Solta o som - Rota Lysandre

A bruxa má do Oeste


Armin, Alexy, Kentin e eu ainda olhávamos para os papéis com a relação dos atores pregados na parede.

Eu como Elphaba (a bruxa má do Oeste), Ambre como Glinda (a bruxa boa do Sul), Kentin como Boq (O rapaz que amava Galinda), Melody como Nessarose (a bruxa má do Leste), Armin como o Mágico de Oz (o antagonista), Peggy como Madame Morrible (outra antagonista) e Alexy como Doutor Dillamond (o professor bode, amigo de Elphaba).

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Armin foi o primeiro a se mexer e olhou para mim com um sorriso travesso nos lábios:

— Parabéns. Você é a protagonista, não?

Fiz uma careta desgostosa.

— O que foi? Não quer ser uma bruxa verde malvada? - Ele insistiu.

— Não. É minha personagem favorita da peça.

— Então por que não está pulando de alegria?

“Porque Dake será meu par romântico e não sei se a mensagem nada educada que eu dei no dia da arte foi clara o suficiente.” Respondi pra mim mesma.

— É que a Ambre vai ficar insuportável - Menti.

— Talvez ela esteja ocupada demais se gabando. - Kentin revirou os olhos - Com certeza ela gostou desse papel.

— Hei - Armin interveio - Podem me dizer o que o Mágico de Oz faz? Pra eu não precisar ler todo o roteiro.

— É o charlatão da história. - Eu respondi - Um humano comum que chegou a Oz num balão e impressionou todos.

— Já gostei. Mas o que eu faço?

— Vejamos… No primeiro Ato, Elphaba é rejeitada por todo mundo e a única razão pra ter ido pra universidade Shitz era pra cuidar da sua irmã Nessarose, que é paraplégica, mas quando a Madame Morrible percebe que ela é uma bruxa forte, manda-a para aprender com o Mágico de Oz.

— Então trabalhamos juntos? - Ele me lançou um olhar divertido, que por algum motivo pareceu incomodar Kentin.

— Haha! Não, você é um antagonista. Na história, o Dr. Dillamond vai contar pra Elphaba sobre os rumores de que os animais estão perdendo o dom da fala. É quando eu vou cantar “Algo mau” com o Alexy. Enfim, eu vou pedir ajuda a você e você fingirá me ajudar, então você cantará “Homem Sentimental”.

Pela cara de Armin, ele não tinha gostado nem um pouco do nome da música.

— Só que depois eu descubro que é o Mágico que está por trás de toda subjugação dos animais e acabo fugindo. - Continuei a história - Toda Oz me persegue, e eu uso os poderes do meu novo grimório para encantar uma vassoura e canto “Desafiar a Gravidade” antes de sair voando. E assim termina o primeiro ato.

Alexy cruzou os braços injuriado:

— Isso quer dizer que o Armin vai me ferrar na história?

— Tudo bem, você será vingado, irmãozinho. Eu não venço no final, certo?

— Bem, acho que não. - Eu falei pensativa - Digo... Você não se dá muito mal. Até que tem um final mais ou menos.

— Então eu fico vivo?

— É. No segundo ato nós nos reencontramos quando eu tento libertar seus animais. Você tenta me convencer a juntarmos nossas forças e vai cantar “Mágico!”. Eu aceito lhe seguir com a condição de que você liberte os animais, mas quando você faz isso eu percebo que o Dr. Dillamond era um de seus prisioneiros e perdeu o dom da fala. Esse será nosso último encontro antes da Dorothy jogar água em mim. No final, Glinda descobre que você é o verdadeiro pai de Elphaba e lhe bane do mundo mágico em um balão. O Mágico aceita porque está arrasado por matar a própria filha.

— Luke, eu sou seu pai. - Ele fez a voz do Darth Vader - Venha para o lado sombrio da força.

Nós três começamos a rir antes de ir pra sala de música. Os ensaios ocorreriam às segundas, quartas e sextas, e eram depois de todas as outras aulas.

Quando entramos na sala, conseguimos quatro lugares juntos nas cadeiras que formavam um semi-círculo. A mesma mulher que participou da nossa audição estava lá, de pé, esperando que todos se instalassem.

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— Bom dia, jovens, meu nome é Clarice. Sou a professora de música e irei orientá-los no projeto. Antes de começarmos, vamos aprender um pouco sobre extensão vocal. Alguém sabe o que é?

Melody levantou a mão:

— É o quanto a nossa voz pode ser aguda ou grave?

— Basicamente, senhorita Melody. Para ser mais específica, é o tanto de notas que nossa voz consegue suportar. Sendo assim vamos começar com uma classificação bem simples, a começar pela voz masculina. Alguém pode me dizer alguma?

Kentin levantou a mão:

— Tenor.

— Isso mesmo. A voz “Tenor” tem o timbre masculino mais agudo, mas estamos desconsiderando a técnica do "falsete", que é quando homens imitam timbres femininos. Mais alguém?

Mais alguém levantou a mão, e só então eu percebi que Dake já estava na sala.

— Barítono. É a minha voz, por sinal. - Ele dizia isso jogando charme.

— Sim. Barítono, que é a voz masculina média. Nem tão grave nem tão aguda, e alcança de Só ao Fá. Por último temos a voz “baixo” que é o tipo de voz mais grave masculina. Eu acredito que a maioria de vocês, rapazes, sejam barítonos e talvez tenhamos um ou outro tenor. Agora vamos às vozes femininas. Alguma sugestão?

Resolvi não perder a oportunidade e respondi:

— Mezzo soprano.

— Muito bem. Mezzo soprano é a voz que oscila entre o grave e o agudo.

Ouvi uns cochichos atrás de mim de Li e Ambre.

— Hnf. Ela está tentando não parecer patética perto do músico torturado que é o namorado dela.

— Você quer dizer outro tipo de extensão de voz, senhorita Ambre? - A professora perguntou ao percebê-la conversando.

— Er... S-soprano.

— Soprano, o timbre de voz feminina mais agudo que existe e que alcança do Dó ao Fá. É o oposto da voz contralto, que é a mais grave voz feminina. Agora que vocês já tem uma ideia do básico.

Primeiro começamos a ouvir as músicas da peça, todas elas, em seguida passamos aos exercícios de afinação e escalas. Antes de acabar, porém, a professora chamou a mim e a Ambre para uma pequena demonstração do que tínhamos aprendido.

— Vamos ver como vocês duas se saem com a música ódio

E olhei para Ambre e ela me devolveu uma mirada de puro desdém. Fomos para perto do piano com nossas folhas e a professora se sentou ao instrumento.

— Todos os que fazem parte do coral, fiquem atentos. Um, dois, três.

— Queridíssimos e amadíssimos mamis e papis. - Ambre começava.

— Meu caro pai.

Então começamos a cantar.

Houve uma mudança quanto aos quartos aqui em Shiz

(Eu)

♪ Mas, claro, eu vou cuidar de Nessa ♪

(Ambre)

♪ Mas eu vou superar tudo ♪

(Nós)

♪ Pois eu sei que em casa me ensinaram muito bem ♪

É

♪ Tenho que viver com uma certa cidadã... ♪

(Ambre)

♪ ...Estranhamente e excessivamente exótica e totalmente impossível de descrever... ♪

(Eu)

… Loira.

O coral começou a rir. Digamos que Ambre e eu conseguíamos executar esse dueto sem nenhuma dificuldade, especialmente porque era bem fácil levar pro lado pessoal.

(Ambre)

♪ Que sentimento estranho nasceu ♪

(Eu)

♪ Bem no momento que o olho bateu ♪

(Ambre)

♪ Meu pulso aumenta ♪

(Eu)

♪ É um tormento ♪

(Ambre)

♪ Meu sangue esquenta ♪

(Nós)

♪ Que sentimento ♪

♪ Ferve o coração ♪

♪ Tira até meu chão ♪

♪ Yeah... ♪

♪ Ódio ♪

♪ Tudo nela me dá ♪

♪ Ódio ♪

(Ambre)

♪ Seu nariz ♪

(Eu)

Sua voz

(Ambre)

♪ Que ódio! ♪

(Nós)

♪ Quer saber ♪

♪ É um horror ♪

♪ Tudo o que ela faz me causa dor ♪

♪ Dá no corpo inteiro um tremor ♪

♪ E eu só sinto ódio ♪

♪ Uma estranha euforia ♪

♪ A mais pura antipatia ♪

♪ É tão forte em mim ♪

♪ Logo que chegou tirou meu ar ♪

♪ Sinto que isso veio pra ficar ♪

♪ E eu só sinto ódio ♪

♪ Ódio ♪

♪ Que não tem mais fim ♪

O coral não executou tão bem, pois metade dele estava se esforçando pra não continuar as gargalhadas. Especialmente Kentin, Kim e Rosalya, que definitivamente mais atrapalhavam que ajudavam, e considerando que os gêmeos estavam incontroláveis, aumentando o lado risonho do coral, a professora foi obrigada a parar de tocar.

— Vocês não estão colaborando.

— Desculpe, profs. — Armin não conseguia conter as próprias gargalhadas — É que as duas são muito convincentes.

— Espero que estejam mais concentrados na aula que vem.

Quando a aula acabou, eu esperei todos irem na frente pra não ficar esmagada na escadaria. Quando finalmente saí da sala, alguém colocou a mão no meu ombro e me fez parar. Quando me virei percebi que era Dake.

— E ai, minha linda? Fazemos um par romântico na peça.

Eu não sabia o que falar. Sei que fui bem clara com ele da última vez que nos encontramos, mas tenho medo que ele se aproveite da situação. E falar desse temor em voz alta me deixa constrangida.

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— E...?

— Pra que essa frieza? Só estou sendo educado.

Antes que eu pudesse responder, senti uma mão na minha cintura e, ao me virar, percebi que era Lysandre olhando para o surfista com uma expressão nada amigável no rosto.

— Você não se cansa? - Meu namorado estava rígido.

Dake riu incrédulo:

— É você que não se cansa, amigo. Estamos apenas passando o texto.

— É verdade?

— Não. Não estamos. — Eu respondi furiosa.

Pela cara que Dake fez, ele juntou as peças, pois parecia ter visto um fantasma. Bem, outro tipo de fantasma.

— Por acaso vocês...? — Dake parecia incrédulo e decepcionado ao mesmo tempo — Agora entendi por que você não aceita minhas investidas. Ele ta sempre por perto.

— Que!? Não! Eu não aceito porque não tenho interesse em você! Nunca tive! Dá pra respeitar isso de uma vez por todas?

— Você precisa aprender a lidar com a rejeição. — Lysandre permanecia impassível — Não é só porque gostamos de uma garota que ela deve gostar de nós também.

— Está bem, está bem... Eu não quero brigas.

Sério que foi preciso ele me ver com outro garoto pra me deixar em paz?

Dake se afastou de nós e eu respirei fundo duas vezes. Quando dei por mim, já estava despejando toda a minha raiva em voz alta:

— É muito azar! Ambre como minha futura melhor amiga e esse cara que vive me assediando como meu futuro par romântico! Pior não podia ficar! Que vontade de…!

De repente senti os braços de Lysandre me envolverem com delicadeza e foi como se todo o mal estar começasse a diminuir. Ele era tão lenitivo… Acabei relaxando e abraçando-o de volta.

— Desculpa, Lys...

— Não é culpa sua. Se você quiser, eu posso me encarregar daquele jovem de uma vez por todas. — Lysandre falava como quem comentava o tempo.

Dessa vez eu ri de nervoso:

— Eu não consigo lhe imaginar brigando.

— Acredite, eu posso lhe surpreender.

— Eu não duvido. — Me afastei dele e segurei-lhe as mãos — Vai fazer alguma coisa hoje?

— Eu preciso ir pra casa cedo hoje. Leigh precisa ficar até tarde e eu fiquei de providenciar o jantar.

— Ah. Eu posso lhe acompanhar se quiser.

Ele me olhou surpreso.

— O que foi? - Inquiri curiosa - Não me diga que acha estranho.

— Não, não, é que... Eu nunca convidei alguém pra conhecer minha casa.

Na verdade eu só tinha proposto acompanhá-lo e não entrar na casa dele, mas eu estava gostando do rumo que aquela conversa estava tomando.

— Bem… - Ele estava sem jeito - Vamos então?

~o~

O apartamento de Lysandre ficava no lado oposto ao da minha casa, o que me fazia pensar em todo o trabalho que ele tinha quando decidia me acompanhar. E a casa era exatamente como eu imaginava. A sala de estar tinha pouca luz, móveis vintage e tons pastéis. Não havia televisão, mas sim várias antiguidades.

— Parece um mini-castelo. - Eu comentei.

— Essa decoração é a cara do Leigh. Apenas esse tapete, que foi ideia da Rosa. Até que combinou. - Ele falava distraído enquanto se dirigia à cozinha - Você quer beber algo? Água? Suco de maçã? Chá gelado?

— Água, por favor.

A cozinha era mais comum que a sala. Branca e cinza, sem grandes ornamentações.

Lysandre serviu água pra nós dois e se encostou no balcão descontraidamente enquanto me olhava. Pude observar que ele parecia muito mais a vontade do que em qualquer lugar, inclusive na loja de músicas.

— Eu preciso saber sua bebida favorita, pra deixá-la aqui no caso de outra visita.

Meu peito se encheu de alegria. Ele estava querendo dizer que eu podia visitá-lo mais vezes! Como ele pode ser tão fofo...

— É refrigerante, mas nesse calor o melhor é uma água gelada. - Olhei em volta - Eu fico imaginando como será seu quarto.

— Ele está um pouco desarrumado. Se não se incomodar com isso, posso mostrá-lo a você.

Aquele era meu dia de sorte. Eu não achei que alguém tão reservado quanto ele fosse aceitar tão facilmente me mostrar seu espaço pessoal.

— Eu estou realmente curiosa, você sabe.

Acabamos de beber a água e ele me guiou pelo corredor, até abrir a segunda porta à esquerda.

Era a primeira vez que eu visitava o quarto do meu namorado.

Tinha uma boa luz e uma agradável ventilação. Os tons eram cinza e esverdeado, com alguns tons de creme, além dos móveis de madeira que pareciam antigos. De fato Lysandre não era um ordeiro, como Nathaniel. Havia CDs amontoados no mezanino, perto do computador, alguns livros empilhados na cômoda, e seu fone estava jogado no criado-mudo, com um pen drive conectado. Eu conseguia imaginar sem nenhuma dificuldade Lysandre deitado na cama, escutando suas músicas enquanto escrevia no bloco de notas.

Me aproximei da cômoda e pude ver um caderno preto na frente da cadeira, e uma caneta sobre a capa, indicando que havia sido usado recentemente. Preferi não abrir.

— São suas lições?

— Não. É um diário. Decidi escrevê-lo depois que... Minhas memórias voltaram.

Ainda bem que não mexi. Aquilo era mais pessoal que o bloco de notas.

Quando me virei, reparei que ele tinha tirado o terno e colocado no cabideiro (que também continha alguns chapéus).

— O que achou? - Ele perguntou sentando-se na beira da cama.

Me aproximei dele, sorrindo.

— Estou feliz de finalmente conhecer o seu mundo.

— Você é bem vinda nele. Vem aqui.

Ele segurou minha mão e me puxou delicadamente para nos deitarmos na cama. Nunca imaginei que ele pudesse ser tão descontraído. Aproveitei o momento e me aconcheguei em seus braços. Sentia um bem estar sem tamanho quando ele me abraçou e acariciou meus cabelos.

— Está mais tranquila?

— Agora que estou com você, sim.

Me aninhei nele enquanto o sentia mexer nos meus cabelos. A carícia dele é tão gostosa… Fora que ele fala num tom muito agradável, capaz de adormecer meus sentidos.

Fechei os olhos e me aconcheguei mais, apenas apreciando os dedos dele escorregando pela minha cabeça. Distraidamente, escorreguei a mão pelo peitoral dele, por cima da camisa, e acariciei-lhe as costelas. Ouvi um suspiro profundo nessa hora.

Aquele momento era tão genuíno... Só precisávamos ficar ali, aproveitando a companhia um do outro.

— Minha tatuagem... Meu quarto... Fico imaginando o que mais eu posso acabar mostrando a você?

— Seu bloco de notas, talvez?

Houve um momento de silêncio antes d'eu ouvir sua voz novamente:

— Bem... Há um texto nele que...

— Lys, eu tava brincando.

— Sim, mas... Já faz tempo que eu quero que você ouça.

Abri os olhos surpresa e me apoiei no cotovelo para poder olhá-lo nos olhos. Ele estava corado, e ao ver meu rosto acima dele, ergueu a mão para me acariciar.

Em seguida começou a declamar com aquela voz mansa e sedutora, capaz de desarmar até mesmo alguém como a Charlote:

— “O futuro desejado, o momento esperado, uma apertada saudade, aquela súbita vontade, o sonho mais que intenso, o medo do incerto, a ânsia que me mata, a hora que não passa, a aceleração do pulso, a razão do meu impulso. Acredite, meu coração está batendo num compasso que acelera com a proximidade do seu passo.”

Abri a boca perplexa e senti que estava arrepiada, como se as palavras tivessem tocado a minha pele de um jeito provocante. Eu já tinha visto um texto do Lysandre antes, quando ele deu uma de Cyrano entre Rosa e Leigh, mas apesar daquele de ser um texto muito bonito, não teve esse mesmo efeito desse.

— Isso é lindo... - Confessei fascinada.

Mas pude ver que o seu olhar se tornou um tanto triste:

— Eu tinha feito pra você muito antes de começarmos a namorar... Mas eu não consegui reconhecê-lo quando estava com amnésia.

Meu coração deu um salto:

— Pra... Pra mim?

— Mesmo lendo o bloco de notas, eu não conseguia me lembrar do que me inspirou a escrever esse texto... - Ele acariciou meu rosto com uma expressão de contemplação - Por isso nunca lhe mostrei.

— Lys...

Decidi encurtar a distância entre nós com um beijo. E, surpreendentemente, se tornou um beijo envolvente e profundo, capaz de fazer meu sangue ferver em um curto intervalo de tempo. Lysandre era intenso, mas seu ritmo nunca era acelerado e aquilo parecia combinar perfeitamente comigo. Quando nos separamos, eu demorei a abrir os olhos, como se quisesse absorver aquele momento e fixar na minha memória. Ainda sentia a respiração morna dele perto de mim, e não me surpreendi quando ele me puxou pela nuca e voltou a unir seus lábios nos meus. Era como se estivéssemos mais entregues um ao outro.

De repente alguém bateu na porta e tomamos um susto. Meu coração ficou a mil por hora, como seu eu tivesse sido flagrada pelos meus pais, já Lysandre perdeu totalmente a cor. E antes que pudéssemos, sei lá, pelo menos nos separar, a porta foi aberta por Leigh, que fez uma cara parecida com a que meu pai faria se me visse ali.

— L-Leigh?! - Lysandre estava igualzinho um fantasma - Você não ia chegar tarde?

— E você ia fazer o jantar. - O mais velho olhou para mim - Desculpe por isso. Meu irmão devia ter trancado a porta.

Eu não sabia o que dizer. Até onde eu sei, não estávamos fazendo nada que precisasse de uma porta trancada.

— Não era necessário trancar a porta, Leigh. - Lysandre segurou meus braços e me empurrou com delicadeza para poder se sentar - Não estávamos fazendo nada de mais.

— Pode até ser, mas você sabe que Rosalya e eu somos mais discretos que isso.

Lysandre ergueu uma sobrancelha e foi como se isso tivesse feito Leigh recordar todos os seus pecados porque acabou ficando bastante corado e murmurou um “ta, esqueça o que eu disse”. A cena foi, no mínimo, engraçada. Fico imaginando quantas situações o Lys teve que presenciar por conta da falta de discrição do casal.

— Pelo visto eu é que vou fazer o jantar. Com licença. - O mais velho fechou a porta.

E eu não consegui me segurar. Voltei a me jogar na cama e comecei a rir sem nenhuma cerimônia.

— Que bom que achou divertido. — Lysandre parecia contagiado pelo meu bom humor.

— Hahaha! É que… É tão cômico… Você fez uma cara engraçada e seu irmão se entregou.

— Ele sempre tranca o quarto quando está com a Rosa, mas não tem o mesmo controle quanto aos outros cômodos da casa. Já estou acostumado.

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— Eu estou tendo dificuldades de associar a descrição à pessoa. Hahahaha!

Percebi que nós dois achávamos a cena engraçada.

Como já estava ficando tarde e Leigh havia cortado totalmente o clima, acabei me despedindo de todos e fui embora.

Mas me concentrar o resto do dia, e até mesmo dormir, ficou bem difícil. Eu me revirava toda hora na cama, rindo sozinha e me lembrando de nós dois juntos partilhando aquele momento de cumplicidade. O quarto, o verso, o beijo… Meu estado de euforia era tão grande que comecei a ter medo de que tudo isso tivesse um fim, que nem aconteceu quando meu Lys perdeu a memória.

É incrível como tenho medo de ser feliz.

No dia seguinte fui para a escola morrendo de sono.

— Oi. – Eu ouvi a voz de Íris atrás de mim. – Você também está indo ao porão?

— Hei, Íris. Hm… Eu tava procurando o Alexy, mas se vocês estiverem ensaiando eu vou querer ver!

— Tenho que entregar algo, mas você pode vir. Vamos começar a ensaiar sim.

— Legal!

Segui ela até o porão e a medida que descia as escadas fui me deparando com um som muito empolgante.

Nathaniel e Castiel estavam tocando juntos Misirlou, assistidos por Lysandre. E a melodia estava incrível! Castiel tocava rapidamente, e a energia que Nathaniel jogava na bateria deixava o som mais frenético. Não dava pra saber se estavam tocando juntos ou desafiando um ao outro. E parecia que os papéis tinham se invertido. Castiel estava concentrado, tocando, sério, enquanto Nathaniel se empolgava e se soltava nas baquetas, totalmente descontraído e emocionalmente envolvido.

Eu não fazia ideia de que a sincronia dos dois pudesse ser tão perfeita, meu coração estava batendo forte com o espetáculo.

Quando eles acabaram, olharam para Lysandre como se tivessem esperando algum tipo de veredicto, mas antes que qualquer coisa fosse dita, os olhares dos três se voltaram pra mim.

— Oh. - Nathaniel sorriu ao me ver - Você estava aí desde quando?

— Cheguei no finalzinho, mas isso foi incrível!

— Isso foi só o aquecimento, garotinha. - Castiel se gabava - O representante quis provar pro Lysandre que conseguia me acompanhar.

Eu quis provar? - Nathaniel o mirava incrédulo.

— Considerando o nível de vocês, acho que podemos ousar. - Lysandre interrompeu uma discussão que estava prestes a começar - Castiel, por que você e a Iris não fazem um duelo de guitarra no meio da apresentação? Nathaniel consegue acompanhar os dois.

Todos ficaram surpresos, inclusive eu. Já Íris ficou vermelha e fez uma cara de desconforto:

— Oh... Mas... Eu não seria capaz de ganhar de alguém como o Castiel.

— Não vai ser um duelo de verdade, Píppi. - Castiel cruzava os braços e girava os olhos - Será apenas uma encenação. E até que a ideia é boa.

— Bem... Você acha que eu consigo acompanhá-lo?

— Se treinarmos bastante, sim. Mas se você errar eu posso dar um jeito de tapar o buraco. Eu sou bom no que faço.

Modesto que chega dói.

— Ah, nesse caso, pode ser. Eu espero não decepcionar.

— É bom ouvir isso. - Lysandre sorriu para nós - Eu sei exatamente onde podemos encaixar uma performance de guitarras.

— Esperem, esperem, antes de começarmos, um homem pediu pra eu entregar isso aqui pro Lysandre.

Ela entregou um papel para o meu namorado, e a medida que ele lia, mais preocupado ficava. Castiel o olhou sem entender:

— Que foi? Ta com uma cara de enterro.

— Meu... Meu pai se foi.



Continua