O nadador e o assistente
Capítulo 27
— Sabe, não era isso que eu tinha em mente… Na verdade, é bem o oposto que eu esperava — disse Cris enquanto encarava a tela da TV, sem expressão. Então, se virou para Nelson e Marcelo.
Os dois nadadores jogavam videogame, focados demais para tirar seus olhos da tela. Eles estavam sentados no chão com as costas contra a cama de Nelson.
— Foi mal atrapalhar seus planos pra hoje, Cris — disse Marcelo, com olhos arregalados e sem piscar. Estava tão imerso que se movia com os jogadores na tela. — Mas quando o idiota aqui ligou e me convidou, sabia que ele tava na iminência de uma crise de pânico. Como seu melhor amigo, simplesmente tive que atender o pedido, fazer o que.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!— Eu não ia ter uma crise de pânico. Pare de mentir pro meu assistente — reclamou Nelson, quase ficando de pé no chão enquanto esmagava os botões do controle. — E, caso eu fosse mesmo ter uma, não que eu vá ter, digo, caso fosse, você devia deixar seu melhor amigo vencer a partida, porra!
— Eu deixaria, sério, Nelson — disse Marcelo, sorrindo. — Mas nem se eu jogasse vendado e sem tocar no controle você ia ganhar de mim.
— Corrigindo, se você não trapaceasse.
— Está insinuando que minhas habilidades são trapaça? — Marcelo negou com a cabeça. Ainda que não aprovasse o comentário do amigo, jamais tirou os olhos da tela. — Eu sabia que você era mau vencedor, mas em pensar que era mau perdedor também.
— Não sou!
— Então por que desistiu de jogar pra valer? Faz um tempo que você está tentando só acertar carrinhos e tirar meus melhores jogadores do jogo.
Nelson não respondeu enquanto tentava fazer seu personagem dar um carrinho por trás. Mas Marcelo viu e o driblou com facilidade. Depois, o juiz apitou, indicando o fim da partida.
Marcelo foi o óbvio vencedor, com um incrível 7 a 1. E o único gol de Nelson foi porque Marcelo ficou passando a bola para o goleiro e errou uma hora. O fato do melhor amigo estar sorrindo não ajudava em nada o humor de Nelson.
— Cala… Só cala… cala a boca, tá bom?
— Calma. — Marcelo riu maldosamente. — Não fale assim com os vencedores. Em vez disso, vai me pegar uma cerveja, cara — disse, com tom autoritário, estendendo a mão ao mesmo tempo.
Nelson encarou seu melhor amigo por um tempo, sem se levantar.
— Pega uma pra mim também — disse Cris, sentando do outro lado de Marcelo e pegando o controle de Nelson. — E nenhuma pra você. Não vai ingerir uma gota de álcool esta noite.
— Eu sei — disse Nelson com a voz amarga. Ele arrastou os pés até a geladeira do quarto, murmurando alguma coisa que a dupla não pode ouvir. — Eu convidei vocês aqui pra passar um tempo comigo, por que virei o garçom?
— Porque é um perdedor — disse Marcelo, como se fosse óbvio.
Cris cobriu a boca, mas ainda acabou rindo.
O outro nadador se virou para o assistente quando Nelson procurava a cerveja.
— Sinto muito por atrapalhar você. Mas quando o idiota me ligou…
— Eu sei. Não precisa se desculpar. Tipo, eu tenho outras expectativas quando um cara me convida pra passar a noite, mas o Nelson é denso demais pra sacar — disse Cris, dando de ombros. Mas a atitude não escondeu o pequeno sorriso em seu rosto.
— Ah, mas é claro, colega. Sinto muito por você, mas, infelizmente, ele é tão denso quanto um protagonista — disse Marcelo, balançando a cabeça e suspirando. — Ele demora, demoooora muito, mas muito pra aprender. É difícil fazer algo entrar naquela cabeça dura. Descobri isso por experiência própria.
— Ah, como foi? — perguntou Cris, os olhos brilhando de curiosidade.
— Bom, vamos ver… Com a última assistente dele. Perdi a conta de quantas vezes disse pro nosso amigo que ela estava muito afim nele. Mas ele acreditava em mim? — Marcelo negou de novo enquanto olhava para as costas de Nelson, ainda procurando a cerveja na geladeira. — Tive vontade de enfiar algum bom senso nele.
— Quando ele finalmente acreditou que ela gostava dele? — perguntou Cris, tentando deixar a voz casual. Talvez eu consiga alguma informação boa, pensou, olhando para o cara por quem se apaixonara.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!— Não sei se ele acreditou na hora, mas quando ela beijou ele depois de uma competição, aí que ele começou a pensar que ela pudesse ter algo por ele. — Os dois riram juntos. — Então, fica ligado, Cris. Se quiser algo daquele idiota que chamo de melhor amigo, precisa tomar a iniciativa e não ter medo de ser direto.
Um sorriso malicioso passou pelos lábios de Cris.
— Posso muito bem ser — disse em voz baixa, mas alto o bastante para o outro nadador ouvir.
— Calados os dois. Sabem que posso ouvir, né? Falar pelas minhas costas no meu quarto… — Nelson voltou e passou uma cerveja para cada. Ele sentou na cama, ao lado do assistente.
— Valeu — disse Cris, aceitando a garrafa de vidro. — Prefere que falemos disso na sua cara?
— Prefiro que não falem de mim.
— Foi mal, meu caro nadador. Mas não vai rolar. É difícil te tirar da minha boca — disse Cris, com as bochechas levemente vermelhas. Ele olhou para Nelson com um sorriso e inclinou-se contra as pernas do nadador.
Nelson corou e virou-se para a TV.
— E o jogo?
— Prestes a começar — disse Marcelo, pressionando start depois de ele e Cris terem escolhido os times. Quando os jogadores estavam nos respectivos lados do campo, uma chuva fraca começou a cair. — Ah, maravilha… agora tenho que jogar na bosta da chuva…
— Ainda nem começamos e você já está procurando uma desculpa pra quando perder? — disse Cris, erguendo uma sobrancelha.
Marcelo fechou os olhos, ergueu o dedo indicador e moveu de um lado ao outro.
— Errou, colega. Não gosto de jogar na chuva, não quer dizer que não sou bom.
— Tá certo… Se você diz… — Cris mostrou um sorriso enquanto virava-se para a tela.
A partida começou, mas, diferente de quando estava contra Nelson, Marcelo não teve folga. Cris não falava só da boca para fora; ele era bom e fez o outro nadador se concentrar o tempo todo.
Depois de mais ou menos quinze minutos, o juiz apitou pela última vez.
O atleta deixou os ombros caírem e pôs o controle no chão.
O assistente, por outro lado, ergueu os dois braços e acenou como se fosse acalmar uma multidão invisível.
— Não precisa gritar, pessoal. Tem autógrafo pra todo mundo — disse, sorrindo.
Marcelo encarou a tela, que mostrava os replays do jogo, como se não pudesse acreditar no placar.
— Eu perdi… Eu… perdi… como… como é que eu perdi…?
— Ele parece estar mais chocado do que eu esperava — sussurrou Cris para Nelson. — Acho que atletas são competitivos demais em tudo…
O nadador não continha seu sorriso, até enquanto bebia a água.
— Por favor, não me coloque no mesmo nível que esse idiota. Ele fica falando pra todo mundo que vai ser um gamer profissional quando parar de nadar. E quando não está treinando, comendo ou com alguma garota, fica jogando. Na verdade, eu nunca o vi viajar sem o videogame.
— Isso é… nossa… — Cris se virou para Marcelo, quem ainda negava, com uma expressão curiosa. — Será que pensar que isso só melhorou o gostinho da minha vitória me torna um cara ruim?
— Nem um pouco. Mas reforça o fato de que você é um sádico — disse Nelson, rindo. Ele escorregou da cama e sentou ao lado de Cris. — Então também é dos mau vencedores, hein? Interessante.
— Sim, sou um péssimo vencedor — disse Cris, mostrando um sorriso malicioso e abaixando a voz em seguida. — Quando venço em algo, ou alguém, não posso conter a vontade gritar pra todo mundo sobre isso.
Nelson arregalou os olhos, engolindo em seco. As maçãs do rosto ficaram um pouco vermelhas enquanto ele olhava para a tela.
— Então… como… como é que você é tão bom nesse jogo? — perguntou o nadador. Ele não conseguia esconder o quão aliviado estava por ter achado algo para mudar de assunto e tirar a atenção de si.
— Pois é, você é muito bom, Cris, qual o seu segredo? — perguntou Marcelo, do nada, virando-se para o assistente com os olhos tendo um tique.
— Que foi? Só porque sou gay, agora é proibido que eu seja bom em videogames? É isso mesmo que está dizendo? — perguntou Cris, com a voz subitamente rígida. Ele encarou Marcelo sem qualquer sinal de quem fazia graça. Seu rosto estava completamente sério.
O outro nadador mudou de atitude, engoliu em seco e desviou o olhar. Seu rosto ganhou uma tonalidade alarmante de vermelho.
— Não é… digo, claro que gays podem… é só que… — murmurou, coçando o braço, nervoso.
Nelson não aguentou mais e riu. Ele acariciou Cris na cabeça e bagunçou o cabelo do assistente.
— Melhor parar. Ele não está acostumado com seu senso de humor. Olha o quão nervoso você deixou ele.
Cris tentou manter o rosto sério, mas logo desfez aquilo e começou a rir.
— Foi uma chance boa demais pra deixar escapar. Simplesmente amo quando as pessoas ficam nervosas com isso. Faz tempo desde a última vez que joguei essa pra alguém.
— Eu falei que você é idêntico a sua prima. Ela fez o mesmo comigo.
— Aquilo foi diferente — disse Cris, na defensiva.
— Pode explicar como?
Nelson encarou Cris com uma mistura de descrença enquanto o assistente tentava achar as palavras certas.
— Então isso foi tudo… O Nelson disse que você era um sádico, mas não pensei que tanto assim — murmurou Marcelo, olhando para o assistente.
— Ah? É isso que você tem contado pros seus amigos de mim? — Cris virou-se para Nelson com um rosto surpreso. Mas logo deu espaço para um malicioso. — O que você contou a ele?
— Nada demais. Só a verdade — disse Nelson, dando de ombros. Apesar da atitude, no entanto, ele não olhava nos olhos do assistente. — Você sabe o quanto eu aprecio honestidade.
— É mesmo? — Cris se inclinou para mais perto do nadador, a fim de sussurrar no ouvido. — Você contou o que fiz com você no vestiário aquele dia?
O rosto de Nelson ficou com um tom forte de vermelho na hora. Ele desviou o olhar e cobriu a boca para esconder a expressão.
— Claro que não — disse, com um sussurro ríspido.
— Parem de flertar, pombinhos. Não esqueçam que estou aqui — disse Marcelo, irritado.
— Não estamos flertando! — disse Nelson, rápido e arregalando os olhos.
Marcelo murmurou algo que não deu para entender.
— Já que você gosta tanto da verdade, que tal se eu contar ao Cris o que você disse antes?
— Me contar o quê? O quê? — O rosto do assistente se iluminou com curiosidade de imediato.
— Nada! — disse Nelson antes que Marcelo pudesse responder. — Nada mesmo! Só algo idiota e chato.
— Claro. Quando fala isso eu perco todo meu interesse, pode crer — disse Cris. — O que ele disse, Marcelo?
— Já falei que não foi nada! Nada!
— Beleza, Cris. Vamos fazer um acordo. Joga comigo e, se vencer, eu conto tudinho que o Nelson falou e mais. Segredos do passado, vergonhas, o que ele está escondendo de você. Tudo mesmo — disse Marcelo, oferecendo sua mão para o assistente.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!— Fechado. — Cris apertou a mão dele com entusiasmo.
No segundo seguinte, ambos pegaram os controles e viraram-se para a tela.
— Ei, não faça apostas com meu nome no meio! — reclamou Nelson, mas nenhum dos dois parecia escutá-lo mais.
Eles começaram outro jogo, dessa vez em um dia ensolarado.
Para o alívio do nadador, seu melhor amigo venceu, embora a partida tenha feito seu coração quase sair pela boca várias vezes.
Cris deixou o controle no chão, desanimado.
Marcelo, por outro lado, assentia lentamente.
— Agora as coisas voltaram a sua ordem natural — disse, fechando os olhos. Ele fingiu que sua vitória foi um resultado óbvio, mas suava, apesar do ar-condicionado ligado.
— Então, agora que essa coisinha nada a ver foi acertada, que tal deixarmos o vídeo game para lá e… — Começou Nelson, mas ninguém o escutava.
— Revanche! — gritou o assistente do nada, ignorando por completo o nadador.
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