-humorado, não querendo dar o braço a torcer de que estava gostando do passeio.

— Vou colocar Sirius no chão antes que ele consiga dizer “Transfiguração”... – desafiou Regulus.

— Essa eu quero ver... – disse Sirius, tirando a varinha do bolso.

— Está certo, meninos. Abaixem as varinhas por enquanto. Eu sei que vocês aprenderam muito este ano na escola, nas aulas e fora delas – os dois garotos engoliram em seco, era desconcertante saber que não conseguiam guardar segredos do pai – eu proponho que os dois me ataquem ao mesmo tempo e não um ao outro. Seu velho pai está precisando um pouco de ação... Só peço que não usem nenhuma das maldições imperdoáveis ou qualquer outro feitiço que não saibam como desfazer, pois, apesar de termos o direito de lançar feitiços aqui, ainda pretendo estar vivo para leva-los para casa... – ele disse, rindo – agora vamos. Tomem posições, vamos formar um triângulo, mantendo uma distância igual entre nós três.

Os três andaram em direção opostas, Orion pediu que parassem quando estavam a sete metros de distância cada um. Dentro do túnel de folhas a luz do luar mal conseguia penetrar. O som das ondas quebrando na praia era muito alto e ecoava pela mata espessa, de modo que a essa distância eles mal conseguiam ouvir uns aos outros. Isso tornava a brincadeira ainda mais interessante, pois tinham que bloquear feitiços sem ao menos ouvi-los sendo lançados. Era como se os garotos já soubessem lançar feitiços-não-verbais. Orion colocou a varinha para o alto e contou três, sua voz magicamente ampliada.

No mesmo instante jatos de luz colorida foram lançados contra ele, que habilmente os repeliu, misturando os jatos de luz e os lançando para o alto. Os meninos olharam para o feitiço se desfazendo no ar e então lançaram novos feitiços. Orion moveu os dedos como se juntasse os feitiços com as mãos, dando-lhes um nó e então os devolveu aos garotos, que foram lançados ao mesmo tempo pelo ar e caíram sentados no mar. Sirius levantou-se rapidamente e atacou o pai com um levicorpus, que foi bloqueado e devolvido, de modo que, quando Regulus lançou o mesmo feitiço no pai, Sirius já estava de ponta-cabeça. Com outro aceno de varinha, Orion fez seu filho mais novo se juntar ao irmão. Então Orion se sentou na areia, rindo enquanto observava os filhos se sacudirem no ar, aborrecidos. Ele acenou a varinha novamente e os dois foram colocados sentados em sua frente.

— Assim não vale! Você só se defendeu... – resmungou Sirius.

— E você sabia qual feitiço íamos lançar e nos pegou desprevenidos. – completou Regulus.

— Vocês estão certos. – Orion acenou a varinha e conjurou uma fogueira entre eles. - Eu estudei suas mentes desde o instante que propus o duelo, sabia as opções de feitiços que vocês estavam planejando, embora não soubesse a ordem em que iriam lança-los. Seria burrice da minha parte não tentar me defender, já que eram dois contra um e a única forma de eu me sair bem era unir seus feitiços e devolvê-los ao mesmo tempo... – Orion olhou para os dois com interesse. Já não pareciam mais tão aborrecidos, agora que estavam aquecidos e interessados na conversa. – Conhecer seu oponente e seu repertório nos dá a vantagem de conseguir prever suas ações. Isso vale tanto para um duelo, quanto para a vida quotidiana, quando se quer ganhar uma garota, por exemplo, ou quando você quer ter ideia do que estudar para uma prova. Observação é o segredo de tudo. Eu, por exemplo, tenho observado vocês dois crescendo. Sei que estou criando bruxos muito especiais, de bom caráter e grande coração. Lamento muito que vocês tenham se distanciado nos últimos tempos. Eu não vou negar que fui um sonserino orgulhoso e típico e que foi sorte a minha que minha irmã também o era, mas vocês não podem deixar que a rivalidade entre suas casas os afaste. A escola é só uma fase na vida da pessoa, depois acaba e nos resta a família. – Ele fez uma pequena pausa para observar os filhos, que olhavam atentamente para o fogo, depois continuou – A família Black vem se mostrando forte e influente há gerações, mesmo quando se esquecem disso, vocês continuam sendo parte dela. O sangue bruxo que corre em suas veias é muito poderoso. Não se curvem às pressões do momento, saibam que vocês pertencem a algo muito maior: o universo é de vocês! vocês dois são muito amados e vão sempre encontrar apoio em nossa casa, em nossa família. E assim será com os netos que ainda hão de correr pelos corredores da casa de Dona Walburga fazendo os cabelos dela ficarem em pé. – Orion sorriu, depois deitou o corpo para trás e ficou em silêncio observando as estrelas. Seus filhos fizeram o mesmo.

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As palavras do pai, embora confusas, foram bastante reveladoras. Ele sabia o que os garotos andavam fazendo e o que pensavam e, como um verdadeiro cavalheiro, não expôs seus segredos. Regulus entendeu que seu pai sabia que ele o havia acusado de não tomar parte na luta do mundo bruxo – pelo menos era o que havia entendido quando Orion tinha dito que não deveriam “se curvar às pressões do momento”. Sentia-se culpado por pensar tal coisa sobre seu próprio pai, mas feliz em ver que ele não o recriminara. Regulus olhou para o irmão. Sirius olhava as estrelas, os olhos perdidos no infinito. O mesmo olhar de seu pai. Regulus sentia uma ponta de inveja por notar que Sirius era tão parecido com o pai. Ele suspirou e tornou a olhar as estrelas.

*

Regulus estava em seu quarto, no hotel, sentindo-se sozinho novamente. Embora tivessem se passado apenas dois dias desde o duelo com seu pai e seu irmão, parecia ter acontecido há meses ou ainda, parecia nem ter acontecido, ter sido apenas um sonho bom.

Seu irmão voltara à sua atividade predileta do verão todo: passar horas e horas sozinho no quarto destruindo a mobília ou mandando cartas para James. Todo o discurso de seu pai parecia ter sido em vão, Sirius estava mais distante que nunca desde que voltaram do passeio à baía e fazia questão de mostrar o quanto era aborrecido ficar na companhia da família.

Ele caminhou até a sacada de onde ele podia avistar o mar. Andava evitando olhar para o mar desde o dia em que fez a associação com os olhos de Rachel. Mas, de certa forma, era bom pensar em Rachel – pois ela lhe lembrava a escola, as aulas, os amigos, quadribol e Alice. Instintivamente ele colocou a mão no bolso à procura de sua rainha branca. Lá estava ela, ele pegou e olhou atentamente. Encostou-se na mureta e suspirou. A pequena rainha parecia sonolenta – embora as peças de xadrez não tivessem face. Era mesmo uma pena ele ter concordado em não enviar cartas durante o verão, já que o pai de Alice não gostava que ela trocasse correspondências com meninos. Ela havia contado o quanto o pai era desconfiado e por vezes explosivo, de forma que Regulus não quis nem discutir sobre o assunto: ela pediu e ele aceitou, faria qualquer coisa para proteger Alice de levar uma bronca do pai. O que ela estaria fazendo àquela hora? Teria amigos para se divertir perto de sua casa? Ele sequer havia perguntado onde ela morava... Talvez morasse numa comunidade mista bruxo/trouxa, ou talvez seus pais fossem trouxas e ela morasse numa cidade comum... Rapidamente ele chacoalhou a cabeça e espantou esse pensamento para longe. Nunca tinha perguntado para Alice a respeito de sua descendência e isso o incomodava, pois ele tinha medo do que poderia descobrir se fizesse tal pergunta. Ele voltou os olhos para o mar e suspirou. A verdade era que sentia muita falta de Alice. Abaixou a cabeça, tristonho e olhou para a rainha branca espremida entre seus dedos. A peça parecia estar procurando por um tabuleiro. Ele riu: Rachel tinha razão: uma peça só não dava jogo. Talvez Sirius aceitasse jogar uma partida.

Regulus foi até o quarto do irmão. A porta estava fechada e estava muito calmo lá dentro. Regulus colocou a orelha na porta para ver se descobria se o irmão estava ou não lá. O que ele ouviu foi um arfar contínuo, como o de um cachorro em um dia de sol. Novamente, um cachorro. O que Sirius estaria aprontando?

— Sir, você está aí? – ele perguntou, batendo na porta. Ele ouviu um barulho estranho, como se alguém tivesse tropeçado lá dentro e depois o irmão abriu a porta. Ele estava novamente sem camisa.

— Que foi, Reg? O hotel está pegando fogo?

— Não! – Regulus franziu a testa.

— Então porque toda essa gritaria? Bastava bater na porta que eu viria atender.

— Ahn, desculpe. Estava me perguntando se você iria gostar de jogar uma partida de xadrez comigo...

— Não.

— Não?

— Não. É só?

— É, era só isso... então nos vemos mais tarde, no jantar. Tchau.

Sirius fechou a porta e depois lembrou-se de dizer tchau, mas não tinha certeza se o irmão tinha ouvido. Ele deu os ombros: não se importava se Regulus tinha ou não ouvido seu “tchau”. Então jogou-se na cama e ficou olhando para o teto. Estava feliz, em dois dias estariam de volta para a escola e ele poderia mostrar para Remus a surpresa que ele e James haviam preparado durante todo o verão. E ensinar Pedro como fazer o mesmo, já que ele não havia conseguido os mesmos resultados que ele e James. Estava curioso para ver James, pois o amigo não quis lhe contar em qual animal ele se transformava. Apenas mandou uma carta com vários furos grossos, poderiam ser garras ou chifres. Sirius listava no teto do quarto usando a varinha os vários animais com garras grandes ou chifres para fazer aqueles buracos no pergaminho.

No quarto ao lado, Regulus Black era a imagem espelhada do irmão, deitado na cama, as pernas flexionadas, apontando a varinha para o teto escrevendo um grande “A”, seguidas vezes...