Alek exalou como uma criança surpresa. Estava no Pilar a quase um ciclo, sempre via as torres e o palácio, mas nunca chegara perto, nunca chegara ao coração do Pilar. Os jardins suspensos.

Não existia uma muralha, apenas um precipício. O Pilar, antes, era uma cidade, e antes não existia. Alek olhou para o chão pensando em como aquilo se mantinha ali. Centenas de ciclos atrás aquele porto não existia, nem aquele canal que levava até o mar, apenas existia o vilarejo nascido da guerra. Aonde meu povo foi massacrado. Antes do pilar Moogul existia, uma cidade nascida do ódio aos magos, um preconceito tão intrínseco que fez a vitória na guerra transformar os derrotados em prisioneiros e os prisioneiros em escravos. Os primeiros castrados, não despidos de magia, mas forçados a usá-la para construir isso.

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A ilha inteira foi mudada, abriram um rasgo na terra do meio até a costa para a água entrar, porque Moogul precisava de um porto, a confiança no sucesso da empreitada era tanta que uma frota começou a ser construída antes mesmo da obra do Canal ser concluída. Toda a terra e rocha retirada na obra foi agrupada e empilhada, prensada e contida. A cidade de Moogul foi soterrada pelas paredes de rocha e terra erguida pelas mãos dos magos para servir aos desígnios daqueles que lhes odiavam, e no topo daquela muralha intransponível uma nova Moogul nasceu e morreu. Quando o antigo mundo se despedaçou, quando as muralhas intransponíveis não puderam ser derrubadas, foi ali o único lugar aonde a humanidade encontrou alento, um recomeço.

Então construído suspenso por todo meio criativo encontrado, os Jardins do Pilar foram erguidos como se flutuando no meio da muralha de terra e rochas, com um vão caindo para a cidade inferior e interna. No centro de tudo, no coração de Tëmallön, no coração do Anel e do Pilar, ficava, flutuando como os salões de Árion, o Palácio do Rei dos Reis.

A fachada, totalmente simétrica, era maior que toda a casa de Gÿrvanza. Completamente branca e verde, as colunas de granito tinham desenhos de cobras saindo de dentro da rocha, circundando a coluna até o teto aonde fundia-se com o gesso em formas hediondas, havia homens e mulheres nus, copulando, talhados pelas mãos de dezenas de escultores, animais sendo sacrificados, vulcões explodindo e até mesmo as criaturas lendárias voadoras cuspindo suas labaredas contra exércitos desafortunados. Um afresco em alto-relevo.

As portas do salão principal eram de um metal claro e brilhante, polido, leve e liso, destoando daquele teto da fachada, mas combinando com o chão, um piso de mármore que refletia em sua totalidade os desenhos do teto. É alumínio. Alek reconheceu, era um metal raro e que pouco sabiam como trabalhar. Recém-descoberto.

Gÿrvanza não parou para apreciar o local, mas Alek deixou ele seguir seu caminho enquanto observava em passos lentos tudo que podia. A torre mais alta parecia tentar alcançar o firmamento, tinha um telhado dourado e, não diferente do resto do palácio, era feita em rochas brancas. Talvez granito? Perguntava-se, mas acreditava que pudesse ser algo muito mais opulento.

Quando Alek chegou ao pórtico de entrada os guardas do Pilar em suas armaduras negras abriram caminho para ele e Gÿrvanza.

— Eu falo. — Gÿrvanza disse conforme entravam no salão. Até porque eu planejava fazer um discurso. Tempos atrás aquilo fora verdade. Alek queria falar com o Rei dos Reis quando ainda acreditava que este era um homem. Milhares, não, milhões de pessoas sequer sabem que o Rei dos Reis é uma criança.

Aquilo podia, ali no Pilar, ser conhecimento geral, mas para o povo, Alek aprendera, a ignorância era a única coisa largamente disseminada.

A luz do dia, filtrada pelos vitrais, se dividia no mais belo espectro de cores, jogando tons azuis, vermelhos e violeta por todo o salão branco até o trono no meio. No fundo do salão, atrás até mesmo do trono, uma grande escada bifurcada levava para o andar de cima aonde sacadas internas revelavam corredores na esquerda e direita. Abaixo das sacadas, nos nichos criados pelas colunas no salão principal, havia confortáveis sofás de cor vinho, tapetarias amarronzadas e lustres em cada nicho, além, claro, do lustre que pendia do teto no salão principal, um enorme e alongado lustre de dezoito metros trabalhado em pura prata e alumínio, aonde os primeiros protótipos de lâmpadas estavam esperando o anoitecer para serem acesas.

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Em pé, no meio do salão ao lado do trono, estava Cedric e Arsal.

— Cavaleiros. — Gÿrvanza disse se aproximando deles. — Sábio Arsal, soube de sua visita ao palácio...

— Então também deve saber que não foi chamado. — Arsal disse em uma voz seca e pontual.

Era já um velho, mas carregava o nome de Sábio por um motivo. Arsal usava sua túnica laranja com o símbolo da Ordem de Hasgyz desenhado no peito e nos ombros. Usava um óculos pequenino e seus olhos, por trás dos óculos, pareciam menores ainda por efeito da lente. Olhando-o, Alek pensava em um bibliotecário e não no Líder da ordem para qual seu pai dedicara a vida. Ou será que dedicou? Perguntou-se. Pegou-se naqueles dias pensando nas histórias de Gÿrvanza e até onde podia crer nelas, de toda forma, eram convincentes o bastante para coincidir com as ideias de sua própria mãe, que Talmer nunca fora o mais pacífico dos magos. Por isso fundar os Turmanos.

— Felizmente minha posição, tal como a sua, me permite participar de toda e qualquer reunião com todo e qualquer outro líder de toda e qualquer outra ordem. — Gÿrvanza frisou com um tom áspero, aquela lei era antiga, e evitava que líderes de Ordens planejassem golpes contra ordens opostas com a ajuda do governo. — Não vamos tornar isso desagradável, somos, no fim das contas, areia no mesmo saco.

Somos todos magos. Alek interpretou.

— Todos nós somos. — Cedric interveio, aparentemente havendo interpretado de outra forma. — Todos lutamos aqui pelo mesmo objetivo.

— Ministro, não seja tolo, ou ao menos não tenha a presunção de fingir ignorância, não comigo. — Arsal disparou. — Todos querem Tëmallön, mas cada um a quer de sua maneira.

Gÿrvanza olhou para Alek, que se mostrava apreensivo. Arsal esta certo, não lutamos por Tëmallön, mas sim para tomar Tëmallön para nós mesmos. Pensou, sabendo que Gÿrvanza lia seus pensamentos.

— Nem todos, A Ordem dos Cinco Reis desprezam a ideia de nossa confederação.

— E é sobre eles que quero falar. — Arsal interrompeu Gÿrvanza.

— Guerra contra Alnia-Saed? Estou muito interessado nos motivos que fazem um pacifista declarar guerra. Ouso até sugerir alguns. — Gÿrvanza disse olhando para o fundo dos olhos de Arsal.

Ele está tentando ler a mente do Sábio. Alek se pegou pensando se aquilo era possível, se Arsal cairia nos truques de Gÿrvanza como ele caia. Ele é o mago dos magos, não um iniciante. Não pode ser tão fácil assim...

E então Gÿrvanza recuou, cambaleando como se sentisse uma dor profunda, fez uma careta.

— Como havia dito, você não foi chamado, então não meta o nariz aonde não lhe diz respeito. — Arsal foi grosso, olhando para Gÿrvanza como quem olha um cão chutado para fora da calçada.

Nisto dois guardas vestido em negro surgiram pela escada.

Atrás deles vinha um homem em colete de couro e armação metálica, havia tubos de vidro nos ombros e um coldre na cintura aonde uma espada estava pendurada além de um monóculo com bugigangas atreladas à armação, este ele tirou entregando a um guarda. Seus cabelos iam aos ombros e estavam desgrenhados, a testa suada, suas mãos cobertas por luvas de couro fino.

— Mandeas, que bom que chegou. — Cedric disse olhando para o Rei Regente. — Arsal quer declarar uma guerra, sequer nos conta o motivo...

— Contará agora. — Mandeas disse, então olhou para Alek. — E este?

— É meu ajudante, estou o treinando...

— É mais um mago. — Mandeas torceu o nariz, e então olhou para Arsal ignorando Alek como se fosse problema para outra hora. Ele sabe quem eu sou, mas não ligou nome ao rosto, minha sorte. Alek tinha em mente. — Então, Arsal, o que tem para mim?

— Regente, há algumas partes-de-ciclo enviei Prio Moraetis para o Reino anexo de Nicacus ao sul, Prio é um exímio mago que tenho na mais alta estima, para criar a visão do que digo me permita dizer quem Prio é, nascido e criado em Alnia-Saar próximo às colinas de contenção da represa de Onmere, o menino foi descoberto pela nossa ordem com ainda sete ciclos quando seus poderes se manifestaram na forma de terra. Seu contato com as cavernas e os tuneis erguidos para construção de Onmere fizeram ele criar uma afinidade com a natureza, e eu pessoalmente supervisionei o treinamento de Prio durante dez ciclos. Ele se mostrou não apenas digno de minha confiança como dentro de toda Ordem. Nós, Hasgyz, somos muito rígidos com nossos tesouros, já que sua Ordem é tão displicente com os mesmos, então confiamos em poucas mãos a tarefa de carregar milhares de ciclos de conhecimento...

— Encurtando a história, Prio voltava de Nicacus com um Dorrem que foi roubado em Alnia-Saed e você quer guerra? — Gÿrvanza interrompeu de uma só vez. Alek também já tinha entendido aonde aquela história ia levar, mas não queria interromper o Sábio Arsal.

Na verdade, ele queria saber quem era Prio Moraetis, queria entender porque o homem tinha um dorrem, e Gÿrvanza acabou com tudo antes que Arsal tivesse oportunidade. Se por um lado ele e Turmo já sabiam, Mandeas parecia ter se surpreendido com a revelação. Arsal rosnava para Gÿrvanza como se odiasse o homem. Alek se viu imaginando os dois em um duelo de verdade, com a extensão dos poderes de ambos, seria, com toda certeza, um espetáculo destrutivo. Quem sabe um dia. Pensou, mas sentiu-se instantaneamente culpado. Não deveria, jamais, cortejar a guerra. Mesmo assim, que está o homem que prega esse ensinamento, pedindo permissão para guerrear. Ponderou, ficando cada vez mais confuso. O mundo adulto era confuso, tudo parecia mais fácil quando seu pai lhe dizia que bastava ser bom, que não podia matar, que deveria poupar-se da magia para que a magia lhe poupasse também. E agora quando via tudo por perspectiva entendia quando Talmer engasgava nas palavras, escolhia com calma o que dizer.

— É isto?

Cedric perguntou enquanto Mandeas absorvia aquilo tudo.

Arsal, decepcionado em ter sua elaborada narrativa interrompida e o clímax destruído, apenas anuiu. Alek entendeu no mesmo instante que a concretização do plano dele dependia do impacto emocional de sua história, que Gÿrvanza havia acabado de destruir.

— E o que quer de Tëmallön?

— Suporte, Regente. — Arsal pareceu até perder um pouco de sua voz imperativa de antes. Quando precisamos pedir falamos sempre mais baixo, como um cachorro adestrado. — Prio foi para Nicacus salvar mineradores presos em escavações que desabaram, suas habilidades eram uteis e eu o enviei, pois sabia que vidas estariam em risco se não o fizesse ou se enviasse qualquer outro. E com ele foi o Dorrem, é verdade. Então, não muito depois de sua partida de Nicacus para a viagem de retorno, houve uma emboscada, os guardas que o esoltavam apenas um sobreviveu, e não por muito, mas o bastante para selar uma carta. — Arsal puxou e entregou o papel para Cedric, que desenrolou e começou a ler para si mesmo. — Emboscados como ratos em um beco, roubaram o livro, mataram os demais e sequestraram Prio, porque sabiam que ele poderia ensinar como interpretar o Dorrem. Foi os Cinco Reis, tenho certeza, mas quando os confronto, a Ordem nega participação. Não viria aqui, porém, com acusações levianas e suposições baseadas em uma carta. Mandei batedores explorarem toda a região de Alnia-Saed e descobri atividades magicas relacionadas ao Dorrem, o tipo de magia é clara, veio do livro. E tudo que vi fortalece apenas uma nação, e não é Tëmallön.

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— Malditos separatistas. — Gÿrvanza esbravejou.

— Eles possuem um Dorrem, mesmo que bandidos, o que pode ser pior. — Cedric disse para Mandeas, que agora lia a carta ele mesmo. — No melhor cenário uma exigência sua poderia bastar, como Regente do Rei dos Reis, não como líder dos Carza...

— Não. Os acordos após os Capas Negras são claros; Apenas os Hasgyz podem por em exercício a prática dos feitiços e magias contidos nos Dorrens. — Mandeas citou.

E apenas aqueles que não ferirem, induzirem ou alterarem o corpo a mente e o comportamento do alvo.

Em suma, os Carza haviam proibido os Hasgyz de usarem magia para fins bélicos. E é por isso que Arsal está aqui. Alek entendeu de súbito. Arsal precisava de um exército para lutar aquela guerra por ele.

— De toda forma, Tëmallön não pode tomar lados, o exército de Onmere não pode marchar contra Alnia-Saed porque Alnia-Saar quer. — Cedric disse, doravante. — Não vou assinar por isso, O governo central não apoia nenhum reino rebelar-se contra outro. É preciso prova concreta dessas alegações, Sábio Arsal. Nenhuma ação bélica foi feita.

— A construção de muralhas é uma ação bélica de defesa. — Arsal disse. — E que homem constrói muralhas de dez metros de altura por todo um reino em questão de dias?

— Ação bélica de defesa que se mostra necessária a partir do seu discurso inflamado de quem quer guerra. — Gÿrvanza disse, tomando a dianteira. Alek apenas observava e aprendia, fascinado demais para sequer pensar em falar, afinal; o que falaria? — Mandeas, seja como for, agora aqueles cinco reis desorientados possuem um Dorrem, e estão utilizando. Cedric pode debater o quanto for, mas bandidos não constroem muralhas para o governo, eles as derrubam para si mesmos! O que o Rei dos Reis fará?

— Isso é um absurdo. — Cedric disparou. — Arsal, você só esta aqui porque é incapaz de declarar guerra você mesmo, sabe que Alnia-Saar não suportaria, e entrar em rebelião aberta contra Alnia-Saed o colocaria em guerra também contra Tëmallön. Veio até aqui para comprar um exército tentando usar seus motivos para convencer pessoas que não se importam com livros velhos. Veio comprar mercenários, mas somos patriotas, não espadas a venda.

— Na verdade, se Os Cinco Reis possuírem mesmo este Dorrem... — Gÿrvanza então falou com mais calma. — Eu cederia magos para recuperar o livro. Afinal, mesmo com o exército de Onmere, quais as chances contra magos com um Dorrem? É o tipo de combate que só pode ser feito fogo contra fogo.

— Preciso lhe lembrar quem acabou com os Capas Negras? — Mandeas perguntou.

— O sábio Onires ao revelar aonde eles estavam. — Gÿrvanza retorquiu. — Parece que os Carza só limpam a sujeira, o trabalho difícil sobra sempre para os Magos.

— Chega! — Cedric falou mais alto que todos. — Você cederá seus magos, mas para isso precisará da liberação real, e Tëmallön não pode apoiar um combate entre reinos anexos, uma guerra interna despedaçaria...

— Eu assinarei a liberação. — Mandeas disse. — Os Soldados De Carza escoltaram os Magos Turmanos e os Magos de Hasgyz para assegurar que nenhum dos dois quebrem os limites impostos por lei, e o livro será encontrado e será destruído. — Disse então olhando para Arsal com seriedade. — Esses são os termos. Queria uma guerra, conseguiu uma!

Cedric ia argumentar, mas Mandeas se virou e retornou para a escada.

Então o Ministro olhou para os dois, e foi atrás do Regente.

Arsal e Gÿrvanza trocaram olhares como inimigos que são obrigados a juntar forças.

— Obrigado. — Arsal quebrou o silêncio, e sem mais puxou sua túnica com um gesto de despedida, se virou e foi para o pórtico.

Deixando apenas Alek e Gÿrvanza no salão, junto de alguns guardas dispersos.

— Se a lei diz que apenas os Hasgyz podem usar os dorrens...

— Apenas eles podem usar, qualquer um pode ter posse. Mandeas sabe que eu tenho um, assim como sabe que o sobrinho dele tem um, e que o filho de Talmer tem um.

— Você usa... Eu usei o Dorrem...

— Mas disso Mandeas não sabe!

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.