Efeito Borboleta

Polarizado.


Khalil Gibran, um filósofo, poeta e pintor de origem libanesa, muito conhecido pelos seus livros escritos de maneira simples e com uma beleza jamais vista, uma vez disse de modo sábio e brilhante que: “O óbvio é aquilo que ninguém enxerga, até que alguém o expresse com simplicidade”. E ele não poderia estar mais do que certo. Estar de volta ao local onde havia começado há minha semana completamente insana, ouvindo a explicação de Seneca sobre a estratégia inovadora do Chiaroescuro, só reforçava as palavras de Khalil Gibran. As respostas para boa parte dos mistérios que rondavam Arcadia Bay estavam bem ali, sempre estiveram, camufladas nas entrelinhas das palavras daquele que era considerado um dos melhores fotógrafos do mundo.

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“Eu poderia enquadrar qualquer pessoa em um canto escuro e capturar nela um momento de desespero”. Essas haviam sido as palavras utilizadas por ele em certo momento de sua explicação, mas devido ao meu estado de torpor em consequência ao sonho com a tempestade, não havia dado muita importância para tal questão. O que, de certo modo, soava um tanto irônico se fosse comparar ao fato de eu ser conhecido por toda a Blackwell como: “o senhor Curioso”. Bom, nesse caso, um curioso não muito preciso. Seneca tinha razão quando comentou sobre o fato de eu nunca prestar atenção ao que ele falava nas aulas, pois se o tivesse feito, poderia ter evitado uma série de acontecimentos trágicos e catastróficos. Mas aquela não era hora para lamentações. Não quando eu possuía provas o suficiente para incriminar tanto a ele, quanto a Gale. E, mesmo não conseguindo trazer Johanna de volta, manter aqueles dois atrás das grades já era o bastante para fazer Arcadia Bay voltar a ser o que sempre foi; apenas uma pequena cidade caipira no interior de Oregon, conhecida por possuir o mais belo dos pores do sol.

—... É claro, como todos devem saber, o retrato de fotografia é popular desde o início de 1800. A geração de vocês não foi a primeira a usar imagens para se expressar como selfies... Foi mal, não consegui resistir. — ele ri de modo despreocupado — Enfim, o retrato sempre foi um aspecto essencial da arte e da fotografia, desde o seu surgimento. Agora, Peeta... como você capturou nosso interesse e claramente quer participar da conversa, pode nos dizer o nome do processo que deu origem aos primeiros autorretratos? — seus olhos encararam diretamente os meus através das lentes dos óculos.

Como as pessoas conseguiam ser tão cínicas e hipócritas? Ali, diante a todos os alunos, ele era somente um homem carismático, gentil, dedicado. Mas por trás de toda aquela mascara de bom professor, ele se mostrava um cara frio, insensível, manipulador. Cada passo que ele dava já havia sido planejado com antecedência, e isso combinado à sua alta inteligência e astúcia extrema, era o que vinha permitindo-o continuar a fazer suas sessões perturbadoras sem ser pego. Ele era a verdadeira encarnação de um psicopata, mas no que dependesse de mim, aquilo acabaria hoje.

— Quem se importa? Essa aula é uma merda. — respondo com indiferença, não dando a mínima importância para sua pergunta sobre o processo daguerreótipo, deixando todos confusos e incrédulos diante o meu comportamento.

— Vou fingir que você não disse isso e o deixarei tentar responder mais uma...

— Sinto muito, não temos mais tempo. — o interrompo sem a menor cerimônia e vejo sua postura enrijecer — Quero dizer, sua aula está quase no fim. — aponto para o relógio no alto da parede.

— Ah, bem... Obrigado pelo aviso, Peeta. — seus olhos permanecem fixos em mim por mais alguns segundos, analisando-me de modo minucioso. Se estivéssemos em um desenho animado, seria possível enxergar as engrenagens trabalhando dentro de sua cabeça para desvendar o porquê de eu estar agindo daquela forma — Bom, continuando, o processo daguerreótipo tornou o retrato muito popular, principalmente porque trouxe uma imagem clara e definida. Vocês poderão aprender mais sobre esse tema quando terminarem de ler os capítulos que falei. Mas, claramente, o Peeta não tem tempo para isso. — alfineta, no exato instante em que o sinal para o final da aula toca.

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Ótimo. Está na hora de mudar o tempo.

Enquanto Seneca dava uma de professor gentil e dedicado, certificando-se de que todos se inscrevessem na competição Heróis do Cotidiano, para que pudessem ter a chance de progredirem em suas carreiras artísticas, eu utilizava o termino daquela aula para mandar uma mensagem para Haymitch, reveleando a ele tudo sobre Seneca e a sala escura, situada no celeiro abandonado – ou não tão abandonado assim – da família Hawthorne. A vida era mesmo uma caixinha de ironias, não? Quem diria que dentre todas as pessoas daquela cidade, Haymitch seria justamente aquela a quem eu recorreria para pedir ajuda?

Guardei todo o meu material dentro da mochila, decidido de que iria até Seneca. Ele queria tanto que eu entrasse para a competição, então talvez eu fosse para São Francisco, enquanto ele teria como destino a prisão. Conforme eu me aproximava em passos firmes, eu percebia algo estranho acontecer em sincronia. O peso do meu corpo parecia se concentrar apenas no lado direito, empurrando-me levemente nessa direção enquanto a sala parecia se movimentar lentamente. Fechei meus olhos por um momento, em uma tentativa de me livrar daquela sensação desconfortável, mas rapidamente os abri ao sentir algo quente escorrer por meu nariz. Um tanto quanto relutante levei meus dedos até o mesmo, somente para vê-los manchados por uma pequena parcela do liquido vermelho e pegajoso que ali residia.

O passado dentro do passado... Talvez eu esteja indo longe demais.

— Peeta? — ergo meu rosto em direção ao chamado, somente para dar de cara com Madge parada bem a minha frente — Você está bem? — seus olhos analisam-me com preocupação — Seu nariz, ele...

— Ah, isso... Não precisa se preocupar, está tudo bem. É só que... Bem, devido ao ar seco, às vezes sofro com essas pequenas hemorragias nasais. — tento soar verdadeiro, mesmo sabendo da inverdade que eram as minhas palavras.

— Sinto-me aliviada por saber que não é nada grave. Deixe-me ajudá-lo com isso. — ela aproxima-se de mim após retirar um lenço de sua bolsa, passando-o com delicadeza abaixo de meu nariz, retirando dali qualquer vestígio de sangue.

— Obrigado. — agradeço com sinceridade, notando pela primeira vez o quão abatida e deprimida ela parecia estar. Seus olhos estavam opacos e levemente avermelhados, assim como nariz e bochechas, indicando que a mesma havia dedicado boa parte de seu tempo às lágrimas.

— Não há de quê. — ela sorri de forma tímida e quando faz menção de se afastar, a impeço, segurando delicadamente em sua mão.

— Mad, eu... eu quero que lembre-se sempre de que não está sozinha, ok? Eu estou com você independentemente do que aconteça. Assim como várias outras pessoas. — asseguro, engolindo com certa dificuldade devido ao nó que havia se formado em minha garganta. Era angustiante ver o quão fragilizada ela estava devido ao bullying que vinha sofrendo — Estamos todos aqui para você. Todos nós nos importamos... Você precisa saber disso.

— Eu... Nossa... — ela pisca algumas vezes, parecendo surpresa por minhas palavras — Isso faz com que eu me sinta abençoada pela primeira vez nessa semana. — seus olhos, antes opacos e tristes, agora adquiriam um brilho esperançoso — Eu nem sei direito o que dizer.

— Tudo bem, eu também não... Bom, o que você acha de um abraço? — sugiro com um sorriso, e como resposta, logo sinto seu corpo acomodar-se ao meu de modo apertado.

— Obrigada, Peeta. Você sempre sabe a coisa certa a se fazer. — ela deposita um beijo suave em minha bochecha, presenteando-me com um sorriso gentil antes de se afastar.

Meus olhos permaneceram fixos nela, observando à distância até o momento em que ela desapareceu porta a fora. E, só então, permitir-me dar continuidade ao meu pequeno trajeto até a mesa de Seneca, onde o mesmo encontrava-se entretido em uma conversa com Glimmer.

— Sr. Crane, precisamos conversar. — falo de modo imperativo, atraindo a atenção dos dois.

— Estamos ocupas, não está vendo, Mellark? — Glimmer solta em um resmungo irritado, fazendo-me revirar os olhos perante a sua prepotência. Já tinha até esquecido o quão irritante ela poderia ser quando estava ocupando seu posto de patricinha.

— Sim, estou vendo. Mas quem disse que eu ligo? — rebato, arrancando-lhe uma exclamação de incredulidade diante a minha audácia em confrontá-la.

— Seu hipsterzinho de quinta! Quem você pensa que é para falar comigo desse jeito? — praticamente rosna, fuzilando-me com suas orbes esverdeadas, mas não me senti intimidado de forma alguma.

— Glimmer, por favor... — Seneca a repreende, voltando-se para mim logo em seguida — Você está bem, Peeta?

— Ficarei quando a Glimmer entender que se esconder atrás de uma tela e publicar vídeos de pessoas é, definitivamente, algo cruel e injusto. — falo de uma vez, sem me preocupar em estar sendo rude ou não — Você é inteligente o suficiente para saber como é fácil machucar e destruir a vida de alguém. Só quero que pense em como machucaria se alguém fizesse isso com você. — suspiro profundamente — Você sempre pode fazer a escolha certa, Glimmer. Eu sei que você tem um bom coração. — a loira comprime os lábios ao final de minha sentença, parecendo meio atordoada.

— Escute... Eu não...

— Você não precisa se explicar. Não há razão para você ser uma pessoa insegura que não pode ser feliz com o próprio talento. Não seria melhor animar uma pessoa ao invés de acabar com ela? — pergunto, mas não espero por uma resposta — Você poderia inspirar as pessoas...

— Olha, eu realmente não sei de que baboseira você está falando, mas certamente não me interessa. — interrompe-me, prepotente como sempre — Bom, eu já vou indo. Depois continuamos com a nossa conversa, Sr. Crane. — ela lança a Seneca uma piscadela acompanhada de um sorriso sedutor, retirando-se da sala logo em seguida, nos deixando a sós.

Uma vez patricinha, sempre patricinha.

— Isso foi bastante aleatório, Peeta. O que você quis dizer...

— Aqui está a minha fotografia para a competição Heróis do cotidiano. — interrompo-o, indo direto ao ponto ao entregar-lhe a fotografia que eu havia tirado no quarto no inicio daquela manhã, em frente ao meu mural.

— Nossa! Essa foi... fácil... — comenta um tanto surpreso, encarando a fotografia agora em suas mãos — Achei que você fosse relutar até o último segundo.

— Acredite, não foi tão fácil assim.

— Bom, não posso julgar ainda, mas estou contente por você ter decidido entrar na competição. Isso significa muito para mim... e para a Blackwell. — sorri, ajeitando os óculos — A primeira etapa de qualquer artista é colocar-se muito a fora do medo. Ser inocente...

— Ou culpado. — completo, olhando-o de modo sugestivo.

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— Ahn... É, talvez isso também... — ele pigarreia, ajeitando a postura — De qualquer forma, obrigado pela foto. Talvez nós dois peguemos um avião para São Francisco na sexta-feira.

— Ou talvez apenas um de nós vá.

— Não seja tão modesto, Peeta. Tudo pode acontecer em uma semana. — fala bem humorado, dando-me as costas para guardar a fotografia em uma de suas pastas.

— Concordo plenamente. — murmuro, sorrindo-lhe com desprezo, e antes que qualquer outra palavra pudesse ser dita, as luzes a minha volta se tornaram fortes demais para que eu pudesse suportar. Então apenas fechei os meus olhos, deixando-me ser abraçado pelas sensações complexas e intensas de estar sendo sugando pela força linear do tempo.

Ao longe já se era possível ouvir algumas vozes, primeiramente abafadas, mas logo se tornando mais claras e perceptíveis conforme meu corpo era trazido de volta à realidade. Eu estava com medo, tinha que confessar, afinal de contas, todas as outras vezes em que eu havia alterado algum acontecimento do passado, o presente tinha sido afetado de modo drástico e bruto. Mas também estava ansioso e esperançoso, torcendo para que tudo houvesse dado certo desta vez. Pelo menos uma única vez.

Após uma profunda e longa tomada de ar, permitir-me abrir os olhos lentamente, somente para sentir o meu ritmo cardíaco acelerar ao deparar-me com poltronas, passageiros e aeromoças. Eu estava em um avião? Pisquei diversas vezes para ter certeza de que aquilo era mesmo real, e não somente uma projeção fundada por minha mente perturbada e idiota. Então a resposta veio no segundo seguinte, quando decidi olhar para a minha esquerda, deparando-me com um tapete de nuvens sendo iluminadas pelos raios solares do outro lado da pequena janela. Como diabos eu havia ido parar ali? Ainda em estado de torpor e completa confusão, tive meus questionamentos internos interrompidos por um resmungo vindo da poltrona ao meu lado, e ao olhar para a mesma, não consegui conter uma exclamação de surpresa ao dar de cara com Snow sentado bem ali, tirando um cochilo. Tinha como ser mais louco que aquilo?

Decidido a saber ao menos o mínimo do que havia acontecido, passei uma de minhas mãos pelo bolso frontal da calça a procura de meu celular. Não demorou muito para que eu achasse o mesmo e ao desbloqueá-lo, uma mensagem em especifica me chamou a atenção, uma mensagem de Katniss.

10/10/2013

“Puta merda! Você é demais, Peeta!! Estou muito orgulhosa do meu fotografo preferido. Isso é só o começo da sua carreira brilhante... Te amo, Conquistador.”

Às 17:13

Eu não sabia descrever com precisão o que estava sentindo naquele momento, mas era uma leveza, uma paz, uma alegria sem tamanho. Como se toneladas houvessem sido retiradas de meus ombros, permitindo-me respirar sem quaisquer complicações. Katniss estava viva, estava bem. Eu havia conseguido, havia consertado tudo. Sem conseguir me conter, acabei soltando um riso baixo e aliviado, inclinando minha cabeça para trás para descansá-la no estofado macio da poltrona, ainda meio cético em relação a tudo que havia acontecido. E como um insight perfeito, pequenos flashes de memórias começaram a bombardear minha mente. Algumas estavam nubladas demais para que eu pudesse compreender; já outras bem claras e perceptíveis, como a de Seneca e Gale sendo levados pela polícia, Haymitch abraçando Katniss, Snow me premiando em frente toda a classe, Katniss ajudando-me a fazer as malas... Assim como anteriormente, eu havia criado outra linha do tempo e nesta, era eu quem havia ganhado a competição e estava em um avião a caminho de São Francisco junto ao Diretor Snow, após Seneca e Gale serem presos por drogarem, sequestrarem e fotografarem mulheres jovens. Mas acima de tudo, por serem os principais e únicos responsáveis pela morte de Johanna Mason.

Após alguns minutos dedicados a uma reflexão precisa de o quão estranho e confuso era estar entre realidades tão distintas, mas ao mesmo tempo tão iguais, a voz do piloto soou nos alto-falantes, anunciado a nossa tão aguardada chegada a ensolarada São Francisco.

— Espero que esses assentos fiquem menores para que eu não tenha mais que voar. — resmunga Snow ao despertar de seu precioso cochilo.

— Dormiu bem? — pergunto curiosamente.

— Hmm... Fora a torcicolo que estou sentindo agora, acho que sim. — ele faz uma careta — Espero não ter roncado muito alto.

— Só um pouco. — respondo de modo divertido e logo recebo um olhar de desculpas.

— Foi uma semana bem tensa na Blackwell, então espero que você me perdoe. — começa, após alguns segundos de silêncio — Sei que entre o Crane e os Hawthorne as coisas ficaram, no mínimo, bem agitadas. Mas tenho orgulho de ter você, um garoto tão dedicado e honesto, representando a nossa escola em uma competição tão importante. Mesmo sabendo que não sou exatamente o guia de arte que você queria em São Francisco. — ele ri levemente — Mas todos nós queremos que você tenha uma ótima experiência aqui.

— Eu já estou tendo, acredite. — sorrimos um para o outro, e quando voltamos nossa atenção para a voz do piloto, que pedia atenciosamente para que apertássemos nossos cintos, pois o avião já estava entrando em contato com o solo californiano, senti novamente uma ardência incomoda em meu nariz. Outro sangramento nasal, acompanhado de uma forte vertigem. E foi ali que tomei consciência da minha realidade. Eu não estava só bagunçando o tempo. Eu estava destruindo a mim mesmo.

[...]

Meus lábios estavam levemente entreabertos enquanto o ar passava com certa dificuldade por eles, tornando a tarefa de me acalmar ainda mais complicada. Talvez a palavra “euforia” fosse, dentre tantas outras, a que mais se encaixava com o que eu estava sentindo naquele momento ao encarar cada mínimo detalhe daquele gigantesco salão de entrada da Zeitgeist Art Gallery. Aquele lugar não era somente belo, ele era magnífico.

— São Francisco é uma bela cidade, mas essa galeria ultrapassa o sinônimo da beleza... Além de ser enorme. — comento, fascinado com cada obra de arte que meus olhos conseguiam captar a distância.

— Assim como o bufê. Se não houver comida em um evento, pode apostar que não será nada legal. — Snow balança a cabeça enquanto contorce os lábios em uma careta, como se recordasse de algo não muito agradável e acabei tendo que sufocar uma risada perante a sua expressão. Estar ali com ele estava sendo mais divertido do que eu achei que seria.

— Bom, contanto que eu não tenha que comer caviar... — dou levemente de ombros, arrancando-lhe um sorriso sincero.

— Esse é o seu dia de sorte, Peeta. Você pode fazer o que quiser. — ele afaga ligeiramente o meu ombro — Espero que tire vantagem do seu status e fale com as pessoas mais influentes daqui. Avalie o perímetro. — aconselha.

— Eu não sei... Sinto-me meio estranho, como se fosse uma criancinha saindo com os adultos.

— Peeta, depois dessa semana, você certamente não será mais uma criancinha. Na verdade, você é um adulto notável que está sendo honrado pelos seus colegas e pelo seu maravilhoso trabalho. Agora, tudo o que você tem a fazer é começar a agir como o fotógrafo que realmente quer ser. — seus olhos encaram os meus com incentivo — Cada jornada começa com um primeiro passo, meu jovem.

— Eu sei, é só que... — balanço a cabeça, suspirando pesadamente — É meio surreal estar aqui depois de tudo o que aconteceu na Blackwell.

— Mas um motivo para comemorar o seu sucesso. — ele vira-se completamente para mim, para poder olhar-me com mais atenção.

— Talvez eu me sinta culpado por comemorar. — murmuro cabisbaixo. Eu não sabia dizer ao certo o que havia feito minha alegria ir para o espaço, mas estar ali, de repente, pareceu me deixar mais culpado e angustiado do que realmente eufórico.

— Se tem alguém que deveria se sentir culpado aqui, esse alguém sou eu. — declara com certo pesar — Eu deveria ter sido mais pró-ativo com a Srta. Undersee e a sua péssima situação. Mas ela é forte e fico feliz por ela ter conseguido se livrar de todo esse inferno. Quanto ao Gale... — sua expressão se torna carrancuda — Eu deveria ter sido mais pulso firme com ele... ou ao menos ter chutado a bunda dele. — resmunga, e eu até teria rido de suas palavras se o assunto não fosse tão delicado.

— O Seneca foi ótimo em esconder seus rastros... Fomos todos enganados por ele.

— Eu acima de todos. Como deve saber, tenho uma fraqueza por prestígio. E o Seneca... — ele abaixo o tom de voz, para que nenhum curioso pudesse nos ouvir — Ele tinha uma reputação tão grande. Ninguém esperava que ele fosse tão... perturbado. Eu quase não acreditei quando a polícia encontrou todas aquelas fotografias doentias naquele bunker... Pobres garotas. — lamenta.

— Pelo menos ele está na cadeia agora, junto com o Gale por sequestro e assassinato. — solto, como se aquele fato pudesse minimizar um pouco de todo o sofrimento e tortura psicológica ao qual as vitimas haviam sido submetidas a passar.

— Isso sim foi um grande feito. E para complementar, o Craig Hawthorne agora está sob séria investigação por todos os seus anos de corrupção. — revela, deixando-me surpreso — Dinheiro e poder só podem te proteger até certo ponto em Arcadia Bay.

Eu não havia pensado uma única vez sobre o pai de Gale e toda a sua desonestidade quando decidi entregar todas as provas ao Haymitch, mas saber que o “poderoso chefão” iria pagar por cada uma de suas fraudes, deixou-me profundamente feliz.

— Mas a grande ironia nisso tudo... — continua Snow — É que o Craig realmente não imaginava o que estava se passando com o Seneca, caso contrário, não teria o trazido para a Blackwell.

— É como diz o ditado: quem vê cara... — deixo a frase morrer no ar e Snow apenas assente em concordância.

— Essa última semana foi a mais... agitada desde que peguei a diretoria da Blackwell. — ele suspira profundamente antes de passar a mão pelo rosto — Eu só queria que as coisas voltassem a ser o que eram antes.

— Eu também, Diretor... Quem sabe esse não seja um recomeço? — abro-lhe um sorriso amarelo, tentando quebrar a atmosfera pesada que havia se formado sobre nossas cabeças.

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— Eu realmente espero que sim, Peeta... Bom, agora se você me der licença, irei comer aquele caviar para que você não tenha que fazer isso. — rimos — Se precisar de algo, já sabe onde me encontrar. — assinto, recebendo alguns tapinhas no ombro antes de ele começar a se afastar e, aproveitando a sua deixa, finalmente permito-me explorar com louvor àquela magnífica galeria.

Cada quadro, fotografia e escultura – por mais estranha que algumas pudessem parecer – tinham o seu charme, a sua profundidade. Uma das coisas que mais me fascinavam na arte era o fato de ela ser, no sentido mais amplo da explicação, um diário em que cada artista, profissional ou não, utilizava como método para demonstrar o mais profundo de seus sentimentos. E, mediante o tipo de arte, a forma de transmitir e a forma de interpretar poderiam ser totalmente diferentes, porque todos nós éramos diferentes interpretando e apreciávamos de maneiras distintas. Como na fotografia, por exemplo. Perante o olhar de um profissional seriam estudadas as linhas e formas dominantes, as cores, texturas, iluminação, tais como o enquadramento e o ponto de vista escolhido pelo fotógrafo. Já na visão de uma criança, adulto ou idoso, seriam observados o ambiente e os protagonistas que comporiam a imagem. Talvez um por do sol, as águas de um rio, alguns pássaros, ou então um homem maduro, de pele escura, com ar pensativo. Ou até mesmo uma jovem de pele clara, com as vestes leves e arejadas vendendo flores em algum Parque. A arte era muito mais do que apenas decifrar o que o artista queria transmitir. A arte era interpretar, era sentir, era estimular, era vivenciar as sensações. Mas acima de tudo, a arte era o lugar da liberdade perfeita.

Após explorar boa parte daquele primeiro andar da galeria, decidi ir para a parte superior, onde estava situada a exposição das fotografias. Era incrível ver como os artistas brincavam com as luzes em cada enquadramento. Mas a grande surpresa veio quando me deparei com a imagem de minha fotografia exposta na parte mais prestigiada daquela sala. Eu sempre fui muito inseguro em relação a tudo o que fazia, mas ter meu trabalho exposto ali, em uma das galerias mais renomadas do país, era uma das sensações mais incríveis que eu já havia sentido.

— E aqui está ele, o grande prestigiado do dia. — uma mulher, na casa dos seus trinta e poucos anos, lança-me um sorriso extasiante — Parabéns pela bela fotografia. Estou completamente fascinada por ela e toda a sua intensidade.

— Bem... Obrigado. — sorrio um tanto sem jeito. Eu nunca havia sido bom em lidar com elogios.

E assim eu passei os próximos quinze minutos, recebendo diversos elogios de todas as pessoas que por ali estavam. Era realmente gratificante ser reconhecido pelo meu trabalho. Mas como tudo em minha vida sempre possuía a sua carga árdua demais, logo me vi sendo atingindo por uma forte dor de cabeça, como se estivesse sendo acertado inúmeras vezes por um martelo. Era uma dor tão intensa que acabei me encolhendo ali mesmo, no meio daquelas tantas pessoas, enquanto levava as mãos até a cabeça para tentar, inutilmente, amenizar a dor.

Em um ato de completo desespero, fechei os meus olhos com força, ouvindo as vozes das pessoas ao meu redor se tornassem cada vez mais abafadas, até serem substituídas por ruídos assombrosos de algo parecido a uma... tempestade. Em um ato súbito, abri minhas pálpebras apressadamente, somente para deparar-me com o monstruoso tornado seguindo a todo vapor em direção a Arcadia Bay. E, por mais assustador que aquilo pudesse ser; nada no mundo havia me preparado para toda loucura que ainda estava por vir.

PEETA!

A súplica desesperada chagou como uma sentença abafada aos meus ouvidos, fazendo meu coração bater tão aceleradamente que talvez fosse até capaz de danificar minha caixa torácica. Katniss... O grito apavorado ficara completamente preso em minha garganta, sufocando-me, drenando cada corrente de ar que possuía em meus pulmões. A dor em minha cabeça, a aquela altura dos acontecimentos, já havia se tornado algo fatidicamente irrelevante em relação a todo o pavor que dominava cada mínima célula de meu corpo. Mas então, com a rapidez de um piscar de olhos, lá estava eu novamente, dentro da galeria, tendo o olhar preocupado dos inúmeros visitantes sobre mim.

— Hey, você está bem? — pergunta a mesma mulher que minutos atrás me elogiara — Perdemos você por alguns segundos...

— Oh, o seu nariz! — diz outro, segurando-me levemente pelos ombros, e só então tomo consciência do já costumeiro sangramento em meu nariz.

— Tudo bem. É só... enjoo por causa do voo... Altitude demais... — faço um gesto com a mão, como se aquilo não fosse nada demais, mesmo as palavras saindo um tanto embaraçadas de minha boca — Hmm... Obrigado por me ajudarem. Eu só preciso ir até o... Até o banheiro! Isso, o banheiro. — afasto-me rapidamente do amontoado de pessoas, tendo em mente os olhares confusos sobre mim, e apenas sigo para uma ala menos movimentada da galeria, acomodando-me em uma das poltronas após retirar o celular do bolso.

— Você deixou no silencioso, seu idiota! — ralho comigo mesmo ao encontrar seis chamas perditas, que para a minha completa agonia, eram todas de Katniss — Qual é? Atende, Marrentinha... — suplico, enquanto ouço a chamada ir para o quarto toque.

— Peeta! Meu Deus... A sua visão, ela é real! — a voz chorosa de Katniss surge em meio ao chiado do mau contato da ligação — O tornado está vindo, Peeta!

— O quê?! Deus, não... Katniss, onde você está? — pergunto, sentindo o ar ser completamente drenado de maus pulmões.

— Estou perto da praia, presa no restaurante. — seu tom de voz sai esganiçado, apavorado, na verdade, fazendo meu coração ser comprimido dentro do peito — Eu estou com tanto medo, Peeta... N-Não consi... — suas palavras são brutalmente interrompidas por chiados ensurdecedores e acabo entrando em pânico.

— Katniss! Katniss, você consegue me ouvir? Marrentinha! Alô...? Alô?! — a linha se torna silenciosa, indicando a queda da ligação, para o meu total apavoramento.

O maldito tornado não era apenas um sonho, ele era real, muito real. E eu não havia consertado porra nenhuma, só havia ferrado com tudo mais uma vez. Katniss iria morrer, e Arcadia Bay seria destruída. Tomar consciência daquele fato logo resultou em minha visão embaçada pelas lágrimas, grossas lágrimas que começaram a rolar livremente por minhas bochechas, misturando-se ao sangue que ainda residia na região abaixo de meu nariz. Na vida, não importava se você era o garoto mais lento da turma, ou até mesmo o atleta mais rápido do mundo, todos nós estávamos sempre correndo. Correndo de algo, correndo para algo, ou correndo para alguém. E não importava o quão rápido você fosse, existam coisas das quais nunca conseguiríamos fugir. Algumas coisas sempre iriam pegar você.

Eu sentia-me cansado, esgotado, sem forças nem mesmo para respirar, mas aquele ainda não era o fim. Não. Tinha que haver um jeito de acabar com aquilo de uma vez por todas, e a solução encontrava-se bem ali, na minha fotografia exposta na sala ao lado. Se eu era um tremendo idiota inconsequente por voltar novamente no tempo mesmo com todos os acontecimentos? Sim, eu era. Mas quando o desespero falava mais alto que a razão, os seus sentimentos simplesmente tomavam partido de suas ações, e tudo o que você poderia fazer era apenas se deixar levar, mesmo sabendo das catastróficas consequências.